A Casa do Porco e da Dona Onça
Onça e porco provavelmente não se dão bem no reino animal. Na selva da gastronomia paulistana, a dobradinha é só paz, amor e…sucesso. Marido e mulher, os chefs Jefferson e Janaína Rueda comandam dois dos maiores fenômenos da cidade: o Bar da Dona Onça e A Casa do Porco Bar. Melhor impossível. A 200 metros um do outro, e a uma esquina do apartamento do casal, os dois endereços, juntos, atraem cerca de 30 mil clientes por mês com propostas ousadas e muito bem azeitadas. E mais: Jefferson e Janaína se tornaram autênticos embaixadores da revalorização do centro de São Paulo. Precisa mais? GoWhere conversou com os dois – cada qual no seu canto, como convém…
Por: Celso Arnaldo Araujo
Janaina Rueda é uma paulistana da gema, nascida no Brás. Jefferson é caipira de São José do Rio Pardo. As circunstâncias de como seus caminhos se cruzaram variam, de acordo com a fonte. Janaína conta que já o conhecia de fama, quando ele trabalhava na cozinha do Madeleine – depois de estágios na França e anos ao lado de Laureant. “Só o conhecia por foto, tinha ganho alguns prêmios”. Jana trabalhava na Pernod Ricard, como sommelière e gerente de marketing de bebidas. Só cozinhava em casa. Ter nascido no Brás incluía, no pacote, uma profusão de cozinheiras em casa. E lembra-se, mais tarde, de ter ouvido de Adriano Kanashiro a recomendação de conhecer um restaurante que estava fazendo diversas ações com os vinhos da Pernod, o Pommodori. Chef? Jefferson Rueda. “Foi quando conheci pessoalmente, começamos a sair, namorar”.
A versão de Jefferson acrescenta o nome do restaurante cupido: “Nos apaixonamos num balcão do Sarajevo. Dali nunca mais nos desgrudamos”. Bem, não importa. Apaixonaram-se, casaram-se, juntaram as panelas em 2003. E que tal a experiência de dividir a cozinha de casal com outro chef de sucesso? Janaína se queixa um pouco: “A vida se compõe de falar de trabalho. A gente não consegue se desligar. Já tentamos até terapia de casal”. Jefferson complementa: “O melhor é o estilo de vida que dividimos: vivemos as mesmas experiências e os mesmos dilemas. O pior às vezes é só falar de comida”. Mas essa proximidade não poderia ter sido mais produtiva – dado o atual sucesso mútuo do casal. O Dona Onça devorou vários tabus. O primeiro é seu próprio endereço: o icônico Edifício Copan, marca ondulada de Oscar Niemeyer no skyline do centrão paulistano. Às vésperas de completar 50 anos, e sob um processo de completa restauração da fachada, hoje recuperou parte de seu status.
Nasce a onça
Mas, à época do parto da onça, o local ainda vivia uma aura de decadência. Janaína – com a retaguarda de Jefferson – deu sua contribuição para o upgrade do endereço. Além de instalar o restaurante no térreo, mudaram-se, de mala e cuia, para o Edifício Copan. Já em sua abertura, o Dona Onça estava maduro. “A Casa do Porco é hoje, em certa medida, o que eu quis fazer no Dona Onça oito anos atrás. Eu sonhava com um Dona Onça assim, mas não cabia naquele momento. Minha parceria com seu Julio (Julio César de Toledo Piza, seu sócio investidor) fez com que o Dona Onça desse certo desde o começo, partindo para algo mais tradicional, de época. O centro estava carente do Paddock, do Baiúca – lugares com que o paulistano tinha intimidade. Se eu tivesse, há oito anos, feito essa coisa moderna da Casa do Porco, os clientes mais antigos, que não se mudaram do centro e foram meu alicerce desde o começo, talvez não tivessem gostado da proposta”.
O Dona Onça surgiu com um toque mais conservador – incluindo lambris. E por que no Copan? “A vida inteira eu frequentei o Copan. Minha mãe tinha uma confecção de roupas de couro, como jaquetas retalhadas, com franjas. E eu fazia as entregas lá – era cantor sertanejo, menina da noite…”.
E A Casa do Porco Bar?
Hoje é o momento certo para uma casa cujo menu gravita por todas as partes possíveis da anatomia suína, da cabeça aos pés?
