Com duas estrelas Michelin, D.O.M. atrai gourmets do mundo inteiro há 25 anos
Pense num prêmio ou láurea internacional da gastronomia. O D.O.M. e Alex têm todos, repetidos quase anualmente, nesses seus primeiros 25 anos – além de suas duas sagradas estrelas Michelin. Ao completar Bodas de Prata, com toques de ouro, o D.O.M. segue sendo aquele que pode ser considerado, quase unanimemente, o restaurante número 1 do universo gastronômico brasileiro, oferecendo uma comida de primeiro mundo com destaque a ingredientes amazônicos – à noite só sob reservas privilegiadas e via menu-degustação da casa. O que celebra o aniversário se compõe de 12 pratos – como “Codorna de Arribação”. E lembrar que, há 15 anos, nascia um irmão igualmente vitorioso: o Dalva e Dito. Nesta entrevista, Dom Alex Atala degustou o saboroso aniversário com exclusividade para GoWhere.
Você lembra o dia em que o D.O.M. abriu as portas, há 25 anos?
A noite do dia 30 de novembro para 1 de dezembro de 1999.
Qual foi seu sentimento mais forte nessa estreia?
Pânico (risos). Porque a Comgás não ligou o gás… Naquele que seria o primeiro jantar do D.O.M., sem fogão, tirei todas as mesas, esvaziei o salão, liguei para minha agenda toda de telefones, pedindo pelo amor de Deus para as pessoas virem me ajudar – e só servi canapés frios, de pé. O Laurent e todos os maiores chefs vieram, mas era um restaurante sem comida. Assim foi minha estreia.
Outra curiosidade: o que quer dizer D.O.M.?
A sigla D.O.M., em latim, significa “Deo Optimo Maximo” mensagem que pode ser compreendida como “Para Deus o máximo, o melhor de nós”. Eu morava na Itália, entre 1991 e 1992, em frente à igreja Maria Coronato, em Milão. Aos pés da estátua de Maria, na frente da igreja, havia a inscrição D.O.M. – que eu via todos os dias da janela de meu quarto, no primeiro andar. O D.O.M. continua sendo, e será sempre, o melhor de nós.
Um nome em latim para uma proposta gastronômica absolutamente brasileira…
O D.O.M. não abriu como uma cozinha brasileira. Quando anunciei que iria abrir meu restaurante, que iria se chamar D.O.M. e iria fazer comida brasileira, um famoso jornalista de gastronomia me disse: “Você não pode fazer isso, Alex. Todo mundo te conhece por sua cozinha contemporânea. Se você abrir um restaurante brasileiro, o cliente da cozinha contemporânea não vai à casa nova porque vai achar que tem de comer feijoada e moqueca. O que for a seu restaurante e quiser comida brasileira, vai pedir feijoada e moqueca e não vai encontrar no menu… Você não pode fazer isso”. Durante quase 10 anos, o D.O.M. foi classificado como restaurante contemporâneo. Com o exercício do D.O.M., a persistência do D.O.M., conseguimos nos afirmar como brasileiro, embora não tivéssemos nascido assim.
Você se lembra, nesse começo, de um prato com ingrediente ou receita exótica para o gosto médio do brasileiro?
Gelatina de pato, quiabo e jiló.
Não tinha um com formigas amazônicas?
As formigas são bem mais novas, uns 15 anos atrás.
As pessoas ainda pedem?
Se não tiver, elas brigam… Vêm aqui para isso…
Quem são seus fornecedores?
Os mesmos de sempre: os índios Baniwa, de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Há mais de 20 anos trabalhamos juntos. Temos projetos lá e sempre tem alguém vindo e voltando.
Essa sua paixão pela pela gastronomia tupiniquim, para usar um termo clichê mas que cabe bem aqui, nasceu das viagens que você fazia com seu pai e seu avô, não?
