Herdeiros de restaurantes paulistanos mantêm qualidade e tradição de sucesso
Rodeio, Dinho’s, Speranza e Tatini passam de 50 gloriosos anos conquistando paulistanos e turistas, com a qualidade e a fama mantidas, ou aprimoradas, pelas mãos dos herdeiros dessas castas gastronômicas de alto sabor.
Rodeio: requinte na chapa
“No Rodeio, eu não sou o dono – só trabalho aqui. O dono é o cliente”. Não é apenas uma frase de efeito, mas um mantra de Roberto Macedo, inspirador desse restaurante que mudou a face das churrascarias de São Paulo e do mais estrelado bairro da cidade. A casa surgiu há 65 anos na Rua Haddock Lobo e estabeleceu padrões de qualidade, gestão e fidelização de clientes jamais vistos antes num templo de carnes finas. No Rodeio, “finas” não é só um modo de dizer – mas um modo de fazer. Sua picanha fatiada, trazida e finalizada à mesa do cliente, se tornou uma das maiores atrações gastronômicas da cidade. Há anos, seus clientes mais fiéis – e há outros? – nem precisam fazer o pedido ao garçom. A escolha é velada – e sagrada, numa troca de olhares –, se bem que agora, para evitar a fumacinha cheirosa do fogareirinho que incomodava os raros fregueses não “fatiados”, a finalização da picanha argentina é feita numa chapa ao fundo do salão principal. Mas o Rodeio não é só técnica e apuro culinário – também é gente especialmente treinada. Ao longo dessas décadas, a relação entre garçons, maîtres e os clientes fidelíssimos alcançou ali o nível de atenção silenciosa. Sim, porque embora o menu da casa tenha se ampliado ao sabor dos anos, um quinteto se tornou o bilhete premiado da casa: picanha fatiada (60% dos pedidos carnívoros), Arroz Biro-Biro, Farofa de ovo, Palmito pupunha assado e Creme de papaia com licor de cassis. Sentou à mesa, pedido registrado, sem maiores burocracias. E o Rodeio se tornou o queridinho de personagens marcantes da cidade, sem falar de astros internacionais. Celebridades de vários mundos business da cidade eram praticamente donos cativos de suas mesas – artistas, publicitários, políticos, ministros, milionários, bilionários… Essa invasão 5 estrelas gerou outro mantra que atravessou os tempos: “Ter poder é conseguir uma mesa no Rodeio”, teria dito o ex-ministro Delfim Netto, também habitué. Esperar uma mesa já era um privilégio. Que outra churrascaria teve dois maîtres que, por décadas, foram a cara e o parlamento da casa – como Ramon e Chagas? Ramón dizia, entre as poucas coisas que dizia, sempre discreto: “Churrasco não é comilança. É encontro. E encontro com motivo”. De Roberto para Silvia Sem Roberto desde 2012, o Rodeio está hoje nas melhores mãos possíveis. Claro que, em termos de sucessão, a transmissão filial é sempre a primeira opção, quando geneticamente viável. E foi o caso. Roberto imprimiu ao Rodeio, em 1959, a permanente vocação de ícone gastronômico da cidade, ao assumir a direção da casa aberta um ano antes como uma churrascaria com garçons de bombacha. Em 1986, aos 21 anos, a filha Silvia Macedo Levorin adentrou um novo mundo para quem se formara em Psicologia e Artes Plásticas – inicialmente ajudando o pai em tarefas em que ele estivesse sobrecarregado, como as finanças, naquela época ainda a mão, no papel. Roberto aceitou essa colaboração filial meio a contragosto, mas com o tempo foi delegando funções. Logo no começo, Silvia enfrentou Plano Cruzado, congelamento de preços, crise econômica fatiada… Mas aos poucos as coisas foram se encaixando – e o Rodeio, sob o comando progressivo de Silvia, e contando com a irmã Sandra no setor financeiro, mantidos os valores de Roberto, foi encorpando seu papel de atração máxima da gastronomia paulistana – e há 13 anos numa segunda casa, no Shopping Iguatemi, com os mesmos valores. Como costuma dizer Silvia: “O Rodeio é uma grande família”. Com mão de ferro de chapa, mas discrição e elegância, seu lema é “respeitar a tradição, mas estar sempre atenta e preocupada em inovar”. E: “Preciso entregar à próxima geração uma empresa ainda mais forte”. Em outras palavras, um clássico que se renova.