“Em tese, ainda não”, responde Jefferson. “Porque a carne de porco ainda sofre preconceito. Levei cinco anos planejando A Casa”. Mas os clientes que formam fila desde meio dia e voltam a ela assim que o sol se põe não têm o menor preconceito contra, por exemplo, a Barriga Frita com uma camada de goiabada, o Tartare de carne curada com pó de cogumelo shitake e maionese de tutano, o Porco de San Zé com tutu de feijão e tartare de banana – além do porco inteiro (abaixo) e, para os mais fortes, a cabeça do porco com tudo o que tem dentro, delírio de chineses que visitam a casa. Com apenas oito meses de funcionamento, A Casa do Porco Bar consagrou uma cozinha caipira com toques contemporâneos sem medo da ousadia – tendo o porco como estrela máxima.
O microcosmos dos Rueda
A casa e os dois restaurantes praticamente na mesma quadra criam uma óbvia simbiose entre o casal. Resume Jefferson: “Um complementa o trabalho do outro. No Dona Onça eu inaugurei e fiquei três meses trabalhando com ela lá. E quando inaugurou a Casa do Porco, ela ficou três meses comigo”. A visão de Janaína: “A gente troca bastante, eu vou pra lá, ele vem pra cá. A gente incorporou as duas casas como se fossem a mesma. Eu hoje tenho mais segurança em peitar o Jefferson. Mas ele sempre foi meu feitor. Tem anos-luz à minha frente em técnica. Quando tenho problema e não consigo resolver sozinha, ele me ajuda a buscar uma solução”.
E os filhos, João e Joaquim, de 6 e 10 anos, como ficam nesse esquema de cozinha full time, sem fim de semana ou noites livres? A família Rueda tem momentos sagrados? Mamãe: “Os quatro em casa? Cozinhando. Os meninos voltam da escola à tarde. Não é uma vida normal pros caras. Somos pais diferentes. Quando tá todo mundo na reunião na escola, estamos em evento. Me culpo um pouco. Vamos às vezes a São José do Rio Pardo. Entendo quando tenho de ficar e quando posso ir”. Jefferson é menos dramático: “Trabalhamos na porta de nossa casa. Se não vamos a eles, os dois vêm até a gente. E temos um final de semana inteiro com eles, de 15 em 15 dias”.
Cada um na sua
Bem, A Casa do Porco serve, em várias opções, a carne do animal homônimo. Não é o caso, evidentemente, da Dona Onça – uma casa clássica e tradicional, mas que não parou no tempo e incorpora tudo – técnicas e ingredientes – que possam melhorar a comida. Só não serve onça. A onça, no caso, serve. Como todos sabem, é o apelido que Jefferson deu à mulher – que coloca suas garras de fora quando provocada ou para impor um ponto de vista. Janaína confirma o apelido que deu nome à casa? “Personalidade forte, os dois. Jefferson é respeitoso com as mulheres – eu posso xingar, ele não responde. Mas ele é bem genioso, é firme em suas convicções, não muda. Podem espernear, gritar, o mundo cair, ele não faz nada. E essa fúria de onça, essa TPM, ele tira de letra, não toma muito conhecimento. Só sai de perto. Mas se ele fala não, é não. Não se derruba, não se chateia. É muito ele. E, se chega ao ponto de brigar com alguém, ele não recua”. Ele confirma: “Sou leonino. Demoro para brigar, mas, quando brigo, a coisa fica séria”. Trabalho não falta para os dois.
Mas o sucesso, como se sabe, é um organismo reprodutor. Planos para o futuro? Há um futuro além da consagração do Dona Onça e da Casa do Porco? Cabem planos e trabalho na vida dos dois? Jefferson: “Sim, muitos planos. E sempre cabe mais trabalho”. Janaína: “A gente tem pensado em algumas coisas. Mas estamos dando um tempo porque o país não tá pra brincadeira. Não sofremos crise, mas não dá para brincar. Se for pertinho, consigo, sim. Estamos pensando”. Tudo está pertinho na vida de Janaína e Jefferson Rueda: a onça, o porco, a casa, os filhos, o sucesso pacífico e merecido.
Serviço
A Casa do Porco Bar
Rua Araújo, 124
Tel.: 11 3258-2578
Bar da Dona Onça
Edifício Copan – Av. Ipiranga, 200
Tel.: 11 3257-2016