Marcas chinesas agitam o mercado automotivo no Brasil

As estradas brasileiras estão prestes a ganhar novos viajantes. Se antes os carros chineses eram vistos com desconfiança, agora aceleram sem medo, conquistando espaço e mudando a paisagem do setor automotivo. Marcas como BYD e GWM abriram caminho, quebrando barreiras e transformando resistência em aceitação. Mas, em 2025, esse movimento promete ter um impacto ainda maior com a chegada de um novo pelotão: Geely, GAC, Riddara, Zeekr, Leapmotor, Xpeng, GM, Polestar, entre outras. Com promessas de inovação e preços competitivos, essas montadoras asiáticas querem mais do que um lugar na garagem — buscam um lugar definitivo no coração do brasileiro. Desde que chegaram ao Brasil, BYD e GWM atraíram consumidores ao oferecer veículos com itens sofisticados e preços mais acessíveis. Em 2024, o mercado de eletrificados no Brasil já mostrava um crescimento expressivo: foram vendidos 177.358 carros elétricos e híbridos, um aumento de 89% em relação ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). E é esse crescimento que impulsiona o investimento de novas marcas no país. Para o especialista no setor automotivo, David Wong, sócio da consultoria Alvarez & Marsal, a chegada dessas novas empresas pode movimentar o setor de maneira ampla, atingindo desde modelos compactos, como concorrentes do BYD Dolphin Mini, até veículos de luxo. “A estratégia de vendas e o modelo de distribuição serão determinantes para o sucesso dessas marcas”, afirma Wong.
Milad Kalume Neto, consultor independente do setor automotivo, comenta que a China já se consolidou como potência global no setor. “Há décadas, o país percebeu que não conseguiria competir diretamente com fabricantes tradicionais e decidiu investir pesado em eletrificação e baterias. Hoje, a China domina não só a tecnologia, mas também a cadeia de suprimentos desses veículos”, diz Kalume.

FOTO: Divulgação Xpeng
Pressão Sobre as Tradicionais
Com a filosofia chinesa de produção em larga escala e margens mais curtas, as novas marcas chinesas devem pressionar as montadoras já estabelecidas no Brasil a reverem suas políticas de preços e estratégias comerciais. No entanto, Wong acredita que a faixa premium não sofrerá impactos imediatos, a menos que os chineses adotem uma estratégia agressiva de preços. No segmento de entrada, os efeitos podem ser mais evidentes, considerando que a BYD já pressionou concorrentes como o Renault Kwid e o Caoa Chery iCar em sua chegada ao Brasil. A preocupação também atinge a indústria nacional. No curto prazo, a produção local não deve ser diretamente ameaçada, pois o Brasil favorece híbridos e o uso de etanol. Contudo, no longo prazo, se a indústria nacional não se adaptar às novas tecnologias, pode perder relevância. “Montar veículos com peças importadas é fácil. O desafio real é produzir essas peças aqui”, alerta Wong.
Infraestrutura e Novos Investimentos
O aumento de carros eletrificados levanta questões sobre infraestrutura de abastecimento. Atualmente, o Brasil possui pouco menos de 11 mil carregadores públicos e semipúblicos, número ainda insuficiente para a demanda crescente. Kalume Neto vê avanços, mas afirma que o ritmo de expansão ainda é lento. “Comparado à Europa, o Brasil está anos atrás. Mesmo em regiões mais desenvolvidas, como Sul e Sudeste, a oferta de carregadores ainda é limitada”, analisa o especialista. Além de infraestrutura, há expectativas de novos investimentos industriais. A GAC já prospecta terrenos para instalação de uma fábrica no Brasil, enquanto Omoda e Jaecoo planejam retomar a planta da Chery em Jacareí (SP). Wong pondera que abrir novas fábricas depende de uma estratégia de longo prazo. “Com capacidade ociosa em fábricas do Brasil e da Argentina, pode não fazer sentido imediato investir em novas unidades. Mas, conforme o mercado cresce, isso pode mudar nos próximos anos”, explica.

FOTO: Divulgação Polestar
Brasil como Hub Exportador
Devido à sua localização e tamanho, o Brasil é um dos poucos mercados emergentes relevantes para as montadoras chinesas. Com restrições impostas por Estados Unidos e União Europeia, fabricantes asiáticos voltam seus esforços para países como Brasil, Rússia e Austrália. No entanto, segundo Wong, a possibilidade do Brasil se tornar um hub exportador desses veículos é limitada. “Para exportar com competitividade, precisaríamos dominar a tecnologia e reduzir custos de produção. No momento, montar a partir de peças importadas não é suficiente”, avalia. Ainda assim, há espaço para exportação dentro do Mercosul. Caso o acordo entre Mercosul e União Europeia avance, as montadoras podem aproveitar alíquotas reduzidas para exportar veículos brasileiros ao bloco europeu. Mas, como destaca Kalume, o cenário ainda depende de fatores políticos e econômicos.
Novos Modelos e Estratégias
A gigante Geely – dona da Volvo Cars, entre outras marcas – retorna ao Brasil com foco em veículos elétricos e híbridos sofisticados, apostando em um portfólio mais alinhado às demandas atuais. Já a GAC Motor anunciou sete lançamentos, incluindo híbridos e elétricos, além de um motor híbrido flex desenvolvido para o Brasil. A Omoda/Jaecoo, parte do grupo Chery, aposta em SUVs eletrificados. A Riddara quer explorar o segmento de picapes elétricas, enquanto a Zeekr foca em veículos premium. A Leapmotor, que firmou parceria com a Stellantis, pretende oferecer SUVs elétricos de porte médio. A Xpeng, conhecida por sua tecnologia avançada, avalia a importação do SUV G6 e do sedã P5 para o Brasil. Já a Polestar chega como uma opção esportiva e eletrificada para o segmento de luxo. Com a crescente presença das marcas chinesas, fabricantes tradicionais se movimentam para não perder espaço. A General Motors, por exemplo, pode usar a joint venture Baojun para lançar modelos elétricos mais acessíveis no Brasil. Ao mesmo tempo, empresas como Volkswagen e Stellantis buscam fortalecer parcerias com fabricantes do gigante asiático. O sinal de alerta foi ligado na Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que alertou para o impacto das importações no setor. A participação da China no total de veículos importados pelo Brasil saltou de 10% em 2023 para 26% em 2024. A Anfavea defende a elevação do imposto de importação para 35% para estimular a produção nacional. Atualmente, a alíquota de importação de elétricos está em 18%, com progressão anual para 25% em julho deste ano e 35% para julho de 2026. No caso dos híbridos, a alíquota está em 25%, agora, vai a 30% em julho, e alcança 35% em 2026.
Para os consumidores finais, a produção local não significa necessariamente preços mais baixos. Os especialistas indicam que os custos iniciais de instalação das montadoras podem manter os valores elevados. Hoje, um BYD Dolphin Mini parte de R$115 mil, enquanto o Song Plus híbrido começa em R$299 mil. Por outro lado, a concorrência crescente pode acelerar reduções de preço no médio prazo. “A BYD já conseguiu baixar preços com aumento de produção. Outras marcas seguirão o mesmo caminho”, afirma Kalume Neto. Diante desse cenário, 2025 promete ser um ano de transformações para o setor automotivo brasileiro. Com a ofensiva das montadoras chinesas, a disputa pelo consumidor se intensifica, trazendo desafios e oportunidades para o mercado nacional.

FOTO: Divulgação BYD
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POR: Allan Ravagnani
FOTOS: Divulgação