Chef Enrique Paredes: o peruano que conquistou São Paulo com o restaurante Ama.zo
Era mais um domingo em La Victoria, um distrito residencial de Lima, capital peruana. Eis que aparece, do nada, uma turista francesa na porta do pequeno restaurante do chef peruano Enrique Paredes, o Barra Khuda. Mas não estava nos planos dela entrar no restaurante, pelo contrário, ela estava perdida e parou ali para pedir informação. Paredes se ofereceu para levá-la ao local, mas, antes, a convidou para almoçar. Meio reticente, ela aceitou o convite, e aquilo foi uma injeção de ânimo que o chef precisava para seguir em frente. O ano era 2016, e havia um mês que Paredes observava, com certa preocupação, as cadeiras vazias de seu restaurante de cozinha autoral.
Instalado em uma garagem que, pela mais pura falta de grana, ele reformou praticamente sozinho, o Barra Khuda ficava bem longe da rota gastronômica peruana. Era a tentativa dele de desenvolver um projeto próprio, em que poderia mostrar a sua criatividade e praticar o que ele chama de “cocina com libertad”, uma filosofia de trabalho que ele leva tatuada, em seu antebraço. “A ideia era mostrar que não é preciso uma estrutura gigantesca para fazer uma cozinha de alto nível”, lembra Paredes, que foi discípulo de chefs como os peruanos Gastón Acurio e Carlos Testino. Depois de anos reproduzindo pratos pensados por outros chefs, Paredes queria mais. Precisava de sua própria cozinha para apresentar suas criações, que combinam técnicas apuradas e estética.
A turista francesa se surpreendeu com o menu apresentado por Paredes e, para a surpresa dele, ela era jornalista gastronômica na França e estava de passagem pelo país para uma rota pelos restaurantes do Latin America’s 50 Best Restaurants, derivado do ranking mundial que inclui os melhores da América Latina. Desde então, a notícia sobre o Barra Khuda se espalhou, e os dias de cadeiras vazias ficaram para trás – o restaurante tornou-se um sucesso de crítica e de público. E o mais interessante é que a casa nunca teve fornecedores. O chef e sua equipe iam aos mercados todas as manhãs em busca dos vegetais, frutos do mar e o que estivesse mais fresco no dia para servir aos clientes. E nada de cardápio. “Os clientes chegavam e me perguntavam o que tinha no dia”, conta o chef.
Nesse período, Paredes começou a viajar para levar a cozinha peruana pelo mundo afora. Até que surgiu a oportunidade de abrir um restaurante em São Paulo, o Ama.zo. Instalado no jardim de um charmoso casarão nos Campos Elíseos, o restaurante – que oferece uma cozinha peruana revisitada – ganhou uma filial no shopping Pátio Higienópolis. Recentemente, o chef peruano também inaugurou o hotel boutique Nomad, em Arequipa, um dos polos turísticos do Peru. O local reúne duas operações: o restaurante Indigo e o bar Ambar. A seguir, o chef Enrique Paredes fala sobre a sua jornada como cozinheiro e empresário.
Como equilibrar o lado chef e empresário?
Eu aprendi muito com o meu primeiro restaurante. Eu tinha 26 anos quando abri o Barra Khuda, ao lado de um amigo. A gente não tinha grana nenhuma para investir. Conseguimos uma garagem de uma casa em La Victoria, um bairro residencial de Lima, e fizemos praticamente tudo, desde a parte estrutural até a decoração. Compramos móveis dos mais baratos e pintamos com tinta para parecer que fosse um barco velho. Como eu sou artista, também fios murais do restaurante. O cardápio também era escrito e desenhado por mim. No começo, foi muito difícil. Nessa época, a gente não tinha Instagram, não sabia nada de marketing e nem de negócios. Só sabia cozinhar. Mas, como empresário, eu aprendi a utilizar os meus poucos recursos da melhor maneira possível. E passei isso para os meus cozinheiros.
De onde vem esse lado artístico?
O meu pai desenha muito bem e me fez tomar gosto pelas artes desde criança. Disso veio a minha vontade de ser artista plástico ou músico. Só que eu fui procurar um conservatório em Lima, mas a formação era em música clássica. Eu era baterista e roqueiro! Depois, fui buscar um curso de artes, mas eu teria que fazer esculturas e muitas outras coisas. Eu me interessava apenas pela pintura. Acabei indo para a cozinha, mas durante muitos anos eu usei a pintura para desestressar. Trabalhava 12, 14 horas por dia, sob muita pressão. Depois do trabalho, eu ia para casa, mas não tinha sono. Passava as madrugadas fazendo aquarelas e pinturas a óleo.
Como surgiu a cozinha na sua vida?
Quando eu era criança, eu assistia a programas de culinária com a minha mãe todas as manhãs. A gente cozinhava junto, e eu amava estar na cozinha com ela, que é muito boa cozinheira e tem um repertório bem grande de receitas, que é até maior que o meu, provavelmente (risos). Quando pequeno, eu a acompanhava aos mercados e aprendi a escolher os ingredientes. Tanto que, quando eu cheguei na escola de cozinha, aos 17 anos, eu já sabia um pouco mais do que os meus colegas.
Como surgiu a oportunidade de abrir um restaurante no Brasil? Você já conhecia o País?
O meu sócio, Marcio Meni, já conhecia o Barra Khuda e entrou em contato comigo para abrir um restaurante em São Paulo. Eu tinha planos de abrir um restaurante em Hong Kong e já estava com as passagens compradas. Só que o projeto caiu. Na hora, eu liguei para ele e começamos a trabalhar. Montei a equipe e desenvolvi o cardápio, tudo a distância. Nunca tinha vindo ao Brasil. Nesse meio tempo, o Marcio encontrou o casarão nos Campos Elíseos. Em 2018, eu cheguei ao Brasil com cinco cozinheiros peruanos, e era a primeira vez de todos aqui. Em duas semanas, o Ama.zo estava aberto.
Qual é o conceito do Ama.zo?
Em uma primeira conversa, nós decidimos fazer comida peruanatradicional. Mas quando eu cheguei e vi a casa pessoalmente, mudei de ideia. Achei que a casa era muito bonita e tinha muito potencial. Descartei o cardápio que havia feito e comecei de novo. O que a gente faz aqui é trazer um novo olhar para a comida peruana. No caso do ceviche, por exemplo: todos os ingredientes estão lá, mas de outra forma. A maior parte dos ingredientes que utilizamos, como tucupi preto, o cacau e a pimenta-de-cheiro, é brasileiro.
Quais são os seus planos para o futuro?
O meu sonho é abrir um restaurante pequeno, autoral, onde eu ficaria o tempo todo na cozinha. Onde eu possa apresentar todas as ideias que eu tenho, mas que não consigo desenvolver em um restaurante do tamanho do Ama.zo. Pode ser em São Paulo, mas ainda não é uma certeza. Tudo vai depender de como eu me sentir e de onde eu tenha mais recursos para trabalhar. Como empresário, eu gostaria de abrir novos projetos. O meu sonho é abrir um Ama.zo em Miami (EUA) e, quem sabe, levar o Barra Khuda para Madri. O projeto, que eu considero como se fosse um filho, tornou-se um restaurante itinerante, que funcionou por temporadas. Quem sabe, podemos fazer uma temporada em São Paulo com ele.
Ama.zo
https://www.instagram.com/amazoperuano/
https://www.instagram.com/chef_enrique_paredes/
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POR Cintia Oliveira
FOTOS Daniel Cancini