Rua Haddock Lobo, 1498 | Tel.: (11) 3474-1333
Shopping Iguatemi – Av. Faria Lima, 2232 | Tel.: (11) 2348-1111
Dinho´s: gastronomia de grelha
Restaurantes clássicos e longevos costumam se estabelecer para sempre, ou até o fim, em seu ponto original – o que faz parte de sua receita triunfal. Há dois anos, o Dinho’s teve que sair, por motivos imobiliários, de seu tradicionalíssimo endereço na Alameda Santos. Então a recente filial dos Jardins passou a ser, naquele momento, a casa que acolhia seus clientes fiéis – já na quarta geração. Mas não por muito tempo. Convite feito, convite aceito: o novo hotel Qoya, do grupo Hilton, instalado a metros da casa original do Dinho´s, convocou a grife para ocupar a nobre entrada do estabelecimento. E eis a casa fundada por Fuad Zegaib, hoje comandada por seu filho Paulo, de volta à Alameda Santos. Casa cheia, claro – mantida a receita que a consagrou: cortes de primeiríssima linha, finalizados na grelha, e um menu complementar de alta gastronomia, à la carte ou em seu famoso bufê, incluindo a premiada e suculenta feijoada, outra queridinha do Dinho’s – servida diariamente, chegando a 250 clientes num sábado. Fuad, falecido há dois anos aos 90, tinha no filho Paulo, desde sempre, seu legítimo sucessor. Sob a inspiração do pai Nascido e criado dentro da cozinha, o chef Paulo desde pequeno foi inspirado a seguir na carreira gastronômica. Já aos 15 anos começou a trabalhar com o pai e esse incentivo foi decisivo nos estudos e na profissão. Morou na Itália depois de se formar na França e estagiar na rede Accor e hoje comanda a cozinha do Dinho’s e a grife, sempre sob a permanente inspiração do pai. Fuad, um dos ícones da história da gastronomia paulistana. Ele não descobriu o fogo, mas os melhores modos de usá-lo para produzir grelhados com status de clássicos. A polêmica da origem da picanha ainda persiste no meio, sendo sua autoria reivindicada por outros empresários do setor. Fuad não seria propriamente seu criador – que é, na verdade, a divindade que criou o gado – mas hoje há uma forte inclinação para aceitar que o pioneiro na utilização da maior estrela do elenco de carnes brasileiras, a picanha, foi ele. Fuad contava que descobriu essa parte traseira do boi, próxima ao dorso, de onde também sai a alcatra, numa visita a uma fazenda do Rio Grande do Sul, nos anos 70. Uma área menos musculosa e portanto mais macia, com uma generosa capa de gordura e filetes que derretem no calor. Sucesso imediato no Dinho’s e depois em todas as churrascarias brasileiras. O nome picanha? Seria derivado de “picana”, uma vara comprida para tocar o gado pelo traseiro. Não parou aí: Paulo classifica o Bife de Tira, outra novidade introduzida pelo Dinho’s, como “marco civilizatório da picanha”. Mas uma casa com essa paternidade gastronômica e serviço cinco estrelas, não pode basear seu sucesso exclusivamente na picanha, ou em outros cortes de carne. Paulo, progressivamente, foi utilizando sua formação de chef para incrementar o menu da sua casa – literalmente. No começo, mesa de saladas in natura. Depois, novas receitas. No disputado bufê, virado, puchero, camarão à grega, salmão do chef e carpaccio de polvo. No mesmo hotel que reabrigou o Dinho’s na Alameda Santos, Paulo Zegaib também comanda, desde o ano passado, o restaurante Primo Piano – à altura de um hotel 5 estrelas, aberto 24 horas, do café à ceia. O caçula dos Zegaib já é um sucesso.
