A chef Morena Leite comanda o brasileiríssimo Capim Santo, que acaba de completar 21 anos
Nesta entrevista exclusiva, ela fala sobre a paixão pela gastronomia, seu período sabático e o principal ingrediente que usa para “temperar” seu dia a dia: a energia positiva
Aos 39 anos, mãe de duas meninas – Manuela, 10 anos, e Julia, que nasce em janeiro de 2020 – e consagrada como uma das melhores chefs da gastronomia brasileira, Morena Leite pode-se dizer realizada. Pessoalmente e profissionalmente. Se mudaria algo em sua jornada até aqui? “Nem um passo, foram eles que me trouxeram até aqui e me transformaram na pessoa que sou hoje”, comenta a chef, que encarou o grande desafio de assinar o buffet da área VIP da última edição do Rock in Rio. Foram quase 500 pessoas envolvidas em toda a produção, entre cozinheiros, produtores, pessoal da lavagem, motorista, carregadores… Trabalho puxado? Sem dúvida alguma! Mas altamente satisfatório, principalmente ao notar que tudo fluiu em plena harmonia. “Acredito na energia, acho importante manter a sintonia da equipe. Sem dúvida alguma, isso acaba refletindo, diretamente, no nosso trabalho”, explica a chef, que nasceu em São Paulo, mas foi criada em Trancoso.
Sabores do mundo
Após mais de 18 anos trabalhando exaustivamente à frente do Capim Santo e suas filiais – três em São Paulo, batizadas de Santinho, e uma no Rio de Janeiro –, Morena decidiu tirar um tempo para si mesma em um período sabático. “Eu vinha em um ritmo puxado, de trabalhar 17 horas por dia. E a minha filha, Manu, reclamava que só conseguia tomar café da manhã comigo, que a gente não jantava junto, que eu estava sempre trabalhando. Até que chegou uma hora que decidi ‘virar mãe’ e cuidar da minha filha.” Decidida a proporcionar para primogênita a mesma experiência que teve quando nova – de ter contato com várias culturas diferentes –, Morena se mudou com a filha para o exterior, onde pôde acompanhar de perto a vida escolar da menina. “Nos últimos dois anos e meio morei fora do Brasil: oito meses em Paris, um ano em Bali e seis meses em Londres.
Eu cresci em Trancoso, que é uma esquina do mundo, e queria proporcionar esse mundo para ela. Acho que a gente, na América Latina, como um todo, acaba criando os filhos de uma maneira muito protegida, por inúmeras questões. Eu queria que ela não ficasse tão fechada em uma bolha, que pegasse metrô, que lavasse uma louça… Aqui, muita gente me conhece e acabam passando esse carinho para ela, mimando. Lá no exterior, éramos duas anônimas, e isso também ajudou a fortalecer a nossa relação.” Mesmo durante essa fase “pé na estrada”, Morena não abandonou a gastronomia e aproveitou o tempo para dar algumas aulas nas unidades da Le Cordon Bleau em vários lugares da Ásia e da Europa, além de fazer eventos para as embaixadas locais. E, claro, também fazia visitas regulares ao Brasil para acompanhar o andamento do Capim Santo. “Eu tive muito apoio da minha mãe nessa fase. Ela mora em Trancoso e ficou num zigue-zague. Ela foi muito parceira e ia ficar com a Manu quando eu tinha que viajar a trabalho. E apesar de ter sempre alguém da família com a Manu, ela criou uma independência muito grande. Ela conhece a Ásia inteira, a Europa inteira. Ela fala inglês, francês, espanhol, bahasa, que é a língua balinesa…”, conta, toda orgulhosa.
Foi na Bahia que começou a história de Morena – que se considera baiana de corpo e alma! – com a gastronomia. Seus pais, Sandra Marques e Fernando Leite, abriram o restaurante Capim Santo em 1985, no Quadrado. E, claro, ela passou a infância e adolescência entre as panelas, encantada pelos aromas que saiam de cada uma delas, e em volta da mesa. “Conheci gente do mundo todo em Trancoso, e percebi, logo cedo, como a história de cada lugar pode ser contada através da gastronomia.” Curiosa e interessada por “gente”, Morena decidiu ampliar seus horizontes e foi morar, aos 15 anos, em Cambridge, na Inglaterra. Depois, partiu para Paris, onde ingressou na Le Cordon Bleau. Daí vem a sua identidade gastronômica: cozinha brasileira preparada com o rigor da culinária francesa. “Não faço comida regional, mas uso muitos ingredientes do Brasil. Minhas receitas refletem as minhas vivências e experiências de vida, de países que visito”, explica.
Solo brasileiro
Desde o fim de 2018, Morena mora em São Paulo com a família – que, em breve, irá crescer com a chegada da Julia [no dia desta entrevista, a chef comemorava o quinto mês de gestação]. A volta à capital paulista teve um motivo especial: o Capim Santo de São Paulo comemorou 21 anos em julho. E Morena mergulhou de cabeça na reformulação do restaurante para celebrar a data especial. O jardim da entrada foi repaginado e ganhou vasos com mais de 30 variedades de PANCs (plantas alimentícias não convencionais). Outra mudança marcante são as folhas secas penduradas, cada uma delas bordada com palavras de otimismo e altruísmo, como “gratidão”, “presença”, “diálogo” e “gentileza”. Uma verdadeira cortina de energia positiva dando as boas-vindas aos clientes. Mais Morena, impossível!