Chef Matheus Zanchini: o número 1 da Mooca

Desde cedo, o chef Matheus Zanchini já tinha o necessário para ser cozinheiro. Com a avó italiana de origem calabresa, aprendeu sobre a cozinha e a importância de reunir todos em torno da mesa. Já a mãe, governanta, o ensinou sobre comensalidade. Porém, na adolescência, ele só queria saber mesmo de andar de skate e ouvir jazz. Tudo mudou quando seu amigo de infância, o chef Paulo Grobe, ingressou no curso de gastronomia. Foi dele que Matheus ouviu que poderia levar jeito para a profissão.
Formado em gastronomia pelo Centro Universitário Senac, em Campos do Jordão (SP), onde conheceu a esposa, Bianca Giacomelli, que cursava hotelaria na instituição, Zanchini fez sua estreia na cozinha no extinto restaurante Alucci Alucci. Pouco tempo depois, foi trabalhar com o chef Érick Jacquin, um de seus grandes mestres. Também atuou na cozinha do chef Greigor Caisley, com quem aprendeu a ser um cozinheiro versátil e, mais tarde, passou pelo restaurante Dalva e Dito, do chef Alex Atala.
Em 2017, ele e a esposa abriram o restaurante Borgo, na Mooca. Instalado em uma casa dos anos 1950, em frente ao clube Juventus, o restaurante decorado com objetos antigos oferece uma cozinha de inspiração italiana, mas com base francesa. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a sua trajetória.
Como surgiu o seu interesse pela cozinha?
Eu tenho uma ligação muito forte com a cozinha desde cedo por conta da minha família. Reunir todo mundo em volta da mesa chegava a ser algo religioso para a minha avó. No final da adolescência, eu não sabia muito bem o que ia fazer da vida. Gostava muito de andar de skate, de ouvir jazz e tinha algum interesse em moda. O Paulo (chef Paulo Grobe), meu amigo de infância que andava de skate comigo, começou a fazer gastronomia. E ele me disse “cara, isso tem muito mais a ver contigo do que comigo”. Nessa época, minha mãe trabalhava na casa na praia do J. Hawilla. A Ana Maria Velloso, que era amiga dele e frequentava a casa, gostava muito da minha mãe. Quando soube do meu interesse, me ajudou a conseguir uma bolsa de estudos no Senac Campos do Jordão. De manhã, eu estudava e, à tarde, era monitor no curso de cozinha básica. Mas pouco antes de começar o curso perdi a minha avó. E quando entrei pela primeira vez na cozinha do Senac, senti como se tivesse ganhando um abraço dela.
Uma das suas primeiras experiências em restaurante foi com o chef Érick Jacquin. Como foi?
Depois de uns 15 dias de estágio no Alucci Alucci, a chef me chamou em um canto e disse: “você já sabe cozinhar. Aqui você não vai crescer porque a minha equipe já está montada. Mas tem um francês cinco quadras para cima que vai gostar muito de você”. Era o Érick Jacquin, o cozinheiro mais esplêndido que já conheci. Na época, bati na porta do Café Antique e fiquei um ano lá, com o Wagner Resende, que era subchef. Fiquei na praça de foie gras e peixe, limpei trilha à beça e abri muitas ostras. Ali eu descobri o que era a cozinha de verdade.
Com o Jacquin, você aprendeu as bases da cozinha francesa e aí você foi trabalhar em um pub. O choque foi muito grande?
Na época, eu gostava de fazer cozinha francesa e achava que a Inglaterra não tinha comida, um erro muito grande da minha parte. Lá conheci o chef Greigor Caisley, que considero uma pedra filosofal que tenho na vida como cozinheiro. É um cara que virou meu amigo e meu irmão. Descobri que a cozinha inglesa era mais do que fish’n’chips. É muito rica, pega um pouco da Irlanda, da Escócia, os caras comem muito bem. O Greg é um mapa-múndi, tem um repertório eclético e, com ele, aprendi a deixar de lado a pompa da cozinha francesa e ficar mais versátil, mas sem deixar de lado as bases da culinária francesa.
Em 2005, você deixou São Paulo e foi para a Praia de Pipa. O que te levou a tomar essa decisão?
A Bianca ama praia e tinha vontade de trabalhar fora de São Paulo. Em um fim de semana, ela foi fazer entrevista em um hotel na Praia de Pipa e fui junto. Enquanto isso, eu saí para tomar uma cerveja e voltei empregado (risos). A Pipa é um lugar incrível, uma esquina do mundo, mas quase não tem cozinheiro. Eu fui trabalhar no Cardume, um restaurante de cozinha brasileira. Quando sentei com o proprietário, o Rene Farias, para fazer o cardápio, ele me mostrou uma revista com um prato do Érick e me perguntou “você consegue fazer isso?” (risos). Aí eu soltei de novo a cozinha francesa.
