Olhar para arte: Luiz Maluf é um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira
Aos 32 anos, o paulistano Luis Maluf é um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira. Nesta entrevista exclusiva, ele fala sobre o sucesso da Luis Maluf Art Gallery – onde é possível ver a obra de artistas como Crânio, Vermelho Steam e Luiz Escañuela – e a gigante exposição de arte drive-thru que organizou, em apenas dois dias, em plena pandemia. Desde criança! Eu morava em um prédio na Vila Mariana onde tinham alguns ateliês de artistas plásticos. E a minha mãe me levava para passear por lá quando eu estava triste. Acabei me acostumando com o cheiro da tinta, com aqueles espaços, tanto que a minha casa reflete esses ambientes, associei o ateliê com um lugar de aconchego. E a minha mãe sempre me incentivou também, me colocou para estudar em um colégio construtivista. Lembro que a gente ia estudar as esculturas do Aleijadinho em Minas em vez de ir para um acampamento jogar futebol. Lembro também que os artistas do meu prédio me davam tinta, tela, e eu pirava. Tem um deles, o Fred Chico, que tenho contato até hoje.
E isso fomentou sua vontade de virar artista?
Isso e também porque esse prédio, como tinham vários artistas, era o point onde os grafiteiros se reuniam para depois sair para grafitar. Isso já tem uns 25 anos, eu era bem novo. Eu estudei muito os grafiteiros e o espaço público por causa disso.
Na sua tentativa de ser artista, por onde você transitou: pintura, escultura?
O meu TCC foi para Performance, mas nessa época já estava engendrado no mercado de arte, trabalhava em uma casa de leilão. Meu questionamento, como artista e performer, foi sobre a assinatura que validava e certificava as obras, mostrando que, muitas vezes, as assinaturas valiam mais do que as próprias obras. O meu trabalho era ficar dois dias assinando uma parede com sacos de carvão ou pegar uma caixa de caneta BIC e ficar assinando até que a assinatura sumisse dentro dela própria. Depois de milhares de assinaturas, ela virava uma mancha e era o trabalho final. Mas o questionamento estava no processo de assinar compulsivamente. Eu olho as assinaturas como forma de identificação. E eu falava que a minha personalidade era aquela confusão de milhares de assinaturas juntas. Bem ariano, maluco, agitado. Antes experimentei pintura, escultura… Vendia para caramba.
“Com as fronteiras fechadas, elas passaram a se interessar mais pelos artistas brasileiros, a comprar seu trabalho, pesquisar sobre a vida desse artista. Parte do mercado de arte conseguiu se virar bem, se manter”
Por que optou, então, por abrir uma galeria e não em seguir carreira como artista? Foi uma escolha sua ou o mercado te escolheu?
Foi tudo muito rápido. O mercado me escolheu. Depois da casa de leilão, eu já comecei a vender arte. A minha mãe me ajudava no começo, aluguei uma sala em uma loja de roupa e tentava vender obras pela internet, mas nunca consegui subir uma obra de arte nesse site, nem soube fazer o site… Mas acabei vendendo todas as obras pessoalmente, à moda antiga.
Quem foram seus primeiros artistas?
O Crânio é o meu artista mais antigo. Está comigo desde o começo. A primeira exposição que fiz foi com ele.
Deu aquele frio na barriga?
Até hoje dá! Toda vez que vou abrir uma exposição, dá esse frio na barriga, igual. Até porque depois que abri a galeria nos Jardins, em 2014, no terceiro mês eu já estava nos Estados Unidos, fazendo coisas no Nordeste do Brasil, parcerias, já estava movimentando bem. Então, sempre que você vai crescendo, o tombo pode ser o mesmo – ou até maior. E esse é o meu maior medo, porque eu vim de baixo, não tenho nada a ver com o Maluf [Paulo Maluf, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo]. Quando vejo o que conquistei, me sinto um vencedor.
Por que escolheu representar a arte contemporânea?
Pelo fato de sempre ter convivido com esses artistas, pelos questionamentos que são levantados através da arte contemporânea, o poder que ela tem de mudança.