Sim, éramos uma família de ciganos, que gostava de ir a locais onde ninguém ía… Meu pai nasceu na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Meu avô, irlandês, fez coisas para o Exército brasileiro em todo o país. Minha mãe nasceu por acaso em Alagoas, numa dessas viagens de meu avô. Uma família simples, meu pai, minha mãe, meu avô e quatro filhos, que viajava de Variant – para conhecer, por exemplo, a cidade onde minha mãe nasceu. Ou meu pai repetindo a viagem que fez à Serra do Divisor, que divide o bioma pantanal do bioma amazônico. Por anos, fizemos essas viagens de família, locais onde ninguém ia.
Aos 18 anos, você mudou radicalmente de território: Europa.
Sim, fui para a Bélgica e, depois de me lançar como pintor de paredes, comecei a fazer um curso de gastronomia – não para ser cozinheiro, mas para obter o visto que me permitisse morar lá e viver o sonho de uma vida na Europa. Por causa dessas viagens à floresta com minha família, eu já conhecia os fundamentos da cozinha: limpar um peixe, destrinchar uma ave, cortar um porco.
Quando os vegetais conquistaram seu dom na cozinha?
Vivo no país com o maior repertório vegetal do mundo – fala-se em 10 mil plantas comestíveis não-convencionais. E ainda nem de longe fomos fundo na Amazônia e nos demais biomas brasileiros. O fato é que os melhores sabores brasileiros vêm do vegetal. Mas nem por isso vou me limitar aos vegetais. Há muitos anos também sirvo um menu que não chamo de vegetariano, mas do Reino Vegetal. E nem por isso vou deixar de trabalhar com peixes e carnes. Sou um oficial do meu ofício.
O D.O.M. fez sucesso desde o começo?
Muito sucesso. No primeiro ano já ganhei prêmio. Mas foram seis meses de casa cheia e os seis meses seguintes de casa vazia – de ficar olhando para a porta e não ter ideia de quantos couverts você vai fazer. Vir trabalhar sem saber se ia trabalhar. Vivemos numa cidade novidadeira. Abrem e fecham restaurantes com a mesma frequência. O primeiro ciclo que o D.O.M. viveu é típico, as pessoas vinham conhecer. Sob esse ponto de vista, me considero um privilegiado, porque só fiquei vazio esses seis meses em 25 anos.
E depois dessa primeira “crise”?
Ficamos com mais gana de trabalhar. E a coisa andou.
Primeiros carros-chefe do menu?
Filet aligot sempre será. Paleta de Cordeiro. Nem eu nem o D.O.M. nunca nos limitamos a ser carnívoros ou vegetarianos. Fazemos uma cozinha livre com alma brasileira. Não temos xenofobismo. Uso azeite e champanhe. E temos um compromisso de entregar brasilidade no sabor, no design, na música, nos móveis.
No recomeço do sucesso inicial até se tornar o fenômeno que o D. O.M. é hoje, quanto tempo levou?
O D.O.M. foi enchendo rápido ao se tornar um ganhador de prêmios já no primeiro ano. Só tem dois prêmios que nós ainda não ganhamos e um ainda pretendo ganhar: a terceira estrela Michelin. Eu e minha equipe trabalhamos duro para isso. A perfeição não existe. Mas a aproximação da perfeição é um compromisso diário meu e da equipe. A gente quer ser o melhor. Não sei se seremos – mas a vida já está boa sem sermos.
Como é, para quem começou usando a cozinha para obter um visto de moradia na Europa, ser apontado hoje como o chef do restaurante número 1 do Brasil?
É bom (risos). E tem desafios constantes. Nos primeiros 25 anos, o D.O.M. passou por momentos. Nos próximos 25 anos, passará por outros – e nem todos serão maravilhosos.
A pandemia foi um dos piores momentos dos primeiros 25 anos, não?
Foi demais. Se você é um dos primeiros a chegar e o último a sair de sua cozinha e, de repente, tiram isso de você… Foram sete meses fechados a chave. Foi duro demais. Mas reavaliei minha vida, entendi que ficar em casa fazendo um canal no YouTube também era trabalho, fazer delivery no Dalva e Dito também era trabalho. Reaprendi o significado do trabalho, já que cozinhar não podia mais.
