Revelações de Amaury
Ele não é simplesmente um jornalista, ou colunista social eletrônico. Mas uma instituição da sociedade paulistana. Há 33 anos, festa com a presença dele é a festa. Sempre muito bem informado, não se deslumbra à toa. É festeiro, mas altamente profi ssional – de qualquer evento, mesmo quando há implicações comerciais envolvidas, gosta de extrair informações que façam a diferença. Claro que, volta e meia, entra em roubadas – como no dia em que entrevistou o farsante que se fazia passar pelo fi lho do dono da Gol. Mas, às vezes, assina o livro de ouro – como na histórica minientrevista com o recluso João Gilberto: foram 72 palavras que, desde então, jamais foram repetidas por ele em público. Sim, nem tudo é festa: há dois anos, mergulhou em depressão profunda, como revela aqui um Amaury Sênior – ainda empolgado pelo trabalho
Por Celso Arnaldo Araujo
GW: Esta edição celebra os 20 anos da revista. Dá para compa-rar a vida social de 1995 com a de hoje?
AJ: Mudou tudo, meu Deus. Sou da época do Gallery – foi minha maior produtividade como colunista social. Não há mais o gla-mour de antigamente, o dinheiro de antigamente. As pessoas gostavam de ostentar.
GW: Chiquinho Scarpa continua igual…
AJ: Essa é uma figura icônica e folclórica, que sempre tratou com bom humor até seus momentos mais dramáticos. Mas, fora ele, mudou tudo. Não há mais festas espontâneas. Aliás, era difícil, na época, eu ser aceito com meu programa nas festas. Levar coluna social para a TV tinha essa intenção: buscar notícias dentro da festa. Entrevistar pessoas que movimentam a cidade. Como as pessoas gostavam do gênero do programa, as portas foram se abrindo e as pessoas passaram a me convidar. Eu não saía do Gallery, do Ta Matete, do Regine´s, que eu ajudei a movimentar como assessor de imprensa. Astros como Omar Sharif e Alain Delon vieram para festas no Regine´s. Como eu disse, eram festas espontâneas. Hoje, todas têm um fundo comercial. Alguém está vendendo seu peixe numa festa. Com raríssimas exceções. Quem era rico dizia que era rico. Hoje o pobre fala que é rico e o rico fala que é pobre. Regine´s, Hippopotamus, Onorabilá Societá. Eram pontos de encontro que facilitavam meu trabalho. Hoje você não cita nenhum lugar. A violência no Brasil teve muita influência na noite. A Lei Seca, a proibição do cigarro. Vai somando. Quando fiz o Clube A, imaginei poder resgatar essa aura dos anos 70 e 80.
GW: O Club A não deu certo?
AJ: Deu. O que não deu certo fui eu. Fiz o Club A achando que eu fosse resgatar o glamour do Gallery. Errei. Não havia mais clima para isso. As famílias que frequentavam o Gallery, o Hippopo-tamus, o Regine´s, desapareceram, faliram ou envelheceram. O Club A é muito grande. Cabiam cinco Galleries. E a ideia de cobrar carteirinha… A ideia era escolher quem a gente queria que frequentasse. O Gallery tinha fila para comprar carterinha. No Club A ninguém queria. O tempo passou e, com eventos, que é o que sustenta casa noturna hoje, festas, aniversários. Depois de dois anos começou a dar dinheiro. O Club A vinha bem. Eu é que não ia bem. Eu tinha que estar lá – e dono de casa noturna não pode beber nem fumar. Transformava o Club A em ponto de gravação do programa. Criei um ambiente onde eu pudesse dar festa toda noite. Mas eu não aguentava mais. Meu advogado disse: estou vendo que você não está aguentando. Vende, que ele está comercialmente no pico. Meu sócio era muito esperto. Já tinha percebido que acabou essa história de glamour. A noite hoje é feita para os jovens. Ele inventou playlist, noite sertaneja, hoje tem fila. Saí no auge.
GW: Hoje a cobertura noturna não te enfastia?
