Comida de chef no Eataly
Apesar de seu físico mignon, a chef Ligia Karazawa revela uma gigante estatura profissional no andar mais alto do mercado Eataly – onde fica o Brace, restaurante italiano que tem na grelha o elemento fundamental de sua cozinha.
Por: Mariana Santos
Depois de se formar em Administração e Hotelaria no Brasil, numa época em que não havia cursos especializados em Gastronomia, a jovem audaciosa que queria “comer o mundo” traçou seu futuro com um roteiro que começou na Escola Hoffman-Arnadi de Hotelaria, na Espanha. Uma paixão que se iniciou na infância, quando os pais preparavam em casa receitas elaboradas e testavam ingredientes, despertando na menina o gosto pelas experiências gastronômicas. “Eu gostava de me meter e ajudar. Me lembro de cozinhar já com oito, nove anos”, conta Ligia, hoje com 38 anos. A ousadia de suas raízes italianas e a disciplina da descendência japonesa a levaram longe, e o jogo de cintura de sua inegável brasilidade ajudou-a a lidar com os percalços e improvisar quando uma receita ou um objetivo não saía como havia planejado. Ligia Karazawa nunca fez corpo mole e construiu sua carreira pedindo oportunidades em restaurantes como o anti go Laurent e o Fasano – e quando foi para a Europa não foi diferente. “Adolescente meti da, eu pegava o Guia Michelin, escolhia os melhores restaurantes e mandava currículo”, relembra Ligia. Passou por restaurantes estreladíssimos, como El Bulli e Mugaritz, na Espanha. Morou em Paris, Ibiza, Astúrias e Barcelona. Começou “na pia”, foi ajudante de cozinha e voltou ao Brasil depois de 13 anos, como chef do então recém-inaugurado Clos de Tapas (hoje apenas Clos). Em 2014, aceitou o convite do Eataly para criar o projeto do Brace, onde pratica a culinária do fogo.
GW: De onde vem a paixão pela gastronomia?
LK: Eu sempre brinco dizendo que meus pais são donos de restaurante frustrados. Meu pai é filho de japoneses, minha mãe italiana e ambos gostam muito de cozinhar. No fim de semana, chamavam os amigos, recebiam muita gente, se organizavam para preparar as coisas. Se eles tivessem feito negócio da paixão pela cozinha poderiam ter ganho muito dinheiro. Gostavam de arriscar, fazer testes.
GW: Lembra do primeiro prato que você cozinhou?
LK: Eu adorava fazer pratos com ovo. A introdução na cozinha começa geralmente pela confeitaria. Meus pais, arquitetos, eram minhas cobaias. Minha irmã, às vezes, levava os amigos para estudar em casa e eu fazia o lanche da tarde para eles.
GW: Cozinhar por prazer é diferente da profissão?
LK: Sim. Uma coisa é gostar de cozinhar. Outra coisa é gostar de trabalhar em cozinha. Quando é um hobby, você cozinha sem pressão, escolhe o dia, o que vai cozinhar, às vezes a empregada lava. Agora, cozinhar sete dias por semana, almoço e jantar, com a pressão e os horários, fazer mise en place, não é fácil. Na Europa, por exemplo, os horários são insanos.
GW: E, para a mulher, é um trabalho ainda mais desafiador?
LK: Quando faço entrevistas com meninas, deixo claro: tem realmente que gostar, porque para nós, fisicamente, é muito puxado. A gente trabalha em pé, pega peso, corre para cima e para baixo. Não dá para ter frescura. Eu não tenho e não admito que ninguém na minha cozinha tenha. Se precisar lavar prato, vamos lavar, se a pessoa que varre o chão não veio, todo mundo vai varrer o chão. Todo mundo que está aqui comigo é muito mão na massa. E mentalmente é puxado para todo mundo.
GW: E você, tão miúda, pega pesado na cozinha?
LK: Eu tenho fama de ser pequenininha e brava. A cozinha é um lugar onde me sinto muito bem. Quando tenho algo para fazer no computador, fico num cantinho da cozinha, onde me sinto em casa. É um momento para criar, interagir e ganhar o respeito das pessoas na cozinha. O chef precisa mostrar que ele está junto, em todos os momentos, principalmente quando está puxado.
GW: No Brace, o foco é o grelhado, apesar de ser uma churrascaria…O que é o Brace?
LK: Brace significa brasa. Aqui a maioria dos ingredientes, em algum momento, passa pela grelha ou tem um toque defumado. Como somos um restaurante com a liberdade de ter um cardápio completo, com pratos por tempo determinado, como o bacalhau, eu defino o conceito do Brace como uma cozinha de mercado. Escolhemos os melhores produtos, criamos um prato para uma ocasião especial.
GW: A cozinha do Brace tem influência da sua “porção” familiar?
LK: Às vezes eu brinco que vir para o Brace foi um resgate da infância, porque eu ainda peço dicas para minha mãe. O pai dela é da região de Nápolis, a mãe da Sicilia. Ela tem receitas ótimas e livros super antigos de receitas.
GW: E da culinária japonesa algo a influencia?
LK: Bem pouco. Meu lado japonês se mostra mais no caráter, na rigidez, organização… eu sou meio CDF. Mas abracei a cozinha italiana e coloco um toque ou outro de ingredientes brasileiros. O Brasil tem ingredientes ótimos, não há sentido em não colocar um queijo brasileiro só porque a culinária é italiana. Nós fazemos uma fusão.
Serviço:
Brace Bar e Griglia – Avenida JK, 1489 – Tel.: 3279 3323 – bracebaregriglia.com.br