Pedro Janot: ensinando a voar

Ele é um dos grandes executivos brasileiros, mais conhecido por ter fundado a companhia aérea Azul, mas também é um exemplo de superação. Nesta entrevista, ele fala sobre sua trajetória de sucesso e como se reinventou após o acidente que o deixou tetraplégico. Confira:
Pedro Janot começou a carreira em 1980, aos 21 anos, como comprador em uma loja de departamentos e, dez anos depois, já era um alto executivo. Fez surgir no Brasil nada menos do que a Zara e a Azul. Porém, em 2011, sofreu uma queda de um cavalo que o deixou tetraplégico. A partir daí, enfrentou uma luta para recuperar, ao menos, os movimentos dos braços e se reinventou. Passou a dar palestras e repassar seus conhecimentos de gestão, liderança e inovação por todo o país. Em 2014, lançou o livro que conta a história da Azul: Maestro de Voo. Atualmente, participa de um fundo de investimento em empresas em crescimento e acaba de lançar seu segundo livro, A vida é tudo que você faz com ela, no qual dá conselhos para jovens em início de carreira. Ele conversou conosco e mostrou não só que a força de vontade em recomeçar nos leva a superar nossos próprios limites como também que é preciso compartilhar, dividir conhecimento, para ajudar outros a alçar grandes voos.
Como foi seu começo de carreira?
Eu comecei na Mesbla. Fiquei seis anos lá, depois fui para a Americanas, do grupo Garantia, e fiquei lá por um ano. Na sequência fui para Richards. A marca era uma história de sucesso de um casal que tinha três lojas, mas entrei para transformar o negócio em um projeto maior de franquias. Fiquei 10 anos lá, profissionalizei a companhia e a coloquei numa condição de crescimento. Passei também um ano no Pão de Açúcar. A partir daí, comecei a fazer startup de empresas. Fiz a Zara e, em 2008, a Azul. Aí eu tive um acidente. Caí do cavalo.
O acidente, obviamente, mudou sua vida?
Foi dramático. Eu estava 9 km dentro de um mato. Para me tirar de lá foi uma epopeia. Isso foi em novembro de 2011. Durante os primeiros anos fiquei me recuperando porque precisei reorganizar o corpo e a mente. O trauma foi muito forte. Foram muitas perdas ao mesmo tempo. Até tentei voltar a trabalhar na Azul quando conquistei uma condição física melhor. Trabalhava três horas em três tardes por semana. Daí vi que não conseguia acompanhar fisicamente o ritmo de trabalho que a minha equipe precisava. Fiquei lá de fevereiro a setembro de 2012. Levei 10 anos para conseguir levantar o braço. Até hoje é uma luta constante.
Quando lançou seu primeiro livro?
Em 2014, já sem a proteção da Azul, lancei o livro que conta a história da companhia. Foi meu primeiro voo solo e foi um sucesso. A partir de 2014, fui palestrar pelo Brasil. Cada lugar que estive foi uma aventura diferente. Por exemplo: fui a Juazeiro do Norte fazer uma palestra para 600 meninos da rede pública da cidade. Foi uma loucura. Nesse meio tempo, abri a Contravento, uma consultoria para empresas de varejo. Fiz oito projetos, mas descobri que não gosto muito deste trabalho
Eu sou muito focado. Eu tenho duas assistentes que me ajudam na organização e na realização das tarefas. Eu estou nessa missão de dividir conhecimento. Para quem precisa eu faço de graça e para quem pode pagar eu cobro. Eu consigo fazer o melhor que eu sei fazer com o corpo que eu tenho.
Por quê? É diferente trabalhar para empresas já estabelecidas?
Exatamente. Na maioria das empresas existem muitas barreiras que eu, como um CEO experiente, as derrubo em três segundos. Mas provar que A não é B e que B não é A é uma tarefa muito árdua. Mas aí eu encontrei uma maneira melhor de contribuir. Participo hoje de cinco conselhos de empresas.
Você também é um investidor?
Sim. Sou sócio de um grupo de investimento, o Solum, orientado para pequenas e médias empresas com potencial de crescimento. Empresas de faturamento de 4 a 30 milhões e outras até 100 milhões. O fundo está indo muito bem.
Sente falta de começar negócios do zero, como foi com a Azul?
Claro! Eu adoro dar um startup em uma empresa. Fazê-la acontecer. Não é moleza. Você pode até ter 300 milhões na conta, mas tem tudo por fazer. Foi assim com a Azul. A gente tinha 155 milhões, uma ideia e um bilhão de coisas para fazer.
Como se organiza para trabalhar com tantas demandas ao mesmo tempo?
Eu sou muito focado. Eu tenho duas assistentes que me ajudam na organização e na realização das tarefas. Eu estou nessa missão de dividir conhecimento. Para quem precisa eu faço de graça e para quem pode pagar eu cobro. Eu consigo fazer o melhor que eu sei fazer com o corpo que eu tenho.
Este novo livro é voltado para os jovens que estão ingressando no mercado de trabalho. Como foi essa experiência de falar para a nova geração?
Foquei este livro não só para os jovens que estão entrando no mercado de trabalho como também para aqueles que desejam empreender e para aqueles que estão de saco cheio dos seus trabalhos e não sabem o que fazer, de dar um basta e fazer novas conexões. Isso dá medo. Eles têm um networking fraco o que dificulta ainda mais a mobilidade.
Como está o desempenho do livro?
