Bueno Wines. Os vinhos do Galvão.
O mais famoso e polêmico locutor esportivo brasileiro teve o privilégio de viajar muito nos últimos 40 anos. Nessas quatro décadas, Galvão narrou… E bebeu os melhores vinhos do mundo. Daí nasceu uma paixão – que ele também narra com bordões e entusiasmos. E foi em Candiota, na Campanha Gaúcha, que transformou a paixão em um imenso campo de videiras, hoje sob a supervisão do enólogo italiano Roberto Cipresso. Depois, os dois começaram a produzir também em Montalcino, na Itália. Dez anos depois, o negócio começa a ser rentável. Para comemorar a data, o 12º rótulo da Bueno Wines, que acaba de ser lançado, é especial: o Anima, primeiro Gran Reserva brasileiro – um craque preparado em sigilo por cinco anos pela dupla Galvão-Cipresso
Por: Celso Arnaldo Araujo Foto: Wellington Nemeth Coordenação Sidney Osiro
GW: Seu interesse pelos vinhos nasceu em suas viagens internacio-nais. Nesse período, o que foi mais marcante?
GB: Comecei a viajar em 1974, ainda na Gazeta, mas minha relação mais ínti ma com o vinho começou em 1981, quando fui para a Globo. A maior parte das corridas de Fórmula 1 era na Europa; eu e o Reginaldo Leme saíamos para almoçar e jantar, e toda mesa ti nha uma garrafa de vinho. Eu sabia que os vinhos europeus eram os melhores do mundo. Comecei a tomar vinho na Itália, em Portugal, na França, na Espanha. Direto do Velho Mundo. No início, tomava o que cabia no bolso. Mas o vinho não depende só do preço. Você vai evoluindo na qualidade. Isso me esti mulou a começar a conhecer enólogos e produtores de vinho, a visitar vinhedos. Nos anos 80, conheci a Austrália e descobri vinhos maravilhosos, depois os da Nova Zelândia, dos Estados Unidos. Vinho sem barrica. Tenho um hoje ins-pirado na Nova Zelândia, um Sauvignon Blanc aço puro, sem barrica, sem rolha, screw cap. Fui me apaixonando.
GW: E a experiência mais marcante desse período?
GB: Vamos dizer o seguinte: a minha primeira experiência marcante com um grande vinho foi junto com o grande Sérgio Noronha, na Copa de 1982, na Espanha. Giráva-mos na primeira fase na chave da Alemanha e da Itália, que, por sinal, decidiriam a Copa. Luciano do Valle e Márcio Guedes faziam o Brasil. Rodamos pelo país, de carro. Viagens de 400 quilômetros, eu dirigindo. Um jogo por dia. Em uma dessas viagens, entre Oviedo e Vigo, dormimos no caminho. No hotel – e o Boni já ti nha me falado desse vinho fantásti co –, provamos um Vega Sicilia. Merecíamos um Vega Sicilia. Assim que pedimos, o garçom cedeu o lugar a um sommelier – acho que foi a primeira vez que fui atendido por um. Ele veio explicar o que pedimos, um Vega Sicilia Unico, aquele mise-en–scène todo. E era mesmo um espetáculo. Maravilhoso.
GW: É fato que o mundo do vinho não tem mitos: um Vega é um Vega, um Petrus é um Petrus…
GB: Um Brunello di Montalcino é um Brunello di Montalcino, um Barbaresco de Angelo Gaja é um Barbaresco de Angelo Gaja… E por aí vai. Foi um encontro memorável. A cada dois dias dormíamos ali e o encontro se repeti a. Foram pelo menos cinco noites com o Vega. Não foi um amor fugaz. Foi meu primeiro encontro com um grande vinho, há 37 anos.
GW: Você detesta o termo enófilo, não?
GB: Sim, palavra feia, quase um palavrão – lembra pedófilo. Não sou enólogo – como o Roberto Cipresso, um dos mais importantes do mundo, hoje meu parceiro. Não sou sommelier, nunca estudei para isso. Então, você é um enófilo, Galvão? Não, porque detesto essa palavra. Na verdade, sou um apaixonado por vinhos. Mas nunca estudei, meu conhecimento é prático, com uma grande vantagem: o contato com os winemakers e com as pessoas que trabalham nas cantinas, na construção do vinho. O vinho não é só fabricado, é construído. Eu digo que o grande enólogo é um arquiteto. Vinho é vida e, por ser vida, tem alma. Passa por inúmeros processos de transformação, a partir da primeira fermentação e do mosto – até se tornar o produto final, às vezes, um néctar.
