Tempero na Mochila
Pedro Benoliel é uma dessas pessoas de quem é difícil não gostar. A espontaneidade, o desembaraço e o sorriso largo o levaram para além dos limites da gastronomia tradicional: no Canal Food Network (TV por assinatura), onde apresenta o programa Tempero na Mochila, o chef de cozinha viaja em busca de boas aventuras – e comidas. E mostra-se um autêntico desbravador de raízes alimentares.
Por: Mariana Santos
Ele gosta de desafios, é apaixonado por comida oriental e já sofreu na pele os dissabores da alta gastronomia. Aos 30 anos, o chef carioca Pedro Benoliel mistura a experiência adquirida trabalhando com chefs consagrados – Checho Gonzales (Zazá Bistrô) e Roland Villard (Le Pré Catelan), no Rio de Janeiro, Alain Ducasse (Les Jules Verne) e Yves Camdeborde (Le Comptoir du Relais), em Paris, além da desenvoltura de anos no buffet da família e a espontaneidade diante câmeras. Uma receita deliciosa que já conquistou sete milhões de espectadores. No programa Tempero na Mochila, que acaba de chegar à segunda temporada no canal Food Network, Pedro viaja levando sua cozinha itinerante à casa de moradores locais e revela o que há de mais interessante no turismo gastronômico e cultural de cada região. O litoral paulista foi a primeira parada da série, que agora apresenta novos episódios gravados em 11 cidades do sul do país. Sua estreia no Canal Food foi com o Cozinha na Laje, produção em que Pedro e convidados redescobrem a comida popular e a cultura de botequim, em uma laje no Morro do Vidigal. Ele se diverte relembrando da surpresa que teve ao se dar conta de que iria para a TV. “No primeiro dia de gravação, me perguntaram: ‘Preparado para a televisão? E eu respondi: ‘Como assim? Eu achei que ia virar youtuber. Mas como eu já estava lá, falei: ‘vambora!’”. É com esse espírito aventureiro que Pedro tempera histórias e traduz a essência de seus anfitriões, a partir do dia 22 de junho, às 20h30.
GW: É verdade que você aprendeu a cozinhar no Exército de Israel?
PB: Eu sou judeu. E, aos 18 anos, por não saber o que estudar depois do colégio, fui morar em Israel. A minha família tem buffet e eu sempre vivenciei essa rotina de cozinha. E lá em Israel eu precisava trabalhar. O meu primeiro emprego foi como cortador de carne em uma churrascaria brasileira. Passava nas mesas cortando carne no prato das pessoas. Eu ganhava um dinheiro bacana, mas queria trabalhar na cozinha. Comecei a fazer metade do período no salão e a outra metade na cozinha e me envolvi mais. Posteriormente, fui para o exército, mas lá não trabalhei na cozinha.
GW: O que você traz de mais valioso dessa experiência?
PB: As referências de sabor, de contrastes de cultura. Por ter nascido em Belém de uma família judaica com origem no Marrocos, tenho uma mistura na cabeça, desde moleque. Na minha casa tinha cuscuçú – um cozido marroquino com especiarias feito por minha avó, que levava doze horas para ficar pronto. Em Israel eu comia as comidas típicas e, como lá tem muitos imigrantes, as culturas se misturavam. Talvez esteja no meu inconsciente toda essa biblioteca de sabores. Sou fã de comida oriental. Obviamente existem ingredientes que eu nunca vou conseguir usar, porque o paladar do brasileiro não está adaptado. E eu não vou conseguir encontrar os temperos e o maquinário, então tento traduzir essa influência nos pratos e adaptar as influências à nossa realidade. E isso eu faço quando ofereço um serviço de buffet ou quando organizo um evento (o chef organiza open food e open bar Brasa BBQ, no Rio de Janeiro).
GW: Você se incomoda com essa fama de “chef gato”?
PB: Eu me incomodaria se eu fosse feio. Acho que isso começou por causa de uma matéria que o Alvaro Leme fez comigo há uns dois anos, quando comecei a mostrar o trabalho no Food Network. Não me incomoda porque eu sou muito seguro de quem sou, do que tenho para apresentar e do meu potencial. Me incomodaria se eu tivesse um poço de insegurança atrás de mim e pensasse “poxa, o cara só me chama de chef gato”. Obviamente que a piada dos meus amigos é “lá vem o chef gato!”, mas está tudo certo. Eu levo na boa. E abre portas também, não fecha.
GW: No Tempero na Mochila, você não explora apenas o universo gastronômico, mas busca personagens e boas histórias. Como descobriu esse talento de repórter?
PB: É a primeira vez que me chamam de repórter (risos). O Tempero na Mochila tem uma pegada de desbravar, sem um formato engessado, pode mudar dependendo do local para onde eu for. Na primeira temporada, teve muito esporte, muita conexão com o mar, o ambiente do litoral paulista proporcionou muitas atividades que posso ter no Rio, mas não faziam parte da minha rotina. Então fui atrás disso. Fui descobrir o que esse local tinha para proporcionar. O Sul (cenário da nova temporada do programa) é um lugar de paisagens lindas, histórias da colonização alemã, japonesa, italiana. E tem ainda a arte de cada um, as histórias das pessoas e suas famílias, o que acaba enriquecendo muito o programa. Como eu vou contar a história de uma comida se eu não souber de onde ela veio? No programa, o principal não sou eu, é a comida. Não me acho repórter, me considero um “desenrolador”: chego lá, conheço a pessoa e tento desenrolar a história da vida dela.
GW: Você se considera um especialista em alguma cozinha?
PB: Especialista em serviço. A minha especialidade é a operação, sou muito bom em entregar uma comida com qualidade, saborosa e fresca. Acho que 99% das vezes eu consigo atingir esse objetivo.
GW: De onde vem a sua predileção por comida mais simples?
PB: Fui criado numa cozinha de alta gastronomia. Leva um tempo para que a alta gastronomia faça parte dos seus modos, das suas ações, você sofre para absorver isso. Sofre pressão com o chefe, de entrega, padrão, custo, receita. Já vi chefs se suicidarem por ter perdido uma estrela do Guia Michelin. Eu respeito todas as gastronomias: a comfort, a natural, a alta, a “baixa”, e cada vez mais a gastronomia brasileira vem se desenvolvendo e se estruturando em nichos. A comida de boteco toma uma proporção gigantesca, por exemplo. O Alex Atala, o Troisgros… são momentos. Nos últimos dez anos, a gastronomia no Brasil está vivendo um momento muito bacana de crescimento do mercado. Agora nós temos mais artesãos da gastronomia. Tem um cara para pensar em como harmonizar 15, 18 pratos. Eu tiro o meu chapéu. Mas não é a minha. Gosto de comida simples.
GW: Você tem vontade de abrir um restaurante ou já está trabalhando demais?
PB: Tenho, mas acho que não é o momento. Com essa crise que o país está enfrentando, acredito que é hora de cada um ficar no seu quadrado. Tenho muita vontade de abrir um restaurante com uma pegada oriental, fusion, algo que remeta à culinária judaica, mas moderno, contemporâneo. Não esperem de mim um restaurante agora. Esperem mais Tempero na Mochila.
Tempero na Mochila
Todas as quintas-feiras, às 20h30 No canal Food Network
www.foodnetwork.com.br