Cura, espetáculo da Cia. Deborah Colker, chega aos palcos paulistanos
A coreógrafa Deborah Colker dedicou seu tempo, nos últimos anos, a buscar uma cura: a solução para a doença genética que seu neto tem, a epidermólise bolhosa. Da angústia pessoal nasceu o novo trabalho da Cia. Deborah Colker, o espetáculo Cura, que trata de ciência, fé, luta para superar e aceitar nossos limites, enfrentamento da discriminação e preconceito. A dramaturgia é do rabino Nilton Bonder e a trilha original é de Carlinhos Brown.
O espetáculo Cura faz temporada de 13 a 29 de maio no Teatro Sérgio Cardoso, equipamento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo e gerido pela Amigos da Arte, e todas as apresentações contarão com audiodescrição para deficientes visuais.
A coreógrafa concebeu o projeto em 2017, mas foi no ano seguinte, com a morte de Stephen Hawking, que encontrou o conceito. Embora acometido por uma doença degenerativa, a ELA (Esclerose lateral amiotrófica), o cientista britânico viveu até os 76 anos e se tornou um dos nomes mais importantes da história da física. Deborah percebeu que há outras formas de cura além das que a medicina possibilita.
“Quando foi diagnosticado, os médicos deram a Hawking três anos de vida. Ele viveu mais 50, criativos e iluminados. Entendi o que é a cura do que não tem cura”, conta Deborah Colker.
A estreia de Cura aconteceria em Londres, em 2020, mas a pandemia não permitiu. O adiamento deu ao espetáculo mais um ano de pesquisas, transformações e reflexões. “A pandemia me fez ter certeza de que não era apenas da doença física que eu queria falar. A cura que eu quero não se dá com vacina”, afirma a coreógrafa.
Há dores mostradas no palco, mas há esperança no final. Deborah diz que procurou preservar a alegria necessária à vida. Um ingrediente para isso foi a semana que passou em Moçambique durante a preparação, quando conheceu pessoas que não perdiam a vontade de viver, apesar das muitas dificuldades. “Fui procurar a cura e encontrei a alegria.”
Deborah incorporou ao espetáculo referências das três religiões monoteístas e elementos de culturas africanas, indígenas e orientais. Logo no início, conta-se a história de Obaluaê, orixá das doenças e das curas. “A ponte entre fé e ciência me ajudou muito. Fui experimentar o invisível, a sabedoria do invisível.”
Em uma cerimônia realizada quando da morte do seu pai, Deborah conheceu o rabino Nilton Bonder, autor de A alma imoral e muitos outros livros. Ao planejar Cura, decidiu convidá-lo para desenvolver a dramaturgia. Dentre tantas contribuições, ele ressaltou que “pedir é curar”, ideia que gerou uma cena. Também apontou que “a grande cura é a morte”, o que motivou uma coreografia com dois bailarinos dançando ao som de You want it darker, de Leonard Cohen.
“O espetáculo apresenta todos os recursos imunitários e humanitários em aliança pela cura. A ciência, a fé, a solidariedade e a ancestralidade são o coquetel de cura do que não tem cura. Concebido antes desta pandemia, o título não é um ‘conceito’, mas um grito!”, afirma Bonder.
Carlinhos Brown foi convidado, inicialmente, para compor apenas o tema de Obaluê. Acabou criando praticamente toda a trilha, inclusive a canção inicial, dos versos “Traga meu sorriso para dentro” e “Sou mais forte do que a minha dor”. “A música veio na minha cabeça logo depois da primeira conversa com Deborah. Eu pensei: Isso é um chamado, não é uma trilha normal. É um trabalho muito mais profundo do que ‘Carlinhos está fazendo uma trilha’”, diz o músico.
Ele canta em português, ioruba e até em aramaico. Os 14 bailarinos também cantam, em hebraico e em línguas africanas. É algo que acontece pela primeira vez nos 29 anos de história da companhia. Fundador da companhia ao lado de Deborah, o diretor executivo João Elias vê em “Cura” um passo ainda maior que o dado pela coreógrafa no trabalho anterior, “Cão sem plumas” (2017), baseado no poema de João Cabral de Melo Neto. “Quando começou a coreografar, Deborah era mais abstrata, formal. Depois, passou a contar histórias, aprimorar dramaturgias. Cão sem plumas já era um espetáculo visceral, emocionante. Cura é ainda mais, mostra um grande amadurecimento”, analisa João Elias.
Companheiro de Deborah em toda a trajetória, o cenógrafo e diretor de arte Gringo Cardia é outro que destaca a importância de “Cura” para a artista. “Ela era toda ciência. Passou por um crescimento espiritual. Foi conversar com Deus neste espetáculo.” Sua assinatura está nas duas rampas que dão aos movimentos dos bailarinos a sensação de desequilíbrio. E está nas caixas que, entre várias funções, formam um muro. “O muro passa a imagem de um grande obstáculo, mas ele se divide em vários pedaços. Então, é possível atravessá-lo. É como a gente faz nas nossas vidas”, diz Gringo.
Nos figurinos de Claudia Kopke, as pernas podem ter estilos bem diferentes, traduzindo o desequilíbrio que é um dos nortes do espetáculo. “Os bailarinos têm as cabeças cobertas, usam balaclavas, mas o final é dourado, de alegria”, explica. O iluminador Maneco Quinderé também criou uma luz fragmentada, como sugerem as ideias de Cura. O final tem brilho, indicando renascimento.
Cura | Cia. Deborah Colker
Temporada: 13 a 29 de maio de 2022
Quarta a sábado, 20h30. Domingo, 17h
Local: Teatro Sérgio Cardoso – Sala Nydia Lícia
Endereço: Rua Rui Barbosa, 153 – Bela Vista – São Paulo
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FOTOS: Divulgação/Leo Aversa