GW: Acompanha a construção dos vinhos em suas vinícolas?
GB: Acompanho e dou palpite… Um cara que vive de falar e emitir conceitos, como eu, não vai dar palpite? Mas eu e o Cipresso temos almas gêmeas, ambos somos sonhadores. Sonhamos sempre em fazer algo novo e melhor, que impacte as pessoas. Aprendi com ele uma coisa fundamental, que é o respeito pela Mãe Natureza. Ela é que manda em todo o processo. O ciclo do vinho é de 365 dias, durante os quais você atua de acordo com o que ela oferece: calor, frio, insolação, poda, brotação, chuva. O vinho nasce dos desígnios da Mãe Natureza – até o momento da colheita. Aí começa um novo ciclo de profundo respeito às mínimas reações, para que você possa fazer esse “ser”.
GW: Quantas vezes por ano você vai conferir suas linhas de produção?
GB: Ah, eu me programo, tanto para a Itália quanto para o Rio Grande do Sul. Das colheitas dos últimos anos, a vindima aqui, a vendemmia na Itália, não lembro de não ter estado lá pessoalmente.
GW: A Globo libera?
GB: Sim, vou ajeitando minha vida. Graças a Deus, já estou em uma fase de Globo, depois de 38 anos…
GW: Em que você faz o que quer…
GB: Não, de jeito nenhum! E nunca será assim. O respeito é mútuo. Já não faço alguns eventos, como Campeonato Brasileiro, mas conti -nuo fazendo Fórmula 1, seleção brasileira, Libertadores. Dá para conversar com as pessoas e montar sua vida.
GW: Vi uma foto sua montando um lindo cavalo. E você parecia muito feliz…
GB: Sim, cavalos Crioulo, no Rio Grande do Sul. Uma raça fantásti ca, para trabalho não existe igual. E tem toda uma história na cultura das terras da Campanha, o novo terroir brasileiro. O prazer de andar em seus vinhedos gaúchos em um belíssimo Crioulo é como pilotar uma Ferrari na Itália.
GW: Quando será sua próxima “cavalgada” lá?
GB: Agora em janeiro, quando começa a colheita da primeira fase das uvas de espumantes. Depois, quero ir em fevereiro e março – e aí é hora de dar um pulo na Itália. Procuro ir sempre que posso, porque o que começou com uma paixão virou a realização de um sonho, com os primeiros vinhos, e depois se tornou um grande investi mento. Diria até: com uma certa irresponsabilidade…
GW: Como vinicultor, qual foi o começo do começo?
GB: A Miolo foi minha porta de entrada para o mundo do vinho. E, há sete anos, virei sócio. Mas a história se inicia no começo do século. Eu já tinha meus negócios no Rio Grande do Sul, com criação de gado Angus, em sociedade com Ivan Magalhães, gaúcho do Alegrete, velho companheiro dos tempos da Band. Tínhamos uma estância nas Pedras Altas. Em 2001, comprei minha primeira fazenda no Paraná, onde passamos a criar gado Angus também. Fazia grandes leilões em sociedade com Luiz Eduardo Batalha – juntos, trouxemos o Burger King para o Brasil. Eu criava gado, cavalo, e também apostava na ovinocultura. O Darcy Miolo, em uma estância perto, comprava nossos touros e me vendia carneiro. Começou assim nossa ligação. Um dia, me ofereceram uma vinícola e fui me aconselhar com os Miolo. Fiz dois primeiros vinhos com eles – mas hoje nossas relações são muito mais profissionais.
GW: Além desse pé na Miolo, você tem parceria com o Roberto Cipresso em Montalcino e vinhedos no Sul…
GB: Nossa marca é a Bueno Wines, que tem a Bellavista Estate, em Can-diota, Campanha Gaúcha, e, na parceria com o Cipresso, a vinícola em Poggio al Sole, em Montalcino. É a empresa guarda-chuva de minha produção. Minha atenção é inteiramente voltada hoje para as produções no Brasil e na Itália.
GW: Ainda acha que o principal problema do vinho brasileiro não é qualidade, mas o preconceito?
GB: Essa frase me foi dita pelo Michel Rolland, quando fizemos o primeiro vinho, safra 2008, o Bueno Paralelo 31. Hoje, 10 anos depois, a qualidade aumentou bastante e o preconceito diminuiu um pouco – mas ainda existe. Tem gente que recusa um vinho brasileiro por ser brasileiro. Mas atenção: hoje, na Argentina e no Chile, se fazem alguns dos melhores vinhos do mundo; e se faz muita porcaria também. E, no Brasil, se faz muita coisa boa. O Rolland fez, com o Adriano Miolo, esse meu primeiro vinho – um corte bordalês, feito a meu gosto, do lado direito do rio, mais Cabernet Sauvignon que Merlot. E então me convenceram a usar o Petit Verdot no lugar do Cabernet Franc no corte. Hoje, o vinho mudou de lado – está à direita do rio, de onde vem o Petrus. O Cipresso alterou a composição do Paralelo – hoje mais Merlot do que Sauvignon. Se o Michel Rolland fez o primeiro vinho, o Cipresso é o arquiteto responsável pelos atuais.
