Você piscou e a internet virou um grande baú de memórias. A música que está bombando no TikTok veio direto de um CD da sua mãe. O tênis da sua infância agora custa R$ 800. E a série nova é, na real, uma reedição da que passava na TV aberta. Não é só coincidência. É tendência! E por trás dessa volta ao passado, tem algo muito atual: estamos cansados. Exaustos de tanta coisa mudando, de tanta promessa de inovação, de tanta demanda por se reinventar. E, como sempre, o mercado responde ao nosso cansaço com uma coisa que a gente reconhece de longe: afeto.
Não é a primeira vez que isso acontece. Em tempos de crise, a cultura sempre deu um jeito de olhar pra trás. Mas agora é diferente. Porque o passado não está só sendo lembrado, ele está sendo formatado, remixado, embalado e vendido. A nostalgia virou linguagem visual, posicionamento de marca e ferramenta de influência. E não é à toa. Ela entrega o que poucas coisas ainda conseguem: sensação de segurança em um mundo que parece desmoronar toda semana.
Segundo a WGSN, uma das maiores consultorias de tendência do mundo, essa busca tem nome: comfort core. Uma resposta direta ao estresse crônico global e à aceleração das mudanças tecnológicas. Quando o presente exige demais, a gente busca o que já conhece. E a nostalgia entrega isso, familiaridade, segurança emocional, afeto compartilhado.
E os dados confirmam: a hashtag #nostalgia já ultrapassa 22 bilhões de visualizações no TikTok. O termo “anos 90” cresceu 160% em buscas no Brasil nos últimos 5 anos, segundo o Google Trends. No Spotify, playlists com a palavra “nostalgia” cresceram 145% nos últimos três anos. E adivinha quem está liderando esse consumo? A Geração Z.
Uma geração que sente saudade do que não viveu e transforma essa saudade em linguagem, em referência estética, em comportamento. É a estética da saudade daquilo que você nem viveu, mas que parece mais confiável do que o caos do agora.
Se antes as redes sociais eram vitrines do novo, hoje são coleções afetivas do que já foi. E o que isso diz sobre a gente? Que estamos buscando menos novidades e mais familiaridade. Menos surpresa e mais conforto. Marcas que entenderam isso pararam de correr atrás de tendências passageiras e começaram a construir pontos de contato emocionais com seus públicos. Estão relançando sabores antigos, reeditando campanhas clássicas, apostando em formatos retrô e, principalmente, falando com um tom que soa menos vendedor e mais lembrança.
A diferença é que agora quem consome também cria. E a nostalgia não é só visual. Ela é vivida. Está nas playlists com cheiro de infância, nos vídeos que imitam VHS, nos remakes de novelas, no retorno das revistas impressas e dos vinis e também na estética dos programas populares que antes eram motivo de piada e agora viraram cult. A cultura da influência entendeu que o algoritmo gosta do que é reconhecível. E que aquilo que nos emocionou uma vez, pode engajar de novo, mas só se for bem contado.
Essa nostalgia tem se manifestado em formatos que pareciam ultrapassados, mas estão voltando com força e significado. A televisão aberta está sendo redescoberta pelas novas gerações, com programas como Casos de Família voltando ao centro das conversas como se fossem novidade. O que antes era considerado brega virou estética e conforto. O que era rejeitado como “popular demais” agora é celebrado como conteúdo de afeto coletivo.
Na música isso fica cada vez mais evidente. Ritmos dos anos 70 e 80 estão voltando com força. No TikTok, funks remixados com batidas retrô estão embalando as danças do momento, enquanto samples antigos aparecem com frequência em lançamentos atuais. Na moda, botas, gloss, acessórios de cabelo e muito brilho dominam os vídeos de looks que acumulam milhares de likes nas plataformas.
Até as revistas impressas, que pareciam enterradas pela lógica digital, estão voltando com força e propósito. Não é só nostalgia. É experiência. É materialidade. É pausa num mundo que só corre. A revista voltou como símbolo, de memória, de afeto e de permanência.
A estética lo-fi, o glitch, os filtros granulados, os vídeos caseiros… tudo isso virou estratégia de linguagem para marcas que entenderam que a perfeição já cansou. Que a alta definição não significa proximidade. E que o que engaja, hoje, é aquilo que soa possível, afetivo, familiar.
Mas é claro que nem tudo são flores ou filtros vintage. Usar nostalgia como estratégia exige cuidado. Porque a linha entre o autêntico e o forçado nunca foi tão tênue. E o público de hoje não perdoa uma marca que tenta parecer emocional só pra vender mais. O que conecta não é a referência. É a verdade por trás dela. É quando o resgate do passado faz sentido com a identidade da marca, com a conversa atual e com o desejo de quem está do outro lado da tela.
O desafio, então, não é só saber o que resgatar. É entender por que resgatar. Porque a nostalgia não pode ser só uma estética bonita com trilha sonora de rádio antiga. Ela precisa ter intenção. Precisa tocar quem vê. Precisa entregar algo além da lembrança, seja uma ideia, um posicionamento ou uma nova forma de criar vínculo.
Na comunicação, a gente tem olhado pra isso com cada vez mais atenção. Porque, no fim, a tendência não é sobre o passado. É sobre o que ele desperta no presente. E isso muda tudo: da escolha de cor ao jeito de escrever legenda. Das referências visuais ao que a marca escolhe dizer (ou não dizer).
No fim das contas, o que a gente está vivendo não é uma simples onda retrô. É um movimento afetivo. Um jeito de procurar segurança num tempo que vive mudando de assunto. E tá tudo bem sentir saudade. Tá tudo bem querer voltar pra alguma coisa que fez sentido. E talvez, no meio de tanta mudança, seja justamente isso que a gente mais precisa agora.
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ILUSTRAÇÕES: Agência Alma
*Esse texto, em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões a partir da interpretação de fatos e dados coletados, é de responsabilidade integral do mesmo. O artigo não reflete, necessariamente, a opinião da GoWhere.