Um lugar para lembrar
O novíssimo Memorial da Imigração Judaica revela e traduz a importância de histórias de vida dos judeus que chegaram, ficaram e ajudaram a construir São Paulo.
Por: Taís Lambert
Noé, ou Noach, em hebraico, é o célebre patriarca bíblico que, depois de ter construído a arca para salvar sua família e pares de animais do Grande Dilúvio, solta uma pomba com a incumbência de lhe trazer um ramo de planta, o que provaria que as águas teriam baixado e ele, enfim, poderia ancorar a arca e aportar em terra firme e segura, depois de longo período. A pomba trouxe-lhe um ramo de oliveira no bico, anunciando que já não era mais tempo de águas altas e que poderiam, enfim, descer da arca e reestabelecer a vida em um novo lugar. Este episódio é lembrado de forma muito marcante e profundamente significativa no primeiro Memorial da Imigração Judaica, inaugurado há pouco no bairro do Bom Retiro, na capital paulista. O novo endereço de história, cultura e arte da cidade, localizado na sede da sinagoga mais antiga do Estado de São Paulo (1912), a Kehilat Israel, traz uma escultura do artista e sobrevivente do Holocausto Gerson Knispel, logo no primeiro andar: uma grande pomba com um ramo de oliveira no bico, fazendo analogia entre o episódio bíblico e o imigrante judeu. “O povo judeu, também perseguido e humilhado em tantos lugares, procurava um porto seguro, um local para repousar, da mesma forma que Noé. Essa escultura é muito bonita justamente por dialogar tanto com a questão da imigração judaica”, conta o professor Reuven Faingold, guia e responsável pelos projetos educacionais do memorial. No centro da escultura, há países e datas de onde e quando os judeus foram expulsos ao longo da história. São Paulo foi, então, o porto seguro dessa longa e cansativa jornada.
Interatividade
O principal objetivo do Memorial da Imigração Judaica, segundo seu coordenador, o Rabino Toive Weitman, é “por um lado, homenagear os imigrantes, que são nossos antepassados. Esses que vieram de tão longe, muito pobres na matéria, mas ricos na fé. Por outro lado, agradecer ao Brasil pela acolhida e pelo respeito para conosco.”
De maneira primorosa e muito interativa, os três andares do memorial oferecem muitas fotos e documentos, desenhando uma linha do tempo bastante completa e didática sobre a imigração judaica. A sinagoga centenária, no primeiro andar, foi restaurada, conservando todas as características da época e peças em madeira originais. Ao subir as escadas – há também elevador panorâmico para as pessoas com deficiência – o visitante se depara com uma “parede falante”. Com projeções e áudio, é possível ler e ouvir saudações nas principais línguas judaicas atuais, como o hebraico, iídiche e ladino, todas faladas no Brasil. O segundo andar reserva excelentes surpresas para quem gosta de interatividade. Do nascimento até a morte, passando por celebrações e ritos de passagem, o visitante poderá assistir ao ciclo de vida de um judeu em vídeos educativos e bem dinâmicos em totens multimídia.
O casamento, algo bastante sagrado para a comunidade judaica, é uma das celebrações que ganharam tratamento ainda mais especial. Na cerimônia real, quebra-se uma taça com o pé. Para o visitante vivenciar algo parecido, foi construída uma Chupá – pronuncia-se rupah –, um altar, nesse caso, com um tampo de vidro no qual se vê estampada uma taça, diante da grande fotografia dos noivos. Ao pisar ali, é possível ouvir o quebrar da peça, como seria na realidade.
A gastronomia judaica é igualmente repleta de simbolismos. As diferentes receitas, que variam segundo a data comemorativa, carregam muitos significados relativos à espiritualidade. Mais uma vez, o visitante se vê diante de uma experiência interativa: ao apertar cada um dos botões, um tipo de refeição é projetada na mesa (real), contendo todos os pratos típicos de festividades como o Shabat, Rosh Hashaná e Pessach.
Uma grande galeria de fotos de muitas das famílias imigrantes causa uma certa sensação entre as pessoas. Em telas interativas, é possível pesquisar sobrenomes judeus e encontrar antepassados. Abrilhantam as telas personagens como o então jovem H. Stern em Copacabana, em 1939, Leon Klabin, os irmãos Klein e a família Safra.
Judeus célebres, já falecidos, e muito importantes para a história da comunidade judaica e também para São Paulo e o Brasil, são retratados no subsolo. Com tijolinhos à vista e painéis multimídias interativos, o subsolo era uma antiga hospedaria para os judeus que chegavam ao bairro no começo do século passado. Era ali, onde hoje se conta sua história, que ficavam beliches enfileirados para dar abrigo a quem havia, literalmente, atravessado o mundo.
“Samuel Klein, sobrevivente do Holocausto e fundador das Casas Bahia, por exemplo, costumava dizer que chegou aqui ‘com duas maçãs e uma carroça’. E se tornou o maior astro do comércio no país”, conta o Rabino Toive Weitman.
Raridades
O acervo do Memorial conta com mais de mil peças doadas por toda a comunidade judaica, incluindo o apresentador Sílvio Santos, que contribuiu com o fantástico Diálogos de Amor, livro de 1558, escrito por seu antepassado, Leon Yuda Abravanel. O diário de viagem de Henrique Sam Mindlin, da famosa família Mindlin, da empresa Metal Leve, também é peça rara no Memorial. O garoto tinha apenas 11 anos quando escreveu num diário sua jornada de navio da Ucrânia até o Rio de Janeiro. Era 1919. Candelabros da época de Napoleão Bonaparte, objetos para a circuncisão de meninos, louças e livros e tantos outros itens de várias idades e origens disputam a atenção de quem visita o local. Segundo Toive Weitman, de tempos em tempos, e segundo as festas judaicas, os objetos em exposição serão trocados. É um lugar para ir e ficar, sem pressa.
Memorial da Imigração Judaica
R. da Graça, 160 – Bom Retiro – São Paulo – SP
Das 10h às 17h, de domingo a sexta-feira
Visitação gratuita – Tel.: (11) 3331-4507