AJ: Muito. Hoje temos reunião de pauta três vezes por semana. An-tes, era uma a cada 15 dias. As coisas eram automáticas. Hoje, gravo quase todo dia. A TV mudou muito, com a chegada do cabo. Hoje tem 500 canais. O bojo do meu público é antenado, bandeia para o cabo ou fica esperando de mim além do que eles já acumularam ao longo da vida.
GW: Qual é a incidência de interesse comercial em suas cober-turas?
AJ: Depende da semana. Mas há eventos comerciais que vou cobrir por interesse editorial. Às vezes me desobrigo de fazer um infomercial.
GW: Um programa meia-noite e meia não é muito tarde?
AJ: Gostaria que fosse um pouco mais cedo. Mas não escaparei de concorrência brutal. Às 11 da noite, ainda tem novela da Globo… A Globo é uma concorrente muito forte. Como meu programa é qualificado como coluna social eletrônica, é uma revista variada de fim de noite. Mas criei coisas para dar uma arejada. Viagens, por exemplo. Adotei a estratégia de não mostrar a mesmice. Voltei agora há pouco do Panamá.
GW: Essas viagens são patrocinadas?
AJ: Escolho o roteiro, mas para prestadores que me apoiam. Viajo com cinco pessoas. Fui o primeiro jornalista brasileiro a mostrar Dubai na TV. Aumentei a audiência, fiz um álbum de capa dura, distribuído como pocket book na Primeira Classe da Emirates. Claro que viajei com todas as despesas pagas. Mas minha ausência de São Paulo me custa. Nunca voltei a Dubai. E agora precisaria de verbas da secretaria de Turismo local.
GW: Tem muita roubada nos eventos onde seu programa é convidado?
AJ: Tem festa roubada toda semana – sobretudo porque há um truque dos assessores de imprensa: mandam listas de nomes que nunca estarão lá.
GW: Isso sem falar nos ex-BBBs…
AJ: Eu criei um termo para essas falsas subcelebridades: “celebutantes”. A palavra celebridade está avacalhada. Celebridade, para mim, é aquele que já fez tudo o que tinha de fazer. Pelé, Ivo Pitanguy. BBB não é celebridade. Mas as redes sociais colaboram para isso, mostrando o quanto as pessoas são vaidosas e vãs. É boçalidade, atraso, vulgaridade.
GW: Você tem medo de envelhecer?
AJ: Medo não tenho. Quero envelhecer saudavelmente. E, quanto melhor eu estiver esteticamente, vou me sentir melhor, ficar de bem comigo mesmo. Neste momento, estou envolvido com a dieta do trigo, orientada por uma amiga minha, nutricionista. O livro Barriga de Trigo, do Dr. William Davis, vendeu dois milhões de exemplares com a tese de que o trigo é responsável por tudo de ruim na alimentação humana. O trigo de hoje não é mais o de nossas avós. Foi modificado geneticamente para alimentar o mundo. Sem trigo, normalizou minha glicose. A pele melhorou, perdi peso, me sinto mais leve. Fiquei cinco anos sem fumar, vol-tei. Mas estou tentando parar de novo. E estou bebendo menos. Quero uma longevidade saudável.
GW: E a cabeça, como vai?
AJ: Eu tive uma depressão pesada durante um ano.
GW: Como surgiu?
AJ: Eu estava no Canadá, fazendo uma reportagem. E, de um minuto para o outro, nada mais me interessava. E isso durou um ano. De não querer sair de casa. Eu ia trabalhar, armava um sorriso automático e ficava rezando para acabar o evento logo. Andei pra lá e pra cá, troquei de meedico e de remédio, comprei um livro que me ajudou muito, chamado Demônio do meio-dia, do escritor Andrew Salomon, redator-chefe da revista New Yorker. Teve depressão, pediu licença, foi pesquisar. Cheguei ao ponto de não querer mais trabalhar. Nesse período, tive que lançar um livro de viagem no Club A, mas eu não estava lá. Saí da crise, e quem me ajudou muito foi o Dr. Alexandre Nowill, que não é psiquiatra mas levantou minha imunidade. O deprimido perde as defesas. Eu tive pneumonia. Não sei como sobrevivi, não quero isso para o meu pior inimigo. Houve dias em que eu acordava e dizia: a depressão foi embora. Mas não tinha ido. Queria ficar na cama. Nunca vi tanta TV.
