Luisa Mell: tempo de despertar
Marina Zatz de Camargo, mais conhecida pelo nome artístico Luisa Mell, é muito mais do que uma atriz, apresentadora, escritora e ferrenha defensora dos animais. Ela transcendeu e virou uma ativista não só contra os maus tratos aos animais, mas também ao planeta que, segundo ela, tem cerca de dez anos antes que o caos seja irreversível. Atualmente, ela preside o Instituto Luisa Mell – ONG que fundou e mantém, por meio de doações, três abrigos para recuperação e adoção de animais abandonados – e está construindo um “santuário” onde pretende acolher todo tipo de animal que tenha sofrido dano ou abandono. Como ativista, sua luta é conscientizar as pessoas sobre a crueldade com os animais e do consumo de carne e subprodutos – ela é vegana militante – e da necessidade de promover ações imediatas de sustentabilidade. Para ela, seu papel é influenciar e educar o maior número de pessoas para que essa massa desperte e pressione as autoridades para que façam algo urgente pela vida no planeta. E inclusive pela nossa!
Quem é a Luisa Mell?
Nossa, isso é profundo! Mas vamos começar com o presente. Eu sou presidente do Instituto Luisa Mell, que é uma ONG que defende o meio ambiente e resgata animais que são abandonados, sofreram maus tratos ou são vítimas de algum acidente natural. Temos um hospital que cuida da parte física e emocional. Quando o animal está pronto, a gente coloca para adoção. Cães, gatos e cavalos. Mas estamos construindo um santuário para resgatar todos os tipos de animais.
E a Luisa dos primórdios?
Desde criança eu gostava de palco, de representar, da Xuxa… E comecei a fazer teatro com 13 anos no Macunaíma, depois com o Zé Celso. Fiz algumas coisas como atriz antes de virar apresentadora de TV. Ainda como Marina, que é o meu nome. Foi na Rede TV! que me tornei a Luisa Mell.
De onde surgiu esse nome?
Eu fui convidada para fazer o programa Noite Afora, que ninguém sabia se ia dar certo. Então decidi usar um nome artístico. Usei o Luisa em homenagem à minha avó, que havia falecido atropelada – o que me traumatizou muito – e Mell, que é o meu apelido de infância porque eu vendia pão de mel no Bom Retiro. Estreei no programa com a Monique Evans, fiquei um tempo, depois fui para o TV Fama!, com o Nelson Rubens. E depois para o Late Show.
Você foi meio que pioneira nesse segmento, não?
Sim. No começo era difícil para as pessoas entenderem que a gente queria ser a voz dos animais. Eles queriam colocar um macaco vestido no palco, gravar no Sea World… Não era nada disso! Eu queria fazer o contrário! Mas eu era muito jovem. E quando fui fazer a primeira reportagem no Centro de Controle de Zoonoses, a “carrocinha”, eu fiquei muito chocada. Depois de três dias, se ninguém reclama, os animais recolhidos são sacrificados. Existem umas celas tipo corredor da morte. E os cachorros fazem um xixi com cheiro que eles demostram o medo. Então os outros sabem o que está acontecendo. Naquele momento, vi que precisava fazer algo por aqueles animais que foram condenados só porque não tinham dono. Naquele dia eu não salvei nenhum. Mas jurei com todas as minhas forças que eu ia lutar por eles.
Você conseguiu mudar isso?
Em 2008 consegui mudar a lei no Estado de São Paulo, na gestão do governador José Serra. Mas ali também percebi que a luta era muito, mas muito maior. E conforme fui fazendo o programa, as coisas foram ficando mais sérias. As pessoas me viam chorando e se comovendo também iam vendo os horrores que eram praticados contra os animais. Fui a primeira a mostrar os bastidores do circo, por exemplo. Tem a parte boa, porque fui precursora, obviamente, mas quem vai na frente sempre leva as flechadas. Apanhei de todas as maneiras de gente que não queria que eu revelasse o que acontecia com os animais. Daí eu fui, naturalmente, me tornando uma ativista.
Foi quando você teve a ideia de montar o Instituto?
Não. Demorou um pouquinho. Formalmente, o Instituto só nasceu em 2015. O que aconteceu foi que o Late Show acabou de repente, em 2008, e muitas pessoas ficavam me procurando desesperadas para denunciar isso ou aquilo. Depois disso fiquei um tempo meio perdida. Daí vieram as mídias sociais. Quando entrei no Facebook, o mundo inteiro veio me pedir ajuda. Eu ficava deprimida porque não podia ajudar. Mas percebi que poderia usar o poder das mídias sociais para fazer alguma coisa. Eu formei um grupo chamado Emergência Animal e comecei a resgatar animais abandonados. Passei a ter uma repercussão enorme na internet.
Foi quando aconteceu o episódio do resgate dos beagles do Instituto Royal?
