O restaurante Tokuyoshi, em Milão, transforma em arte o fusion da culinária nipônica com a italiana
Cozinha italiana contaminada. Já ouviu falar nisso? Parece ruim, mas é bom. Aliás, ótimo.Trata-se da cozinha do chef japonês Yoji Tokuyoshi – fusion entre as melhores tradições de seu país e a essência da culinária italiana clássica. Depois de trabalhar com o chef número 1 do mundo, Massimo Bottura, na Osteria Francescana, em 2014 ele abriu sua própria casa – de início, parecia uma pretensão batizá-la com seu nome. Hoje, não mais: o Ristorante Tokuyoshi, em Milão, já é uma das sensações gastronômicas da cidade.
Por: Norberto Busto
Estudou cozinha em seu país. Chegou a trabalhar num restaurante italiano de Tóquio. E aprendeu tanto que, ao emigrar para a Itália, há 22 anos, foi trabalhar com ninguém menos que Massimo Botura na Osteria Francescana, em Modena. Claro, começou por onde se começa nas grandes cozinhas – sub-assistente. Mas já tinha em sua persona o samurai que ia abrindo caminho com sua espada-faca. Chegou a nada menos que sous chef de Massimo, número 1 do mundo. Um japa autêntico brilhando numa das mais autênticas cozinhas da Itália, que rapidamente galgava posições e estrelas Michelin até subir ao topo do mundo gastronômico. Nove anos depois de sua chegada à Osteria, isso já não era o bastante. Yoji saiu e foi dar uma volta ao mundo, para se encontrar. Poderia ter escolhido qualquer grande cidade para se estabelecer, com seu currículo invejável. Mas decidiu retornar à Itália – e escolheu Milão para abrir seu próprio restaurante. É a cidade italiana com mais residentes estrangeiros e centro nevrálgico de negócios. Mas que tipo de restaurante? Um balcão de sushi dominando a cena seria inevitável – ele não queria abrir mão de suas origens. Mas a “substância” da casa seria italiana da gema, com o chef em contato direto e físico com os clientes, como no Japão. E então surge o Ristorante Tokuyoshi, baseado numa nova ideia: Cucina Italiana Contaminata.
Contaminada, na verdade, por outras ideias e por novas técnicas de preparação, orientais quase todas. Mas não se trata de uma cozinha fusion na acepção da palavra. “Meu objetivo, desde o início do meu restaurante, foi criar uma culinária que re-presente uma mistura de diferentes culturas gastronômicas. Mas não é fusion, que é quando os sabores diferentes se combinam. Na verdade, utilizamos ingredientes 100% italianos, mas modernizamos a tradição acrescentando técnicas da cultura japonesa. Isso também aparece na forma como apresentamos os pratos”.
E que pratos. Entre eles, Sgombro Gyotaku (Cavala à Gyo-taku, uma técnica de defumação japonesa), Anguilla in Polvere (Enguia) e Risotto con Ostriche di Belon & Wagyu di Tottori (risoto com ostras e carne de gado Wagyu).
A decoração da casa é minimalista e o local é pequeno – só cabem 40 pessoas e vive cheio. Os clientes podem comer nas mesas ou no balcão de madeira – onde é possível admirar Yoji e seus assistentes em ação. Ele cuidou de tudo, de tudo mesmo. Os pratos de porcelana arita-yaki foram desenhados por ele próprio e encomendados a um artesão japonês. Resumidamente, as receitas são italianas com um toque técnico asiático. Só Milão – a mais pós-moderna das matrizes gastronômicas italianas – aceitaria essa fusão. E ainda um menu dedicado ao público vegetariano. Os anos com Bottura estão presentes, por exemplo, no Ragu modenese e no Tortellini de Modena – servido no caldo de galinha ou de carne, eis aí o toque oriental. Nas sobremesas, o Tiramissù – “com pouca manteiga, pouco creme de leite e ingredientes naturais” – é inevitável. Seguindo uma tradição milanesa – a cidade é um dos berços dos modernos aperitivos – a carta de drinks, sobretudo com vermute, é enorme, com a companhia de petiscos, destacando-se peixe frito, anchova, fígado de galinha, alho-poró ou foie gras. Sabores fortes – “contaminados”, no melhor sentido.