A vida nada secreta da atriz, escritora e digital influencer Bruna Lombardi
Aos 14 anos, o rosto de Bruna Patrícia Maria Teresa Romilda Lombardi, modelo adolescente, deslumbrou o Brasil e a credenciou a ser o mito em que ela se transformaria nos anos seguintes – a ponto de fazer o professor de mitologia interpretado por Agildo Ribeiro em Planeta dos Homens ficar enfeitiçado por… Bruna Lombardi. Mas ela não era apenas um rosto de cair o queixo. Filha de um cineasta italiano e de uma atriz austríaca, conquistou o mundo artístico e cultural com múltiplos e díspares talentos – como atriz, ela chegou a ser Diadorim, o personagem mais complexo e nada glamouroso do universo de Guimarães Rosa, na minissérie Grande Sertão: Veredas e a freirinha de Cyrano de Bergerac. Comandou um programa de entrevistas. Escreveu dez livros – prosa e poesia. E agora comanda uma série da HBO, A Vida Secreta dos Casais, concebida e escrita por ela, que também faz o papel principal – a sexóloga Sofia – com o detalhe de ser dirigida pelo marido, o ator Carlos Alberto Riccelli e pelo filho, Kim. Sintonizada com seu tempo, tornou-se uma disputada influenciadora digital com o portal Rede Felicidade. Seu tempo? Feitiço do tempo: o atual rosto de Bruna parece pertencer à mesma época de sua estreia na modelagem. Uma beleza deslumbrante e intocada, aos inacreditáveis 67 anos. Segredos? A seguir.
Na série da HBO, agora na segunda temporada, você faz uma sexóloga. Como é isso?
A série tem muitas camadas. Uma parte são as terapias holísticas da terapeuta Sofia, que cuida da sexualidade, da espiritualidade, do bem-estar, do corpo, da saúde e da felicidade de seus pacientes, em aulas práticas para casais e clientes individuais. Mas ela se vê envolvida na investigação de um crime, logo no primeiro episódio da primeira temporada, com um dos pacientes, o que a leva a muitos lugares – política, corrupção, etc.
Pode-se dizer que essa é sua volta ao mundo artístico, depois de uma pausa considerável da TV?
Não, porque nesse meio tempo fiz cinema. Antes disso, na TV, foram 10 anos de Gente de Expressão, em que eu viajava o mundo inteiro entrevistando famosos. E então dei uma guinada para o cinema – O Signo da Cidade, Onde está a felicidade, Amor em Sampa, os três com direção do Ri [seu marido, Carlos Alberto Ricceli].
A pergunta é um clichê, mas inevitável. Qual a fórmula para manter essa beleza deslumbrante que abriu seu caminho no mundo artístico, nos anos 70?
E sem retoques… Tenho um bom dermatologista (risos)… Falando sério: a gente tem de viver de gratidão por tudo o que a gente recebe ou conquista nesta vida. Mas acredito também que exista uma maneira de conduzir a vida que ajuda você a viver com mais qualidade. Há aí o paralelismo do físico com o psíquico, o corpo com a mente – uma triangulação que a gente frequentemente esquece de conectar. Eu tenho feito muitas palestras – esta semana foram duas. E falo muito sobre as escolhas que a gente faz. Abri a Rede Felicidade, meu portal, com pessoas muito engajadas.
Tem os chatos e os haters também… Engraçado, nas minhas redes não têm…
Acho que criei uma corrente do bem. Um monte de gente querendo melhorar a própria existência. O Gandhi dizia: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Começa na gente, em você, no jeito que você cria seus filhos, com valores melhores. E chega um momento na vida em que é preciso retribuir o que você recebeu – servindo de farol e abrindo caminho para outras pessoas.
Top models, no começo de sua carreira, se impõem pela estética. Quando os anos deixam sua marca, elas tentam mostrar seu interior – para manter a fama. Mas a maioria não tem conteúdo – e sua fama derrete. No seu caso, é um acúmulo: a mesma beleza e a sabedoria da maturidade…
Obrigada. Meu dermatologista, o Jardis Volpe, pensa muito parecido comigo. Não é interferindo na natureza que se consegue isso – mas buscando valores e…cuidando da pele. Isso é obrigatório.
