As delícias de Claude Troigros, agora, em São Paulo
Depois de passar o bastão de seu premiado restaurante Olympe, no Rio de Janeiro, para o filho, o chef Thomas Troisgros, o chef e apresentador de TV Claude Troisgros sentiu que era hora de deixar para trás a formalidade exigida por um restaurante de alto nível. Pertencente à terceira geração da família de renomados chefs da França, Troisgros, que chegou ao Brasil em 1979 e teve papel essencial no desenvolvimento da gastronomia do País, quis investir em um projeto tão descontraído quanto ele. Assim surgiu o Chez Claude, inaugurado em 2017 no Rio de Janeiro e que acabou de ganhar uma filial em São Paulo.
Em francês, chez significa casa. E, sem dúvida, esse é o clima que Troisgros imprime ao seu restaurante. Comandado no dia a dia pela chef Carol Albuquerque (ex-Maní), que participou da primeira temporada do reality show Mestre do Sabor, da Rede Globo, o restaurante tem a cozinha integrada ao salão e, de lá, saem desde clássicos da sua cozinha até pratos elaborados a partir de produtos locais – uma marca registrada de Troisgros. Mas o Chez Claude não é a única novidade do chef na capital paulista. Durante a quarentena, ele inaugurou ao lado do restaurante uma unidade paulistana do delivery Do Batista, em que apresenta pratos brasileiros elaborados pelo subchef e fiel escudeiro de Troisgros há 40 anos, Batista. Para o futuro, há planos para inaugurar mais três restaurantes na região onde fica o Chez Claude paulistano. Na entrevista a seguir, Claude fala sobre seus restaurantes, os novos projetos para a TV e o legado deixado pelo seu pai, Pierre Troisgros, que faleceu em setembro, aos 92 anos.
Como era a cena gastronômica paulistana na época em que você comandou o extinto restaurante Roanne? E o que te fez deixar São Paulo?
Na época, tinham poucos restaurantes. Os franceses eram três ou quatro, que eram superconhecidos e clássicos. A gente trouxe uma cozinha francesa moderna, que valorizava os produtos brasileiros, e foi um sucesso imediato. E o Emmanuel (chef Emmanuel Bassoleil) chefiou a cozinha com muita competência. Alguns anos depois, em 1992, eu recebi uma proposta de um grupo brasileiro para abrir um restaurante em Nova York. Aceitei e vendi a minha parte do restaurante para o Emmanuel, que ficou lá por alguns anos.
Por que demorou tanto para voltar a São Paulo?
A experiência que tive no Roanne foi muito positiva e me deixou com saudades de São Paulo. Nesses 26 anos, eu abri seis restaurantes no Rio de Janeiro e a televisão aconteceu em minha vida. Fiquei com bastante trabalho no Rio, mas sempre passei metade do tempo em São Paulo fazendo eventos, cursos, palestras, gravações e publicidade. Demorei muito para abrir um restaurante aqui por falta de tempo e, principalmente, esperando um investidor que conheça a nossa profissão. Isso aconteceu um ano e meio atrás e, por isso, o Chez Claude paulistano nasceu.
O Chez Claude estava pronto desde abril, mas a inauguração foi adiada por conta da pandemia. Como foi esse momento de incerteza?
A gente já estava com a equipe principal montada. Um restaurante parado não fatura, mas o lado bom é que, basicamente, nesses quatro e cinco meses pudemos treinar a equipe, o que fez a abertura ser mais tranquila. Só com reserva, nós conseguimos fazer 80 a 100 couverts no almoço e no jantar. Estamos lotados até o final de dezembro.
Você teve que fazer alguma adaptação no conceito do Chez Claude para se adaptar ao público paulistano?
Outro dia, fiz as contas e descobri que abri 21 restaurantes ao longo da minha vida. E a experiência me diz que você tem que se adaptar sempre ao lugar onde está. Obviamente, o conceito do Chez Claude é o mesmo, mas existem algumas diferenças. A primeira é o bar. São Paulo exige isso e nós fizemos um bar competente, à altura da cidade. A gente está valorizando bastante os pequenos produtores de São Paulo e trabalhando o máximo possível com as pessoas perto da gente. Alguns pratos, principalmente as especialidades há muitos anos, como Cherne com banana, o Ravióli de batata baroa e o Ovo mexido com caviar, nunca vão sair do cardápio, mas outros pratos vão mudando conforme a estação e o produtor.
Com a pandemia, muitos restaurantes tiveram que apelar para o delivery. Qual era a sua relação com o delivery antes e agora?