GW: Destacaria algum carro-chefe?
GB: Entre os italianos, o Bueno Cipresso Brunello de Montalcino, um Riserva 2004 que é um capolavoro – uma obra-prima. Em 2014, na lista dos top 100 da Adega, ele foi o número 1. No Brasil, entre os tintos, o Paralelo 31, desde 2008, é premiadíssimo – dentro daquele meu bordão “ganhar é bom, ganhar da Argentina é muito melhor”, destaco nossa dupla medalha de ouro no concurso internacional de Mendoza, em cima dos argentinos, na casa deles… Nosso espumante também é muito forte – o grande sucesso da vitivinicultura do Brasil no mundo. O Bueno Cuvée Prestige tem prêmios impressionantes, como medalha de ouro no IWSC, International Wine and Spirit Competition, em Londres.
GW: Daria para viver só do vinho hoje? Ou financeiramente ainda é hobby?
GB: Não dá mais para ser considerado hobby, não. Hoje é um negócio – e, pela primeira vez, vamos fechar 2018 com lucro operacional, em um momento dificílimo da economia brasileira. Mas pretendo reinvestir tudo. Quando digo que foi um investimento que beira a irresponsabilidade é porque usei muito do que ganhei a vida inteira para fazer algo que começou com uma paixão e hoje é uma empresa que me orgulha – temos um vinhedo com pleno respeito à história e à cultura da vitivinicultura brasileira, reconhecidamente o de maior qualidade no país. O “maluco” aqui (aponta para Cipresso) criou o que chamou de “tessuto non tessuto”, tecido não tecido, que per-mite a passagem da água e da luz para o solo e o retorno de tudo, do solo para a planta. E a luz vem de cima para baixo e de baixo para cima. O resultado disso está sendo estudado na Universidade de Modena. E, concretamente, é o Anima – não direi que é o nosso Petrus, mas o nosso Masseto, o Petrus italiano.
GW: Você acaba de renovar contrato com a Globo, não?
GB: Até 2022. Como diria o Zagallo, vocês vão ter que me engolir… A ideia hoje não é viver do vinho, mas ter a satisfação de, em um mercado dificílimo que é o de vinhos, com o preconceito ainda existente e uma política tributária criminosa – por favor, escreva CRIMINOSA com letras maiúsculas –, chegarmos a um resultado de lucro operacional dois anos antes do previsto. Uma vitória. Olha o gol!
Campanha Gaúcha, a Califórnia brasileira.
É na Campanha Gaúcha, município de Candiota, no Rio Grande do Sul, que se localiza a Bellavista Estate, propriedade situada no ponto de encontro do perfeito terroir do Novo Mundo, uma região estratégica apelidada por Galvão Bueno como a “Califórnia Brasileira”. Já são 17 vinícolas nesse novo terroir – uma faixa de 200 km que corre paralela à fronteira com o Uruguai.
Montalcino: o parceiro de Galvão fez vinho para o Papa
A província de Siena, mais especificamente a comuna de Montalcino, é referência mundial na produção do fabuloso Brunello di Montalcino. Nesse cenário, em 2012, da união entre Galvão Bueno e Roberto Cipresso, nasce o primeiro resultado: o Bueno La Valletta. O sucesso da parceria culminou com a produção de mais um vinho, produzido na Tenuta La Valletta di Sant’Antimo, no coração da Toscana, com o perfeito terroir da terra do sol e do romance. Cipresso foi eleito o “Melhor Enólogo Italiano”, durante o Wines Oscar 2006, e o “Homem do Ano” pela revista Men’s Health, em 2008. Seu conhecimento da terra e dos segredos dela o levou a iniciar a Winecircus, uma adega-laboratório experimental dedicada à pesquisa da atividade vitivinícola, em parceria com as Universidades de Padova, Trento, Pisa e Udine. Além disso, o enólogo produziu o Cuvée feito especialmente para o Papa João Paulo II, 2000. A dupla deu tão certo que os dois lançaram o Bueno-Cipresso di Montalcino, produzido apenas em anos que a colheita é considerada uma safra excepcional.