Esse episódio, em 2013, foi um divisor de águas. Os beagles eram usados para testes de produtos cosméticos e farmacêuticos. A repercussão foi imensa. Foi um momento importante também para eu me tornar uma ativista não só dos animais abandonados, sou muito mais do que isso. Cada animal que salvo vale muito. Cada vida é sagrada. Como ativista, consigo transformações mais efetivas. O episódio dos Beagles mudou tudo. Da noite para o dia o país inteiro mobilizado a favor desses animais. Eu percebi o quanto uma ação é importante para o ativismo. As pessoas passaram a questionar as empresas de cosméticos se elas usavam animais para testes. Hoje, todas as grandes marcas colocam na embalagem que não fazem testes em animais.
As empresas aderiram mesmo a essa prática?
Sim. Virou um valor para as empresas. É sempre assim. No começo, elas querem me matar! Tentam me desacreditar. Mas as pessoas vão descobrindo, se conscientizando e chega uma hora em que não sou mais eu. É a sociedade pressionando. E a empresa entende que isso é um valor importante. Quem manda no mundo hoje é o consumidor.
Você não come nada derivado de animais e nem usa couro, certo?
Sou totalmente vegana. A carne eu já tinha tirado desde menina. Não tem diferença entre o boi e o cachorro. As pessoas têm pena dos cachorros, mas comem carne! O meu papel é conseguir despertar nelas esse mesmo sentimento. É difícil, eu lido com os paradigmas da sociedade. Já o couro eu tirei antes de virar totalmente vegana. Não tenho uma peça de couro, nem de lã no meu guarda-roupa.
E como é a sua relação com a família e as pessoas próximas? Você as incentiva a virarem veganas?
Na alimentação, minha família é quase totalmente vegana. Mas trocar as roupas de um armário é difícil, é caro. É preciso mudar não só por compaixão pelos animais, mas também pelo meio ambiente.
E socialmente: como você lida em eventos, restaurantes, reuniões, sendo vegana?
Eu não vou em churrasco de jeito nenhum, me faz muito mal só de ver. Em muitos eventos não consigo comer nada porque, praticamente, em tudo tem produtos de origem animal. Eu me acostumei a comer em casa antes de sair.
Aqui em São Paulo já tem muito restaurante vegano e mercados especializados, mas em cidades menores não. Tem uma questão cultural, mas também de mercado?
As grandes empresas já estão de olho nesse mercado. Já tem marcas que lançaram linhas veganas. Hoje em dia está bem mais acessível.
Você tem um perfil no Instagram com quase 4 milhões de seguidores, tem um Instituto, fala com políticos e empresários… Enfim, você tem consciência do tamanho da sua responsabilidade como influenciadora?
O ativismo é isso. Eu só consigo ir para Brasília e tentar falar com alguém para aprovar leis porque o público está comigo. Eu sou só a frente, tem todo um exército do bem atrás de mim. Não adianta também eu falar com uma empresa. As pessoas também têm que ligar, mandar mensagem. Eu tenho só que puxar. Estou sempre defendendo o mais fraco, que é o bicho, que não pode se defender.
E te consultam bastante sobre o tema?
Bastante! Tem muita gente que me liga antes de soltar um projeto para saber o que acho. Eu explico e as pessoas se espantam porque nunca pensaram com esse viés. Eu fico feliz em saber que não deixo o mal acontecer. É um poder e uma responsabilidade.
Você considera que o seu ativismo está dando resultados?
Sim. As pessoas estão falando mais no assunto. Mas pela gravidade da situação que a gente está, parece muito pouco. Nós só temos 10 anos para salvar esse planeta. E a gente não está fazendo isso. Muito pelo contrário. Estamos com uma destruição na Amazônia sem precedentes. Eu sei que a gente precisa comer, trabalhar, mas esse não é o caminho. As pessoas precisam tentar. Eu tenho filho pequeno e que mundo eu vou deixar para ele? Eu tenho uma voz, mas não é suficiente. Me sinto meio fracassada. Vejo que mudei, certamente, o conceito de adoção de cães e gatos. Mas é pouco ainda.
Tem muita gente que compra ou adota um cachorro e depois de um tempo descobre que dá trabalho, que tem que cuidar, dá despesa, e o abandona. Isso ainda acontece muito?
Muito! Lá no Instituto a gente até aceita os cachorros de volta se não dá certo a adoção. É melhor do que ele voltar para a rua. Mas o que a gente vê é desesperador. A pessoa se separa e abandona o cachorro. O pobrezinho quando é filhote é bonitinho, mas depois que cresce ele é descartado. São várias as situações, mas todas assustadoras e tristes! A pessoa acha que alguém vai acabar cuidando, mas a maioria vai parar em um abrigo. Eu tenho um abrigo muito decente, mas a maioria não é.
Explica melhor: como é um abrigo?
