Benvenuto Brunello
A anteprima dos vinhos toscanos mais cultuados da Itália.
Por: Walter Tommasi
Faz seis anos que tenho o prazer de atender aos sensacionais anteprimas toscanos. A cada ano que passa, fico mais e mais impressionado com o crescimento dos vinhos desta que para mim é a mais bonita região da Itália. Vejo os Chianti Classicos se colocarem entre as quatro melhores origens de vinhos tintos da Bota e noto uma tremenda melhoria dos Chianti fora da região dos Classicos. Também me impressiono com as novas Vernaccias, me encanto com os rossos e os nobiles de Montepulciano, com os Syrah de Cortona, com os Montecuccos, os internacionais Bolgheri e o trabalho feito pelas origens menores. Mas este ano darei destaque aos Brunellos – hoje, junto aos Barolos, os vinhos mais cultuados da Itália. Esse reconhecimento não se restringe ao consumidor e à crítica local; pelo contrário, o mercado e a crítica internacional é que têm alimentado esse crescimento. Vemos, a cada ano que passa, a porcentagem de vendas para exportação crescendo, atingindo hoje 70% da produção – contra os 67% do ano passado. Os EUA detêm a liderança nas compras com 30% do volume produzido, seguidos pelo Mercado Comum Europeu com 20%, e, a seguir, os asiáticos, que já chegaram a 15%. Hoje, a região produz 14,6 milhões de garrafas, das quais 9,8 milhões de seu vinho top, o Brunello di Montalcino, 4,5 milhões do Rosso e o restante dividido entre San Antimo e Moscatello – destacando que essa é uma das poucas regiões onde o principal vinho supera, de longe, o volume dos seus vinhos mais básicos somados. Como consequência, os produtores locais continuam comemorando o sucesso, não parecendo nada preocupados com a crise mundial. Afinal, os resultados de 2015 mantiveram a performance dos últimos anos, crescendo 10% em comparação ao ano anterior. Mas como esse sucesso foi conquistado? Parece incrível, mas, lá pelos idos de 1850, a região era reconhecida apenas pelos seus brancos Moscatello, quando um farmacêutico local, de nome Clemente Santi, decidiu elaborar um vinho tinto para a região.
E foi assim que, em 1869, Clemente não só lançou seu primeiro Brunello, mas também ganhou suas duas primeiras medalhas de prata na feira agrícola de Montepulciano. Daí para frente, a história foi longa e sempre marcada pela liderança da família Santi, com a entrada cada vez maior de outros produtores locais, que hoje chegam a mais de 220 .
A região e a cidade em si são uma preciosidade, e passear por suas ruas apertadas e vie-las nos leva de volta ao passado. Hoje a vida lá é pacata e totalmente voltada ao turismo, em grande parte gerado pela produção de seus deliciosos vinhos. Mas se nos detivermos em observar sua localização, muralhas e fortes, podemos imaginar a turbulência da época em que Firenze e Siena guerreavam pelo domínio da região. Hoje os tempos são outros, e a única disputa que ocorre é a de saber quais são os melhores Brunellos produzidos na região, e, para tanto, todos os anos o Consórcio dos Vinhos Brunello di Montalcino realiza seu Benvenuto Brunello, onde a maioria dos produtores locais apresentam suas novas safras. Este ano em que o evento completa 24 anos de existência e comemora os 50 anos do reconhecimento da DOC Brunello di Montalcino, teve como foco as safras 2011 para os Brunellos , 2010 para os Riserva e 2013 e 2014 para os Rossos, com a apresentação de 130 Brunellos, 110 Brunellos Riserva e 122 Rossos, além de 27 Brunellos Vigna, nove Moscadellos e 15 Sant Antimo, totalizando 403 vinhos. Em minha estada de um dia e meio, consegui provar por volta de 120 exemplares, focando minha análise apenas nos Brunellos, Brunellos Riservas e Rossos di Montalcino. Antes de nomear meus favoritos, é importante informar como os técnicos do consórcio classificaram cada uma das safras lançadas e o que se esperar dos vinhos de cada uma delas.
Safra 2014: classificada pelos técnicos do Consórcio com três estrelas, ainda sem comentários sobre as características dos vinhos.
Safra 2013: classificada pelos técnicos do consórcio com quatro estrelas, ainda sem comentários das características dos vinhos.
Safra 2011: classificada pelos técnicos do consórcio com quatro estrelas, e, considerando o potencial do vinho, como de elevada graduação alcoólica, média acidez, gerando vinhos de bom corpo e concentração e potencial de guarda
Safra 2010: classificada pelos técnicos do Consórcio com cinco estrelas – considerando o potencial do vinho com graduação alcoólica correta, e em alguns casos, alta. A concentração alta não é muito comum nessa varietal com potencial de guarda.