Você não tem rugas…
Ah, tenho, vá. Pelo menos as rugas de rir – mas graças a Deus, né?
Seu rosto deslumbrante lhe abriu portas na modelagem muito cedo, não?
Sim, mas como eu estudava, tinha pouco tempo para o trabalho – fazia duas faculdades, uma de manhã, uma de noite: Comunicação e Propaganda e Marketing. De tarde, eu fazia capa de revista, propaganda, gravações. Foi assim que comprei meu primeiro carro, um fusca zerinho, aos 18 anos. Sempre fui muito independente.
Em algum momento a beleza te atrapalhou?
Olha, só se você coloca todas as suas fichas nela. Beleza é apenas sua superfície. Mas, particularmente, não posso reclamar. Só me abriu portas. É um presente. Mas nunca me baseei nela para viver. Nunca achei que ela fosse meu único ponto de contato com o mundo. Sempre tive meus livros, minhas buscas, meus estudos, nunca fiquei na fixação da beleza.
Seu lado de escritora é uma inspiração permanente?
Sou escrava do dom e do impulso de escrever. Já escrevi com fósforo queimado porque não tinha caneta e me veio alguma inspiração. Escrevo muito, constantemente, desde criança. Acordo de noite para escrever. Poesia, prosa e, agora, roteiro – é uma devoção. Fui para os Estados Unidos com o objetivo de estudar roteiro. Isso abriu meu universo de maneira incrível. Sentia que era uma boa roteirista – mas hoje eles brincam comigo que eu faço o trabalho de 20 pessoas. O Kim e o Ri me ajudam muito como meus primeiros leitores e críticos. Mas o ato de escrever, ali sentada horas e horas por dia, eu faço sozinha. O grande luxo de minha vida é fazer o que eu gosto.
Algo que me marcou: depois de uma entrevista, há uns 20 anos, fomos almoçar em uma lanchonete e você pediu uma salada de alface e tomate sem nenhum tempero. Ainda é naturalista assim?
(Risos). Não sou radical no comer – aliás, em nada. Sempre gostei de coisas verdes e, às vezes, como sem tempero para sentir melhor o gosto dos vegetais. Minha alimentação é muito saudável, mas não sou vegana, porque como peixe e ovo. E é preciso compreender as escolhas das pessoas. Cada um tem suas fases. As pessoas têm seu ritmo de pensamento e, num insight, descobrem uma nova linha de preferências alimentares, por exemplo. Isso tem seu timing, tem a hora certa.
Parece que você não tem uma interface muito explícita com a política, mas neste momento é impossível não se manifestar. E então?
Desde muito cedo tenho uma postura bem clara. Já subi em palanques, com o Lula de um lado, o Fernando Henrique do outro – de mãos dadas com os dois, lutando pelas eleições diretas. Conheci os bastidores da política. Subi em avião com o Tancredo. Isso me deu uma boa visão do todo. Minha vida me levou para muitos conhecimentos em muitas áreas. As portas foram se abrindo para eu conhecer diversos mundos – o da política, o artístico, o editorial. E descobri que todo mundo é humano, em qualquer parte do mundo. Parte da família de minha mãe nasceu em Istambul. Tenho uma mistura universal tão ampla que compreendo todas as etnias, todos os povos, todas as linhas de pensamento. Não consigo compreender é a disputa, a guerra, o antagonismo.
Essa onda de feminicídios, agora…
Uma loucura. O embrutecimento das pessoas é fruto de períodos de trevas – seguidos de iluminismos. A história é cíclica. Comemoram-se agora os 30 anos da queda do Muro de Berlim. Naquele instante parecia que o mundo estava se conscientizando do não-totalitarismo, da não divisão. Como dizia Madre Tereza de Calcutá, “em vez de muros, vamos construir pontes”. Mas isso durou pouco. Resumindo: minha visão de política é ampla e compreendo que os seres humanos são parecidos nas emoções – mas as ideias mudam muito por uma formação específica, um grau diferente de educação.