GW: A depressão está sob controle, mas você pensa em parar de trabalhar para curtir mais a vida?
AJ: De jeito nenhum. Minha bandeirada ficou cara. Nosso erro é: quando você está faturando bem, você não guarda. Aí a ban-deirada fica insuportável e você não quer trocar de status. Mas confesso que não gosto mais de fazer pastelaria, programa diário. Gostaria de um programa semanal de duas horas, com temas bem produzidos.
GW: Teu momento mais constrangedor foi entrevistar a sério o Marcelo Nascimento da Rocha, o cara que se fazia pas-sar pelo herdeiro da Gol e virou personagem central do filme VIPs?
AJ: Não, porque a entrevista só foi exibida depois que ele foi desmascarado. Nosso papo foi no Carnaval do Recife e voltei a São Paulo num jato fretado por ele. Quando o avião ater-rissou, a produção me ligou para avisar que ele era um este-lionatário. Contei o caso no ar, antes de exibir a entrevista. Era um profissional. Sabia tudo da Gol. Se fosse um cara do bem, gostaria de tê-lo na minha equipe.
GW: Entrevista mais famosa: sem dúvida, João Gilberto, que vive em total reclusão…
AJ: Foram exatas 72 palavras. João só falou do Roberto Silva, atri-buindo a ele a batida da Bossa Nova. Mas fazia 10 anos que ele não falava e depois disso nunca mais falou. Aí a importância histórica dessa minientrevista.
GW: Outra entrevista que marcou.
AJ: Com a Liza Minelli, no Rio. Minutos antes da entrevista, ela recebeu a notícia de seu médico nos Estados Unidos de que não poderia mais dançar, por causa de uma lesão no quadril – teria que cantar num banquinho. Encontrei-a chorando. Chorou no ar. Outra: Paulo Maluf quando saiu da Polícia Federal, pela primeira vez depois de sua prisão. E Bernardo Cabral falando pela primeira do romance com a ministra Zélia.
GW: Aposentar, então, nunca.
AJ: Eu sou conservador. Minha riqueza é buscar um conhecimento enciclopédico para conversar com as mais variadas pessoas to-dos os dias, todas as noites, estou sempre me ilustrando. Quem se aposenta e para está condenado à morte. As pessoas apenas acham que querem parar. Enlouquecem. Mas, repito, gostaria de fazer um programa semanal. Não que seja mais fácil. Mas é menos pastelaria.
GW: A crise te pegou?
AJ: Claro, haja vista que cortei minha equipe, é a ordem natural das coisas. Mas, revendo meu arquivo para a digitalização de tudo, vi num programa de 1974 onde todo mundo dizia que o Brasil estava uma merda. Por muito menos se reclamava. Mas, desta vez, parece ser mais grave. Estou atento a essa cena. Não arriscaria um prognóstico. Eu não tenho pesadelo à noite. Eu acordo para o pesadelo.
GW: Vai sair uma biografia sua, não?
AJ: Não acredito em autobiografia – não leio. O cara não conta tudo. Mas li uma da Oprah Winfrey, não autorizada, sensacional. A minha não é nenhuma nem outra. O jornalista Bruno Meier, repórter de Cultura da Veja, pediu minha colaboração para fazer minha biografia, levei-o até a um Carnaval do Rio, para ele sentir como eu trabalho. Mas soube agora que não vai me submeter os originais. Eu queria dar um alerta: se escrever merda não verda-deira, tem que responder pelo que escreveu. Imagine eu ir à noite de autógrafos no escuro. Quero ler o livro antes.