Vamos aos meus comentários:
Brunellos Riserva 2010 – Houve muito glamour quanto à safra de 2010, por alguns críticos considerada a melhor dos últimos anos. Infelizmente, no ano passado não consegui provar os Brunellos devido a uma virose que me deixou de cama os dois dias em que estive em Montalcino. Mas, ao participar das provas deste ano, pude provar os Brunellos Riserva 2010 e conversando com muitos jornalistas presentes, notei que não existiu essa unanimidade. Achei 2010 uma safra excepcional para aqueles que tiveram sorte de ter seus vinhedos nos terrenos beneficiados com o clima perfeito, e que souberam seguir processos de produção sem erros. Em geral, os Riserva se apresentaram mais elegantes, frescos e gastronômicos do que o padrão local, mas, por outro lado, fiquei um pouco decepcionado com cerca de 25% dos vinhos provados, por apresentarem pouca estrutura, pouca fruta e final de boca mais fluido, o que não bate com as características normais dos Brunellos. Mas vamos falar dos bons vinhos e, dentre eles, conhecer aqueles que mais me agradaram. Vou dividir minhas escolhas entre os mais conhecidos no Brasil: Argiano, Caparzo, Carmignano Gualto, Donatella Colombini, Lisini, Pian delle Vigne, Poggio di Sotto e Talenti Pian di Conte. E, entre os menos conhecidos, Pietranera, Pietroso, Querce Bettina, Tenute di Seste e Villa al Cortile. Aproveitando o fato de termos centenas de jornalistas especializados de todas as partes do mundo, pedi a Michael Apstein, da Wine Review on Line/USA para citar seus cinco Riserva favoritos. Os indicados foram os seguintes: Silvio Nardi Poggio Doria, Talenti Pian de Conte, Lisini, Il Poggione Vigna Paganelli e La Germa Riserva gli Angeli.
Brunellos 2011 – Particularmente achei a safra de 2011 um pouco mais em linha com o que a cartilha nos diz esperar de um Brunello. A safra 2011 apresentou vinhos de grande estrutura e intensa presença de fruta, mas, pelos vinhos provados, também notei um pouquinho menos de acidez, as-sim como uma maior presença de taninos e álcool do que o desejado. Outra coisa que me chamou a atenção foi o fato de muitos vinhos terem a presença de frutas, já com início de evolução certamente causado pe-las altas temperaturas que marcaram o ano de 2011. Não apostaria em geral na guarda dessa safra. Entre meus favoritos, destaco: Le Ragnaie, Mastrojanni, Pian delle Vigne, Poggio Antico, Poggio di Sotto, Salvione, Sesti, Camigliano, Cerbaia, Col D’Orcia e Fattoi. Para essa série de vinhos, solicitei à jornalista Inga Vaisla, da Letônia, para me fornecer seus cinco Brunellos 2011 favoritos. Vamos a eles: Brunelli, Cordella, Terre Nere, Mastrojanni e Salvione.
Rossos 2014 – Certamente os vinhos foram prejudicados pelo fato de 2014 ter sido, como os próprios produtores dizem, uma safra para ser esquecida: chuvas excessivas e falta de maturação das uvas tornaram a vida dos produtores bastante complicada, pois, com matéria-prima sofrível, é impossível gerar vinhos de alta qualidade. Pelos Rossos que tive a oportunidade de provar, quero crer que o consumo deles deva ser imediato, pois, na maioria das vezes, faltou estrutura aos vinhos. Fico imaginando como os produtores de Brunello farão em 2019, quando essa safra for colocada no mercado. Quanto aos rossos, minha sugestão é a de tomá-los jovens. Meus favoritos: Le Chiuse, Le Ragnaie, Pian delle Querce, Poggio Antico, Poggio di Sotto, Salvioni, Caparzo, La Velona e ColD’Orcia.
Vamos ficar na espera dos Anteprimas de 2017, que serão degustados em fevereiro do próximo ano, esperando que os Riservas de 2011 consigam, com um ano a mais de guarda, superar a performance dos Brunellos básicos apresentados este ano. Existem expectativas muito grandes com a safra 2012, pontuada pelo consórcio com cinco estrelas – foi um ano marcado por clima perfeito para o desenvolvimento e maturação das uvas. Para finalizar, teremos também a oportunidade de provar mais uma safra de cinco estrelas dos Rossos – a de 2015. Espero poder comparecer e vivenciar mais um Benvenuto Brunello!