Alameda Santos, 86 | Tel.: (11) 3016-5333
Rua Professor Azevedo Amaral, 70 | Tel.: (11) 3016-5333
Primo Piano Alameda Santos, 86 | Tel.: (11) 5186-4900
Speranza: tudo começa em pizza
Sim, o berço legítimo de uma das instituições da gastronomia paulistana, a pizza napolitana, é… Nápoles. De lá, em 1957, vieram para São Paulo, ainda impulsionados pelo dramático pós-guerra, o patriarca Francesco e o filho mais velho, Giovanni Tarallo. Meses depois, para fomentar o iminente êxito brasileiro dos Tarallo, a matriarca Speranza e o caçula Antonio vieram se juntar a eles. Do primeiro modesto empreendimento gastronômico da famiglia, uma casinha de legítimas pizzas napolitanas no então desértico Morumbi, às duas célebres Speranza no coração do Bexiga e no charme de Moema, passaram-se 65 anos triunfais. Hoje dirigida com elegante competência pela terceira geração dos Tarallo no Brasil, a Speranza pode ser considerada, sem muito esforço e com bordas suculentas, a casa própria da mais famosa e saborosa pizza de São Paulo. Mesmo os clientes mais fiéis da Speranza ainda gostam de especular para perpetuar o mistério: por que a pizza Margherita não pode ser pedida na Speranza no formato meio a meio? Quer provar ou repetir a Margherita da Speranza? Só se for inteira. Resumindo: a redonda à base de muzzarela, tomate fresco e manjericão, as cores da bandeira da Itália, foi criada pelo pizzaiolo Rafaelle Sposito no século 19 para homenagear – alguns arriscam: “bajular” – a Rainha Margherita di Savoia. E voltando ao meio a meio: ela é tão nobre que, na Speranza, não pode ser repartida com outro sabor. Quer a Margherita da Speranza? Só na íntegra. E por que não? Ela vale a pena, sempre inteira – até a última majestosa fatia. Só novos fregueses estranham essa decisão. Os fiéis – a grande maioria – homenageiam a Rainha com seu pedido indivisível. É apenas uma das instituições da Speranza. Outras três: os obrigatórios Tortano (pão de lingüiça), Antepasto Misto (receita original de 1958, berinjela curtida em azeite, azeitonas pretas, abobrinhas grelhadas e pimentões vermelhos temperados com azeite e alho) e a sobremesa clássica, a Pastieri di Grano. São essas entidades, tão características da Speranza, que sustentam 65 anos de sucesso e mantêm os Tarallo unidos, geração após geração. Uma família no Bixiga Paola Tarallo Altieri, neta de Francesco e Speranza, filha de Antonio e irmã de Monica, Marcela e Francesco (Tito), hoje comanda as fatias de finanças e de marketing da casa. Os manos têm responsabilidades diversas: todos estão hoje envolvidos na cobertura de cada pizza saída dos fornos impecáveis da Speranza. A chef Monica, por exemplo, é a gestora da cozinha. A união faz a pizza desde muito cedo. Paola se lembra de seus primórdios no casarão do Bixiga que, além de pizzaria, abrigava a família – e hoje só tem as famosas pizzas como inquilinas. Ali as quatro crianças de Antonio brincavam – e, depois de um breve período de brincar trabalhando, começaram a trabalhar a sério. “Juntos, nos completamos”. Aos 14, Paola foi escalada para a recepção – função fundamental na primeira pizzaria da cidade a ter fila na porta. Ela relembra. “Muitos clientes se tornaram amigos. Foi um aprendizado de vida.” E muitas vezes com humor. Ela se lembra do dia em que um freguês perguntou a um garçom se tinha WC na casa. E ele: “Desse sabor não fazemos”. A Speranza deixou de ser, com o passar dos anos, um empreendimento familiar – para se tornar um dos grandes ícones gastronômicos da cidade. E continua crescendo, assim como a família – Paola é mãe de trigêmeos, Caio, Gustavo e Antonio, já envolvidos, a seu modo, com o negócio fundado pelos bisavós. No ano que vem, uma surpresa: será entregue a São Paulo a nova Speranza Moema – com lugar para 200 clientes sentados. Duzentas pessoas sob o reinado da Margherita, todas as noites.
