Horta no Prato
Ainda que pareça não haver mais espaço para o verde na cidade, hortas próprias surgem nos restaurantes paulistanos como reflexo da necessidade de resgatar o elo perdido entre o alimento e a natureza.
Por: Mariana Santos
Seja por uma questão conceitual ou econômica, pelo prazer do contato com o alimento in natura, ou ainda pela tranquilidade de poder informar a seus clientes exatamente de onde vieram os ingredientes verdes que usam nos pratos, muitos donos de restaurantes investem na plantação, manutenção e colheita de ervas e hortaliças. E aprimoram seus cardápios com produtos cultivados nos próprios quintais – e em alguns casos, nas coberturas – de seus estabelecimentos.
Sustentabilidade e economia
No Tuju, a horta é uma atração à parte. Além da enorme área que ocupa – são mais de 100 metros quadrados, quase 30% do espaço total do terreno –, em canteiros, sobre o teto dos banheiros, na estufa do segundo andar e nos carrinhos da entrada, ela apresenta uma variedade de mais de 350 espécies comestíveis entre tradicionais e não convencionais. É autossuficiente na produção das folhas que colorem os pratos do cardápio e ostenta mais de 30 tipos de árvores frutíferas.
Egresso do espanhol Mugaritz, que cultiva 125 variedades de plantas, flores e frutos, o chef Ivan Ralston idealizou o Tuju, inaugurado em 2014, já com uma horta em mente. “O Mugaritz fica em área rural e nós achamos que seria legal trazer isso para um ambiente urbano”, explica ele. A iniciativa atrai clientes preocupados com a origem do que consomem e faz parte da filosofia do restaurante, que também recicla seus resíduos orgânicos e os transforma em adubo para a horta”. A horta é tão importante na casa que o cardápio varia de acordo com os produtos disponíveis. O Bouquet de PANCs, salada feita com 30 tipos de folhas e regada com mel de Borá, pode ter variações significativas. e caruru)
Plantas não convencionais
O chef Gabriel Matteuzzi sabia que tinha encontrado o espaço ideal para seu Tête à Tête. O quintal nos fundos da casa abrigava pés de pitanga, manga, laranja e goiaba, e parecia perfeito para materializar o que aprendeu com o estrelado chef Michel Bras, com quem trabalhou três anos na França. “Ele tem uma horta onde cultiva mais de 150 variedades de legumes, plantas e flores comestíveis, as PANCs – ou Plantas Alimentícias Não Convencionais. Esse contato com as ervas sempre esteve comigo, e meu sócio, o Guilherme, também gosta”, comenta Gabriel. Bras também se prontificou a ajudar na primeira semeadura do pupilo. “Em outubro último, ele veio ao Brasil e visitou a casa em obras. Sugeriu as 20 plantinhas da primeira leva. Algumas vingaram, outras não. Aí fomos nos adaptando”, lembra Gabriel.
O chef, que cuida pessoalmente da horta, tem a ajuda do Instituto Guandu, que faz uma manutenção mensal e recolhe os resíduos orgânicos para devolvê-los em forma de adubo. Das 30 variedades de ervas cultivadas no Tête à Tête – que obteve sua primeira estrela Michelin com menos de um ano de casa – 15 já cresceram o suficiente para temperar pratos como o Bijupira defumado – atualmente fora do cardápio – que leva shissô verde e roxo e é decorado com flores de tagete. O jambu, erva nativa da região amazônica, dá notas cítricas ao Ceviche – além de entorpecer a língua.
Da terra à panela
Almoçar na cobertura do Quintana Bar poderia ser apenas uma experiência gastronômica com uma bela vista da cidade – moda nos restaurantes de Nova York. Mas, além do glamour de uma refeição no rooftop, o espaço permite o contato do público com os aromas das ervas e hortaliças que são usadas no preparo dos pratos. A pequena horta da casa, espalhada por canteiros feitos com materiais adquiridos em ferros-velhos, como banheiras, é ideia do chef Marcos Livi, inspirado pelo Jardim Lutzenberger, que fica na casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. Além da preocupação com a sustentabilidade, Marcos aproxima os funcionários da matéria-prima fundamental de seu trabalho. “O cozinheiro usa o manjericão, mas não sabe reconhecer um pé de manjericão.” O chef também aposta na horta como ferramenta de educação das crianças que vão ao local com os pais. “A nossa equipe de recreação ensina as crianças a plantar e depois elas voltam para fazer a colheita.” Das cerca de 12 espécies que o Quintana abriga, a manjerona é uma das mais utilizadas. Pratos como o Galeto ao primo canto são saborizados com a erva. E o alecrim é usado principalmente para incrementar o sabor do cordeiro. Flores e folhas da capuchinha podem entrar em saladas e na decoração de sobremesas.
Responsabilidade conceitual
O contemporâneo Brado orgulha-se de expressar suas influências por meio de uma cozinha “variada e consciente”. No ano passado, o chef Pedro Vita decidiu que o melhor caminho dos ingredientes até o prato é o mais curto. A pequena horta ganhou lugar no telhado do restaurante. O modelo adotado por Pedro é uma criação da startup Noocity, com um método que economiza 80% de água comparada a hortas tradicionais. “A facilidade de gestão é importante para nós, que não temos muita habilidade nessa área”, justifica Pedro. Além de ingredientes como coentro, manjericão e jambu chegarem sempre frescos ao prato, o cultivo próprio soma pontos ao conceito de sustentabilidade do restaurante. O chef cuida pessoalmente do que será plantado. “Às vezes tenho que substituir um ou outro porque bate muito sol na horta e algumas coisas não vão tão bem. Aí nós vamos aprendendo.”
Contato com a natureza
Com ares de quintal de casa, os fundos do sobrado em Pinheiros, onde funciona o restaurante do chef Mario Galluzzi, escondem alguns segredos de sua cozinha: em oito vasos de barro são cultivados os temperos e ervas aromáticas que condimentam o cardápio. O Mario Galluzzi Cozinha de Afeto optou por uma horta simples, com ingredientes tradicionais, como salsinha, tomilho e alecrim, que não exigem grande esforço com poda ou manutenção. “Eu não queria usar pesticida, então optei por plantar só temperos e ervas aromáticas, já que hortaliças como berinjela e tomate podem juntar insetos. Fazemos a rega diária, apenas”, explica o chef. A horta ainda exerce um papel de aproximação entre o chef e seus funcionários através dos pequenos eventos que a natureza realiza todos os dias, sem ser notada. “Nós somos muito urbanos e acabamos nos surpreendendo, às vezes, com uma coisa simples – como ver uma planta germinar”, filosofa Mario.
Serviço
Tuju
R. Fradique Coutinho, 1248, Pinheiros Tel.: (11) 2691-5548
Brado
R. Joaquim Antunes, 381, Pinheiros Tel.: (11) 3061-9293
Quintana Bar
Rua Olavo Bilac, 57 – Vila Sofia – Tel.: (11) 2129-6570
Mario Galuzzi Cozinha de Afeto
Rua Capote Valente, 275, Pinheiros Tel.: (11) 3062-6510