José Carlos Pallas reflete sobre conquistas e o futuro do Bacalhau, Vinho & Cia.
José Carlos Pallas, atual dono do Bacalhau, Vinho & Cia., mantém vivo o legado familiar de mais de 50 anos. Filho do fundador, cresceu cercado pela gastronomia e hoje, aos 63 anos, preserva a tradição do bacalhau. “O restaurante começou na Rua Barra Funda. Recentemente, mudamos para um local próximo e já está completando 51 anos”, diz Pallas. Fundado por outro proprietário, o restaurante foi vendido ao pai de Pallas dois anos depois. Desde então, tornou-se referência pelo bacalhau grelhado, prato tradicional que atraiu uma clientela fiel — passou a ser chamado de “bacalhau da Barra Funda”. E o futuro da casa está nas mãos do filho de Pallas, Carlos, que comanda as operações dos dois endereços.
O restaurante, desde o começo, ficou muito vinculado ao ingrediente?
Durante muitos anos, o Bacalhau, Vinho & Cia. não era um restaurante de cozinha portuguesa, mas especializado em bacalhau. O cardápio era quase exclusivamente de pratos de bacalhau, com exceção de um filé para quem não comia o peixe. Com a chegada do meu filho, que fez gastronomia, começamos a incluir pratos tradicionais portugueses, como arroz de pato e polvo.
Como é o desafio para você, hoje, carregar essa história – não só do restaurante, mas também da sua família?
A maior responsabilidade é manter a qualidade e a essência do restaurante. São Paulo é uma cidade dinâmica, e preservar algo sem grandes mudanças é desafiador. Precisamos manter a tradição e, ao mesmo tempo, nos adaptar às novas demandas do público, como a preocupação com a saúde e a estética dos pratos. O desafio é inovar sem perder a essência.
Com novas tendências gastronômicas e a expansão de opções culinárias em São Paulo, como conseguem manter a essência tradicional e atrair novos públicos?
Estamos sempre atentos ao que acontece em Lisboa, uma cidade cosmopolita que atrai cada vez mais turistas. Isso despertou maior interesse pela gastronomia portuguesa no Brasil. Portugal está na moda, o que nos favorece. No entanto, tivemos que adaptar o tamanho das porções e o teor de sal, já que fazemos a dessalga do bacalhau. Antigamente, servíamos um quilo de bacalhau para duas pessoas, algo impensável hoje. O bacalhau é um prato de celebração, o que também facilita manter o cardápio.
O bacalhau continua sendo um prato para ocasiões especiais, não para o dia a dia?
Exatamente. Muitos clientes vêm apenas em datas especiais, como Páscoa ou Dia das Mães. Essa frequência espaçada mantém o cardápio sempre atrativo.
É difícil trabalhar com o bacalhau como principal atrativo da casa?
Trabalhar com bacalhau tem suas dificuldades, especialmente em tempos de crise, como variações do dólar e inflação. No entanto, poucos restaurantes são especializados nisso, o que é uma vantagem. Formar uma clientela fiel para o bacalhau é um desafio, mas, com o tempo, conseguimos nos manter.
Como se diferenciar de outros restaurantes de culinária portuguesa na cidade?
Nosso diferencial é a associação direta com o bacalhau, que está até no nome do restaurante. Outros podem ser conhecidos por pratos específicos, mas, quando se fala em bacalhau, lembram-se de nós.
Há pratos que resumem a alma do Bacalhau, Vinho & Cia?
Passamos por fases. Nos anos 70, o carro-chefe era o bacalhau grelhado. Nos anos 90, lançamos o bacalhau ao bolo, com molho vermelho. Desde 2000, o mais vendido é o bacalhau ao murro, assado no azeite com batatas ao murro, que valoriza o sabor do peixe.
Você acredita que a culinária portuguesa tem potencial de crescer ainda mais no Brasil?
Sim. Muitos bares e restaurantes têm adotado pratos portugueses ou ibéricos. São Paulo já viu ondas de crescimento com outros tipos de cozinha, e a portuguesa parece estar seguindo esse caminho.
Quais são seus próximos planos e sonhos para o Bacalhau, Vinho & Cia?
Meu filho, Carlos Henrique, é o chef executivo e tem muita paixão pela gastronomia. Temos uma equipe fiel, e nosso foco é continuar mantendo a qualidade e tradição. Não temos planos de expansão em larga escala, pois somos uma empresa familiar, e é difícil manter o controle e a tradição com muitas unidades. Enfim, acredito que meu filho levará o Bacalhau, Vinho & Companhia para os próximos 50 anos. Não acho que terei condições de assistir aos 100 anos do restaurante, assim como meu pai não conseguiu chegar aos 50 anos de comemoração. Mas tenho certeza que meu filho vai conseguir celebrar os 100 anos do Bacalhau, Vinho & Cia.
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FOTOS: Daniel Cancini