Depois desses sete meses, o público começou a voltar?
Voltou. O D.O.M. e o Dalva e Dito são muito generosos comigo. As coisas que eu faço são tão legais que elas até dão dinheiro… Mas se eu fosse obcecado pelo dinheiro, eu teria desistido dos restaurantes há muito tempo.
E você, nesses 25 anos, teve outras casas que não funcionaram…
Várias experiências difíceis – como o Açougue Central na Vila Madalena. Fechei não por que não ia bem, mas porque a Vila Madalena praticamente para por cinco semanas na época do Carnaval para dar lugar aos blocos. Não há como sustentar uma equipe de garçons e cozinheiros com a casa fechada por cinco semanas.
Você ainda tem um buffet de sucesso
Sim, o 7 Gastronomia. Do Rock in Rio ao Sambódromo, megaeventos. Não é fácil. No Sambódromo, por exemplo, são duas mil e tantas pessoas jantando a noite toda. Às 8 da manhã, servimos o café da manhã. Uma loucura. Mas a gente vai com esse foco na entrega.
Neste ano das Bodas de Prata do D.O.M.,você também vai entrar no ramo da hotelaria.
Sim, com o Resid. O primeiro hotel da rede está em construção na Ilha Rasa, em Búzios. Num hotel, a boa gastronomia é um compromisso permanente: café da manhã, almoço, jantar, petiscos na piscina, lanche da criança à tarde, o velhinho o dia todo, todos os públicos.
Você pretende ir pessoalmente à Ilha Rasa?
Sim, e aos outros, quando abrirem.
Você não sossega…
Olha que bacana poder estar sentado aqui e ver essa turma trabalhando com o restaurante fechado e vazio.
Coloque-se agora como gourmand. Do que você mais gosta?
Comida caseira. A gente diz isso e parece que estamos nos desfazendo da própria comida. Não é isso. Eu passo a semana na cozinha. Meu instrumento de precisão é minha boca. Já imaginou convidar você a passar um final de semana numa redação? Quando tenho um dia de folga, não me levem a um restaurante… Minha folga é na minha casa, na casa de um amigo, num sítio, na praia.
Aliás, você viaja muito. Muitos convites.
Muitos. Tenho vários passaportes preenchidos. Este ano vou dar aula em Harvard. Dá para dizer não a um convite desses? Não é o lugar mais divertido do mundo, mas não há prestígio maior.
Daqui a 25 anos, você terá 82. Ainda se vê na cozinha?
Não da forma como já trabalhei. Fui um garoto que, durante 10 anos, não fez outra coisa além de cozinhar. Só via TV e lia sobre cozinha. Com o passar dos anos, isso mudou. Hoje, aos 57, sigo cozinhando – mas não passo o dia inteiro na cozinha, até porque, se tenho alguma capacidade, é transmitir meu conhecimento à minha equipe. Conhecimento represado não é conhecimento. Muitas pessoas abastadas vão ao D.O.M. incluindo estrangeiros de todo o mundo, mas o que me emociona é ver famílias investindo no garoto ou na garota que sonham ser cozinheiros. Ver seu restaurante como referência para famílias que estão fazendo um grande sacrifício para trazer o filho aqui. Sim, aos 82, espero ainda ser cozinheiro – não com a assiduidade dos 30 anos, mas eu e a cozinha não nos separamos mais.
Os menus-degustação do D.O.M., renovados todos os anos, são sempre especiais. O dos 25 anos, mais do que especial. São 12 pratos, harmonizados com vinhos nacionais de primeira linha. Exemplos? Beiju de mandioca com feijão, Pinot Noir NY – Valparaíso, da Serra Gaúcha. Na sobremesa, Pudim de Vó com bombom de cajá, Tropical Moscatel Terra Nova, do Vale de São Francisco. O prato da foto acima é o Pirarubu.
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POR: Celso Arnaldo Araujo
FOTOS: Daniel Cancini e Divulgação/André Lessa (salão)