Está indo muito bem, apesar de as pessoas acharem que o livro físico está acabando, o que é uma bobagem. Obviamente o livro físico cresce a uma taxa menor do que o livro digital. Mas eu gostaria de destacar algumas frases que eu digo no livro, como por exemplo: “Para que algo dê certo, é preciso que muitas coisas deem errado”. “É preciso pensar o mundo, a vida e o trabalho com a cabeça no presente e a alma no futuro”, ou seja, sonhe, se jogue! Eu falo muito nisso no livro.

Foto Daniel Cancini
Essa geração tem medo do risco?
Eles foram muito protegidos. Não tem mapa de manobra mental para saber se mover. Outra característica que eles têm é uma facilidade enorme de jogar o problema nas costas dos outros. Jogar para o pai, para mãe, para o colega de trabalho… Eu enfatizo no livro exatamente isso: assuma o controle dos seus problemas. Você só vai resolvê-los se eles estiverem na sua mão. Ao assumir os seus problemas, você vai se transformar numa pessoa cada vez melhor.
Como acha que essa nova geração vai lidar com a retomada da economia pós-covid?
Eles não têm culpa que esta pandemia atravessou o caminho deles, mas a pergunta que o sujeito deve fazer a si mesmo é: “Você ainda está no jogo?
Essa geração também tem uma outra característica muito forte que é o individualismo. Como enxerga isso?
Eles nasceram com um celular na mão. Tudo para eles acontece instantaneamente. Se der errado, não machuca. Não tem nenhum apego. Com o celular a mão eles acham que podem ter acesso a tudo, porém o conhecimento deles é muito raso. Ficam nas redes sociais o tempo inteiro e coisas irrelevantes ganham uma proporção enorme porque todo mundo começa a falar do mesmo assunto. Considero também que essa geração tem falta de fome. Fome no sentido de querer muito alguma coisa. O cara fica na casa dos pais até os 35 anos com casa, comida e roupa lavada grátis. Daí, tem menos fome de buscar o seu caminho porque tá cômodo. Não pode ser acomodado. É preciso ter ambições pessoais, querer crescer como profissional e ser humano.
E para geração um pouco mais sênior que está no mercado de trabalho?
Acho que o mercado de trabalho formal deveria ter se renovado. Os profissionais poderiam ter buscado conhecimento, feito um curso à distância em Harvard, se enfiado em coisas mais desafiantes. Ou qualquer coisa que mostre que se está avançando em uma direção. Assim a chance de ser requisitado pelo mercado é muito maior. Hoje em dia o profissional tem que fazer a diferença.
Como vê este momento de transformação, com muitas empresas abrindo, outras fechando e outras se reestruturando?
Nós estamos vendo gigantes, como o Itaú, sendo atacados pelos bancos digitais. O C6 recebeu um aporte de 40 milhões de dólares do JP Morgan! Daí ele contratou uma consultoria para reformular a forma de ele trabalhar. É um momento de grande transformação para todas as empresas, inclusive para as grandes corporações. Muitos morrerão ou ficarão pequenos frente a esse novo mundo digital. Mas o momento é de empreender. Nunca os aluguéis estiveram tão acessíveis. Tem muitos imóveis comerciais para alugar e isso não vai durar muito tempo. Daqui a pouco o mercado retorna aos patamares anteriores. Para o empresário, acho que é a hora de contratar e empreender. Essa pandemia mexeu com tudo, porém essa retomada vai ser interessante. Há muitas oportunidades de negócio por aí.
O mundo digital também é um campo fértil para negócios?
Claro! Mesmo que você tenha uma padaria e deseja multiplicar como franquia, hoje está muito mais fácil. Você vai analisar sua grade de produtos e vai saber a hora que tais produtos saem mais. Você vai otimizando sua produção e seu estoque para poder crescer com mais controle e menos envolvimento. Gasta menos energia na tomada de decisões. O mundo digital é uma ferramenta em si só. Ela entra no mundo tradicional e entra em coisas que ninguém pensou que poderia acontecer. Ninguém imaginava o que um dia a gente ia compartilhar carro. Isso só é possível graças ao mundo digital. E também pela velocidade da informação. Imagine você quando tivermos o 5G instalado no nosso país. Vem aí uma nova era.
Você é a favor de investir em uma equipe de trabalho com altas expertises?
Certamente. Contratar bem é fundamental. E muito difícil também. Eu gostava de participar dos processos do RH da Azul. Eu descobri muita coisa ali. A principal lição é que, na hora de contratar, o recrutador deve não só checar a experiência e fazer as perguntas de praxe, mas também verificar se o sonho do candidato está alinhado com o da empresa.
Você viajou pelo Brasil inteiro dando palestras. O que viu que te agradou?
O Nordeste tem uma realidade incrível. Os nordestinos são curiosos, sedentos, tem fome de aprender e empreender. Acho que muita gente boa pode surgir de lá, com vontade de dar certo na vida. Aqui no Sudeste é o paraíso, mas tem muito jovem que está perdido, não sabe onde quer chegar.
E você? Depois de tanta coisa que já passou e experimentou, onde quer chegar?
Eu adoro desafios e de criar negócios do zero. Mas estou muito feliz como palestrante e escritor. Tenho um segundo livro já encomendado e brevemente ele vai sair do forno. Me dá prazer compartilhar meu conhecimento com as pessoas. Esse meu atual voo solo tá mais para ensinar a voar.
Por Leonardo Millen
Fotos Daniel Cancini