Como foi trabalhar com a cozinha francesa no Nordeste, onde ingredientes como creme de leite fresco e manteiga são escassos?
Eu fazia uma cozinha provençal. A Provence é quase uma Itália francesa e tem uma cozinha mediterrânea. A oferta de manteiga e creme de leite é ruim no Nordeste, mas eu tinha os melhores pescados, crustáceos e moluscos para trabalhar. O Greg sempre me dizia que eu tinha que cozinhar com aquilo que tinha em mãos. Só assim eu seria um cozinheiro versátil, que saberia lidar com qualquer situação.
“O Greg sempre me dizia que eu tinha que cozinhar com aquilo que tinha em mãos. Só assim eu seria um cozinheiro versátil, que saberia lidar com qualquer situação”
De Pipa, como foi parar na França?
Depois do Cardume, eu rodei alguns restaurantes de Pipa, até que fui trabalhar para o chef James Halper, no restaurante Pacífico. Ele era o cara da Pipa, fez École Ritz Escoffier, que é uma referência mundial na formação de cozinheiros. Aprendi muito com ele, mas a cozinha era no melhor estilo democracia corinthiana: a gente bebia e fumava o dia inteiro, mas tinha que dar conta de servir de 150 a 250 couverts por noite. Depois, recebi a proposta do francês Rémi Quique, para quem a Bianca trabalhava. Ele tinha uma pousada que recebia surfistas franceses e precisava montar uma cozinha. Além do skate, eu sempre gostei de surfar. E, por isso, eu pegava onda com os caras. Com o tempo, os franceses começaram a pirar na minha comida. Até que recebi o convite para trabalhar oito meses em um restaurante em Hyères, que fica na Cote d’Azur, ao lado de Marselha. Não foi nada fácil. Tinha meia folga em um dia e meia folga no outro. Certo dia, fui levar os filhos do meu chef para andar de skate, caí e quebrei o pulso. Quando fui ao hospital, me disseram que não poderia mexer a mão por três meses. Fui dispensado do emprego na hora.
Antes de abrir o Borgo, você tinha um trailer de comida de rua. O que te levou a investir nisso?
Depois que voltei de Pipa e trabalhei um tempo no O’Malley’s, teve uma época em que estava ajudando o Greg em algumas consultorias e ele estava fazendo uns eventos de comida de rua. Percebi que aquilo poderia dar certo por um tempo no Brasil. Depois de uma viagem à Califórnia, decidi que queria um trailer. Criei um alter ego chamado Cantineiro, deixei o bigode crescer e fui para a rua com o Cantineiro Food Trailer. Vendia burger, costela, sanduíche de queijo, chilli e fiquei rodando por uns dois anos. Com o tempo, peguei um ranço da rua, dos lobistas que fazem loteamento das praças, das pessoas que compram a sua comida e não te dizem nem obrigado. Depois, fui para Nova York e visitei o Fat Sal’s Grill. Eu já tinha sacado os smokers na Califórnia, mas voltei de lá decidido a trabalhar com esse estilo de churrasco. Fiquei na rua por mais um tempo, até que comecei a procurar um galpão para montar um barbecue.
“Não tem jogo ganho nessa área. Todo dia que entro no Borgo, costumo esquecer de tudo que tenho aqui fora e focar em fazer uma boa comida”
O que te levou a mudar de ideia e abrir um restaurante?
A gente viajou para a Puglia para encontrar o Patrick, o nosso amigo da França. E fomos jantar em um borgo, que é uma espécie de um vilarejo de estilo medieval, que vende comida. Quando eu contei sobre a ideia de abrir um barbecue, ele me disse “você trabalhou na Provence, cozinha bem, abre um restaurante”. A Bianca olhou para mim e disse: “vamos abrir um Borgo?” Depois que a gente voltou da Itália, começamos a procurar um ponto, achamos essa casa dos anos 1950 e sentimos uma energia especial ali. Mas a casa estava completamente destruída. Tive a ajuda do Diego, um amigo empreiteiro, que fez a obra em três meses. Nesse meio tempo, eu ia para a rua com o smoker para fazer grana e ir pagando a obra.
Como foi a pressão de abrir um restaurante para chamar de seu?
Eu ouvia uma coisa do Alex Atala, com quem eu fiz um estágio logo no começo do Dalva e Dito: “Autoconfiança demais é uma m…”. Não tem jogo ganho nessa área. Todo dia que entro no Borgo, costumo esquecer de tudo que tenho aqui fora e focar em fazer uma boa comida. Com todas as preocupações de grana, equipamento, insumo, intempérie de cliente que não sabe que está pedindo. Para você perder uma estrela, é muito rápido, para ganhar, demora. Eu sempre me cobrei muito, mas não quero sucumbir à pressão.