Como descobre os novos talentos?
É pelo momento do mundo, vejo o que está sendo discutido e o que eu posso colocar dentro da minha galeria. Tento estudar o mundo e trago os curadores e artistas para falarem disso.
A Luis Maluf Art Gallery, em pouco tempo, conquistou um papel de destaque no cenário das artes. Quando começou, você imaginava a importância que seu trabalho teria?
Ah, mas ainda tenho chão para correr. Eu não imaginava chegar até aqui, mas sempre sonhei e costumo materializar meus pensamentos. Eu acredito em energia, coleciono pedras, faço medicina chinesa…
O público da sua galeria é jovem também?
Tem de tudo, mas um dos meus principais trabalhos hoje é conseguir trazer acesso à cultura. Não necessariamente transformar isso em venda comercial, mas quero aproximar o público dos artistas, fomentar e incentivar a cultura, fazer com que todo mundo se sinta à vontade em uma galeria. Por isso que ainda não saí da minha primeira galeria, que fica na Oscar Freire com a Peixoto Gomide, ela é pequena, intimista, não assusta a pessoa quando entra.
Você está abrindo uma residência artística para a formação de novos profissionais. Como é esse trabalho?
É um galpão na Barra Funda onde vamos apostar e investir em novos artistas. Estamos selecionando alguns artistas que acredito e gosto do trabalho, e vamos dar o material e o espaço, o relacionamento com críticos, curadores, instituições. Será um programa de formação com duração de um ano. Já faço isso com alguns artistas da galeria, e agora resolvi abrir essa residência para eles focarem na criação.
“(…) um dos meus principais trabalhos hoje é conseguir trazer acesso à cultura. Não necessariamente transformar isso em venda comercial, mas quero aproximar o público dos artistas, fomentar e incentivar a cultura, fazer com que todo mundo se sinta a vontade em uma galeria”
Impossível conversarmos sobre arte sem falar dos impactos que ela sofreu com a pandemia: o quanto esse mercado foi abalado?
Todas as exposições pararam, mas por outro lado, como as pessoas ficaram mais tempo em casa, elas passaram a se incomodar com aquele cantinho vazio, e quiserem deixar o ambiente o mais confortável e bonito possível. Passaram a ter uma olhar novo. Com as fronteiras fechadas, elas passaram a se interessar mais pelos artistas brasileiros, a comprar seu trabalho, pesquisar sobre a vida desse artista. Parte do mercado de arte conseguiu se virar bem, se manter. E, para nós, eu não posso reclamar. Eu fiz a maior exposição de arte, acho que, do mundo, no ano passado.
Exatamente. Como surgiu a ideia da exposição drive-thru e das mostras online?
Foi tudo muito rápido. Quando começou o caos da pandemia, em março do ano passado, eu fui até a galeria andando e vi tudo fechado na Oscar Freire, gente colocando madeira nas vitrines, tudo muito triste, ninguém na rua. Final de tarde, parecia o apocalipse mesmo. Aí me veio o start, no primeiro momento, de fazer projeções nas vitrines daquelas lojas e deixar aquilo rodando. As pessoas passariam de carro e, de alguma forma, as projeções mudariam aquela sensação de vazio. Quando voltei para casa, fiquei com aquilo na cabeça. Quando foi duas horas da manhã mandei mensagem para o pessoal da Arca, que é um espaço imenso, falando da ideia de fazer uma exposição drive-thru. Eles gostaram e em dois dias consegui viabilizar o projeto inteiro. Em 15 dias, a gente abriu a exposição.
Você acha que o brasileiro sabe dar o devido valor à arte?
Está aumentando essa conscientização, as pessoas estão tendo mais acesso. Muita gente foi no drive-thru pelo passeio de carro, mas se 1% dessas pessoas anotaram o nome de um artista, colocaram o nome dele no Google, foram pesquisar algo, já serviu para plantar uma sementinha. Quando a pessoa vê, está imersa na arte. O grafite faz um pouco disso, ele é democrático. A arte tinha que ser inserida na educação, na escola.
Por Cibele Carbone
Fotos Daniel Cancini