Vou falar do meu porque consegui atingir um nível diferente dos demais. Nós somos uma ONG com a visão de lutar pelo bem estar deles. E também estendemos esse cuidado aos nossos funcionários porque achamos que também devemos ajudar as pessoas. Temos ex-presidiários, ex-drogados, que se recuperaram totalmente. Eu confio 100% neles. A gente capacita, ensina a eles a adestrar, mas com amor. Tem área de soltura, de passeio, mas, mesmo assim, é um presídio. Aquilo não é vida para um cachorro. É para ser temporário, até o animal se recuperar para ser adotado.
De onde vem os recursos para manter tudo isso funcionando?
Tudo vem de doações. A gente também tem uma loja de produtos variados, faz rifas de celular e outras coisas de maior valor que complementam para a gente se manter. Mas o gasto é um absurdo. Tem vezes que começo o mês já desesperada porque vejo que não vai dar.
Eu percebo que essa nova geração é mais simpática à ideia de adoção. Você concorda?
Sim. Eles são mais a favor da diversidade. Os mais velhos querem ter os cachorros de raça. Essa nova geração é mais aberta… Eu lancei um livro infantil, Se os bichos falassem – Austrália, comecei a fazer tardes de autógrafos e aparecia uma garotada. Eu fui descoberta por essa garotada. Aí as mães desesperadas vinham falar comigo que a filha parou de comer carne e mudou os hábitos da casa inteira! Que coisa mais linda!
Vem aí uma nova ordem mundial?
Eu tenho certeza absoluta. Conversa com o meu filho, de seis anos. Você não acredita! Ele tem uma compreensão diferente já das coisas. Porém, que planeta eles vão encontrar? Eles vão ter de reconstruir o planeta. A gente só tem dez anos para salvar o planeta e estamos fazendo tudo ao contrário.
O caminho é apostar na educação dessa nova geração?
Sim. Eu acabei de lançar um livro infantil, o primeiro de uma série de quatro sobre aquecimento global. A gente precisa formar uma geração diferente. A gente tem que educá-los. Compaixão, solidariedade, um olhar para o outro. Isso a gente ensina. Depois que comecei a trabalhar com animais, fiquei muito mais legal com as pessoas. Dizem que gosto mais de animais do que de gente. Não é verdade! Eu passei a gostar mais das pessoas porque você treina o seu olhar para ser mais solidária, para entender mais a dor do outro.
Também quer trilhar um caminho nas esferas superiores, nas políticas públicas?
Sim, claro! Eu sempre trabalhei tentando mudar as leis e conversando com os administradores públicos. Política pública é muito importante. A Holanda, por exemplo, é o único país do mundo que acabou com os cães de rua. Estabeleceram multas pesadas pelo abandono, criaram dificuldades imensas para quem deseja comprar um cão e campanhas enormes de castração. Isso é fundamental. Eu consegui, em 2017, que o Temer aprovasse uma lei de política pública de castração. Mas tiraram dois artigos, não estipularam de onde vem o dinheiro e aí ficou no meio do caminho. E agora com o governo Bolsonaro e esse ministro do meio ambiente as coisas ficaram impossíveis.
Você conhece o ministro Ricardo Salles?
Ele foi meu colega de faculdade! Quando ele assumiu, queria marcar uma audiência com ele por conta do desastre de Brumadinho. Estudei muito antes, tudo sobre as barragens, os tipos de barragem que tem no Brasil. Descobri que não é à toa que está acontecendo isso. Mas ele lembrou de mim e quis marcar comigo na casa dele, em um domingo à noite. Daí, eu não fui. O Ibama e o ICMBio acabaram… Um amigo que eu tinha lá, que o pessoal chamava de “Luisa Mell do Ibama”, por conta do cuidado com os animais, foi exonerado. A gente está vivendo um pesadelo.
Quais seus próximos passos?
Como todos os brasileiros, estou retomando as atividades aos poucos. Ano passado foi uma loucura com o auge da pandemia, tudo fechado, meu filho sem escola, em casa. Acabei lendo e vendo uns vídeos e eu mesma o alfabetizei. Ele já está lendo! Tanto que os textos dos livros que escrevo conto para ele e vejo se funciona… Trabalhar com a educação infantil para mim é fundamental. O meu filho já nasceu vegano e ele não entende por que as pessoas comem os bichos. Também tive de trabalhar essa situação com ele porque não quero viver isolada numa montanha. Assim eu não vou salvar mais nenhum bicho. Eu tenho que chegar nas pessoas e despertá-las. E não é hostilizando porque elas usam sapatos de couro. Estou retomando as obras do santuário que tinham parado por conta da Covid e também porque as doações pararam. Esse é um sonho de vida.
O mundo tem jeito?
Estou lutando por ele. Sou uma pessoa que luta até o fim. Essa é a minha principal característica. Mesmo quando tudo parece perdido, que não vai dar, continuo lutando e, às vezes, consigo milagres! Eu vou lutar até morrer. Mas acho que ainda está em tempo de despertar.