Eu já tinha delivery em alguns dos restaurantes, no Le Blond, no CT Boucherie e no CT Brasserie. Com a pandemia, o delivery cresceu cerca de 60%. E a gente criou um novo delivery chamado Do Batista, com uma comida mais popular. Está funcionando muito bem.
Falando em delivery, esse é o tema da nova temporada do Que Marravilha!, seu programa no GNT. Qual o “gostinho” de recriar receitas e entregá-las de moto, pessoalmente, para os participantes?
Todos nós temos uma comida de afeto, que nos desperta emoção. Seja uma lembrança da comida da vovó, da infância e de uma comida regional. No programa, a gente conhece uma pessoa da família, que explica um pouco como é esse prato tradicional. Eu e o Batista nos inspiramos na receita e criamos uma versão com a nossa personalidade. Cozinhamos com toda a alegria que temos e eu levo de moto, pessoalmente, para a casa da família. É uma surpresa porque só um membro da família sabe que eu estou chegando. Eles comem e, por chamada de vídeo, me dizem se gostaram. Ninguém nunca disse que não estava bom. É um programa divertido, solto, tem uma energia muito positiva.
Desde o ano passado, você comanda o Mestre do Sabor, na Globo. Como tem sido essa experiência?
Extraordinária. A equipe do Boninho é maravilhosa e sabe fazer reality show como ninguém. Os primeiros programas foram um pouco tensos da minha parte e do Batista, porque a gente não estava acostumado com uma estrutura tão grande quanto a da Globo. Depois da segunda temporada, a gente já entendeu a dinâmica e estamos cada vez melhores. A gente está muito feliz! A Globo já confirmou a terceira temporada para 2021.
Alguns anos atrás, você deixou o comando do Olympe para o seu filho, o chef Thomas Troisgros, e inaugurou restaurantes com uma proposta bem mais despojada. Na sua opinião, isso é reflexo da gastronomia brasileira atual ou foi uma escolha pessoal sua?
Eu deixei o restaurante Olympe, que realmente foi o meu primeiro no Brasil, aberto em 1982. Nessa pandemia, ele fechou, mas o Thomas está pensando em reabrir em outro lugar, talvez em São Paulo. Mas eu deixei na mão do Thomas porque ele tinha idade e maturidade para poder dirigir um restaurante de alto nível. Inclusive, desde que ele pegou as rédeas do Olympe, ganhou uma estrela Michelin, foi considerado um dos melhores restaurantes da América do Sul no 50 Best, ganhou uma série de prêmios. Hoje, ele tem maturidade o suficiente para seguir com a sua própria personalidade, criar um menu maravilhoso, mais moderno inclusive. Eu saí do Olympe e abri o Chez Claude. Eu não diria que fiz isso para seguir os tempos que a gente está vivendo. É óbvio que, hoje em dia, uma comida boa, um pouquinho mais barata, tem a ver com o momento, mas fiz isso mais por uma questão de idade. Na vida, a gente passa por vários momentos, um momento de aprendizado, um momento que a gente quer mostrar a nossa própria personalidade, depois a gente aproveita esse momento de sucesso. Eu tenho 64 anos, onde já passei por todos esses momentos na vida, e agora eu quero mais é uma comida que me faça bem à alma, num ambiente descontraído, onde não tenha restrições muito formais e gastronômicas. Então, na realidade, estou me divertindo, mas com sabedoria.
O seu pai, o renomado chef Pierre Troisgros, faleceu recentemente. Qual é o principal legado que ele deixou para a gastronomia e, em especial, para você?
O legado que ele deixou para a gastronomia é imensurável. Ao lado de amigos dos anos 1960 e 1970, como Paul Bocuse, Roger Vergé, Alain Chapel, Michel Guérard e outros, ele mudou o rumo da gastronomia francesa e mundial. Eles deixaram esse legado do chef que sai da cozinha em busca dos pequenos produtores, do chef que valoriza os produtos e do chef criativo, que se desprende das tradições da comida clássica francesa. O legado que deixou para mim, principalmente, é a simplicidade, a alegria, o humor, essa coisa mais leve que o meu pai teve a vida toda. Antes de morrer, ele escolheu um caixão de cor lilás e isso é um sinal de juventude e humor incrível. Deixou a sua marca não só na gastronomia, mas na nossa família amada. Todos os filhos são cozinheiros, e é incrível ele deixar esse legado pra gente.
Por Cintia Oliveira
Fotos: Daniel Cancini (destaque), TV Globo (Mestre do Sabor) e Divulgação