Rua 13 de maio, 1004 | Tel.: (11) 3288-8502
Avenida Sabiá, 773 | Tel.: (11) 5051-1229
Tatini: família é tudo
Só porque o nome é italianíssimo, não quer dizer que seja um restaurante exclusivamente italiano. Sim, é sua marca registrada. Mas que tal definir o Tatini como uma família de delícias clássicas e cosmopolitas, para os gostos mais refinados? Ao longo dos últimos 65 anos, a família Tatini esteve reunida e unida em torno de pratos e críticas irrepreensíveis, agora em sua terceira geração de comando – e com suas receitas multiplicadas há 31 anos numa rosticceria de mesmo nome e mesmos prazeres. A transmissão genética das delícias do Tatini segue elos lógicos. A ligação da família com a gastronomia remete à Itália ainda no século 19. No Brasil, a primeira relação se materializa em 1954, quando Fabrizio Tatini abriu o logo celebrizado Don Fabrizio, em Santos – cidade onde a família se estabeleceu ao chegar ao Brasil. Já de início, uma sensação: o Don Fabrizio oferece a opção de finalizar massas e outros pratos, pela primeira vez no país, em fogareiros nas mesas, junto aos clientes. Depois, dentro de peças de queijo parmesão. Quatro anos mais tarde, o sucesso subiu a serra e o filho Mario inaugura, em 17 de julho de 1958, a filial paulistana do Don Fabrizio com a gala da guarda de honra da prefeitura de São Paulo fazendo os convidados passar sob suas espadas cruzadas. O Don Fabrizio da Alameda Santos, por décadas, seria uma atração gastronômica suprema da região da Avenida Paulista – um paradigma da alta culinária italiana. Tinha status de casa única – e o sobrenome da família, a esta altura, já merecia ser nome próprio em futuros empreendimentos. Nascia o Tatini – pura e simplesmente. Anos mais tarde, Fabrizio, filho de Mario, passou a comandar o Tatini da Rua Batataes. As filhas Paola e Andrea, a Tatini Rosticceria, no Campo Belo. O neto de Mario, Thiago Tatini, filho de sua filha Thais Tatini, devolveu a marca ilustre à Alameda Santos com o restaurante Casimiro Dal Tatini, em 2019. Segredos de família que podem ser revelados? Relembra Andrea, formada em hotelaria e com cursos especializados na Europa – hoje a responsável pelo lado operacional das delícias Tatini na rosticceria, aberta há 31 anos e polo “exportador” das receitas de família: “Meu pai dizia ‘Trabalho com ingredientes espetaculares’”. É o caso do Spaghetti Firenze, à bolonhesa e vinho tinto ao vôngole. Nada fixo no cardápio – só alimentos, “espetaculares”, de temporada. Paola, fonoaudióloga de formação, responsável pelas receitas financeiras da marca, completa com finesse o trabalho da irmã. “Don Fabrizio foi nosso quintal. Passávamos férias em Santos.” A nova geração Tatini começou sua educação entre as mesas e cozinhas dos restaurantes de Santos e São Paulo. Andrea e Paola cresceram dentro dos restaurantes. E continuam crescendo. A Rosticceria Tatini também funciona como um bistrô, com 10 mesas – sempre ocupadas, num agradabilíssimo ambiente. Uma rica história de prazer em preparar, receber, servir e celebrar momentos únicos em volta da mesa.
Rua Batataes, 558 | Tel.: (11) 3885-7601
Tatini Rosticceria: Rua João de Sousa Dias, 307- Campo Belo | Tel.: (11) 2894-1715
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POR: Celso Arnaldo Araujo
FOTOS: Daniel Cancini