Isso leva a concluir que Bolsonaro é uma dessas fases de trevas…
Vejo tudo como fase. O que é que pode sair de bom nisso? Se estou num barco, não quero que ele afunde. Torço sempre para dar certo, torço por meu país – mas com maior igualdade, respeito, dignidade, gentileza. Olho sempre para o ideal. Onde me manifesto? Nas causas independentes – dos animais à defesa ambiental. Para isso vai minha energia. Presidentes vão e vêm. Eles duram tão pouco perto da extensão do percurso. É preciso levar em conta a extensão da maratona, não a corrida de 100 metros rasos.
Seu ativismo animal vai até que ponto? Participa de ONGs, por exemplo?
Participo. Ajudo, divulgo. Meu Instagram faz um trabalho muito ativo em várias causas. Uma delas, no momento, é combater o preconceito contra doenças raras, que poucas pessoas conhecem – como a Cri du Chat [ou Síndrome do Miado Gato, uma síndrome genética rara, com incidência de 1 em 50 mil nascidos vivos, cuja característica é o choro do bebê semelhante ao miado de gato, provocado pelo desenvolvimento anormal da musculatura da laringe]. É preciso bloquear os preconceitos para que essas pessoas tenham uma vida próxima do normal. A inclusão de cadeirantes, a partir de calçadas rebaixadas, é outra causa. A gente faz campanha pra tudo.
Mudando de assunto: faria uma novela na Globo hoje?
Difícil, estou sem tempo. Minha vida hoje é um trem enlouquecido. A segunda temporada da série da HBO exige meio ano de gravações. Antes de te encontrar, passei pelo anexo de sua casa onde trabalha sua equipe de assessoria. Poucas empresas têm uma estrutura desse porte, com 10 funcionários. É a empresa Bruna Inc? (Risos). É um loft maravilhoso, né? Esse pessoal tem muito trabalho comigo. No portal Rede Felicidade, você é classificada como atriz, poeta, escritora, apresentadora, roteirista, produtora, palestrante e ativista ambiental.
Se tivesse de escolher uma só dessas atividades hoje, qual seria?
Queria ser eu mesma (risos).
A palavra da moda no universo feminino é feia, mas pegou: empoderamento. O que você acha desse termo?
Ah, eu gosto. Não acho feia, não. Eu estava nos Estados Unidos quando começaram a usar essa palavra. Sempre existiram diferenças entre homens e mulheres. A grande diferença hoje é que as coisas estão vindo à tona. Nesse sentido, estamos vivendo um período de iluminação, porque, ao acender a luz, você enxerga a sujeira, o lixo, a violência doméstica. Tudo isso já existia, mas era abafado ou ganhava uma desculpa do tipo “o cara está lavando a honra”. Sim, as mulheres estão se empoderando.
Na Rede Felicidade você diz que olhar no espelho é um instrumento de autoconhecimento. O que você vê quando se olha?
Ah, mulher cada dia vê uma coisa – e preferencialmente olha seus defeitos. Mas, com o tempo, a gente fica mais tolerante. Na minha adolescência, tinha uma amiga que não saía de casa com uma espinha no rosto. E ficava arrasada com isso. Dane-se a espinha! Hoje, os adolescentes já estão menos fissurados. Eu já era desencanada – e estou mais ainda. Me pinto pouco. A sobrancelha é minha.
Te assusta a perspectiva de chegar aos 70?
Não. Nunca penso em números. Esse é um segredo bom: não pensar em números. Lembro de meu pai [o cineasta Ugo Lombardi] fazendo 80 anos. Fomos para Cancun a família inteira. E percebi que meu pai estava muito impressionado com o número 80. Excelente nadador que sempre foi, além de um sujeito muito esportivo, estava meio titubeante de entrar no mar. Pensei: não vou deixar isso acontecer. Aí contratei para ele um parapente. A próxima cena do roteiro: meu pai está mais alto que o mais alto prédio de Cancun, puxado por uma lancha, felicíssimo. Acho que ele percebeu aí que o número não tinha nada a ver. Relaxou total e viveu até os 93.
Você, o Ri e o Kim não se separam nem no trabalho, né?
Sou muito grudada nas pessoas que eu amo. Sempre fui. Também me dou bem sozinha, mas adoro um grude e essa nossa relação de cumplicidade e humor. Todo mundo tem crises, mas sou de opinião de que crise faz crescer.
Por Celso Arnaldo Araujo