Conheça os alfaiates que vestem os poderosos
Se há bem pouco tempo os alfaiates eram aqueles senhorzinhos de cabelos brancos, com fita métrica no pescoço, hoje isso mudou bastante. Atualmente, esses profissionais são modernos, bem preparados com cursos na Itália – epicentro da moda do mundo da alfaiataria, trabalham apenas com materiais nobres importados, comandam equipes multifuncionais e atendem só com hora marcada em ateliers luxuosos que mais parecem um lounge vip. Conheça, a seguir, os principais nomes da alfaiataria paulistana.
Por Leonardo Millen
Pedro Corulla: Técnica e criatividade
Ele entrou cedo no mundo da moda. Teve seu primeiro contato na Gledson, marca vanguardista famosa nos anos 1970. Também é apaixonado por surf, yoga e motocicletas. Seus gostos, somados à sua ousadia, o fizeram empreender e criar a marca Zona de Risco, com lojas em ruas e shoppings da Grande São Paulo. Após sentir os efeitos da volatilidade da economia, Pedro Corulla foi forçado a recomeçar do zero e deu início à sua produção básica de costumes e ternos. Com a abertura comercial da importação nos anos 1990, foi novamente forçado a se reinventar e começou a produzir peças para grandes marcas nacionais (majoritariamente femininas), e, paralelamente, desenvolvia um sob medida para si próprio e amigos. Para dar vasão a sua personalidade e criatividade, se aprimorou e deu início à confecção do sob medida, onde se fixou e ganhou fama. Hoje, possui um ateliê de 400 m2 na Vila Nova Conceição, onde faz o atendimento personalizado do sob medida e conta com a produção de duas linhas: a prêt-à-porter, de peças sociais disponíveis à pronta entrega, e a “casual”, com itens mais despojados para o dia a dia. “O sob medida entende a presença do cliente, decifra seu corpo”, pondera. A partir de suas criações e consultoria, sugere combinações e projeta a estética visual inteira baseada no lifestyle do cliente, que passa a compreender a necessidade de uma apresentação alinhada à sua autoestima. “A moda não é estática, é flexível e versátil. Ter a oportunidade de criar algo feito especialmente para você permite brincar com as variações e se apresentar de forma mais consistente”, finaliza.
Camargo: Paixão pela moda
Desde pequeno, Camargo sempre escolheu as suas próprias roupas. Seu pai trabalhava em uma loja de multimarcas de luxo que vendia ternos Pierre Cardin, onde ele foi trabalhar com o pai como estoquista e acabou fazendo amizade com os alfaiates. Em meados dos anos 1980, seguiu sua vocação e foi trabalhar na Bruno Minelli, uma das poucas lojas que oferecia o serviço de alfaiataria no Brasil. Ficou lá por 17 anos. “Ali eu cresci muito. Descobri como fazer um ajuste perfeito para um costume.” Em 1992, foi trabalhar na Brooksfield e lá constatou que, sem dúvida, seu caminho era retornar à alfaiataria. Assim ele foi trabalhar nas lojas de Ricardo Almeida e ficou lá por três anos. Aproveitou para fazer um curso de tecnologia de modelagem porque sabia que precisava melhorar seus dons, até que, em 2005, ele abriu seu atelier. O sucesso foi tamanho que Camargo virou uma referência. Tanto que diversos alfaiates atuantes hoje em dia no mercado passaram por lá, como Fabrizio e Vasco, que fazem parte dessa reportagem. “Não tenho vaidade. Cada um tem uma maneira de ver, um tempero, uma ferramenta, uma forma de ver o mundo”, pondera. Quando perguntado qual é o seu diferencial, Camargo sorri e dispara: “Eu sou especialista em lifestyle de luxo. Meu cliente muda sua vida quando compra uma roupa que eu faço. Eu ensino a ele a usar o terno, ter um comportamento, uma elegância. A minha roupa é uma experiência”. Ele conta que acaba se tornando muito próximo de seus clientes. Camargo é faixa preta em jiu-jitsu e não é incomum levar seus clientes para lutar com ele ou indicar uma clínica de estética, um cabeleireiro e até um urologista, porque, para ele, a experiência e a modificação precisam ser completas. “Eles mudam de estilo de vida, ganham autoestima, se sentem felizes ao usar um terno que faço. Um cliente meu ia casar antes da pandemia e precisou adiar a cerimônia. Quando retornou descobriu que tinha engordado uns quilinhos. Ele ficou arrasado e pediu para voltar depois de alguns dias. Ele fez um regime forte e quando veio provar o terno descobriu que caiu perfeitamente, se emocionou. A minha roupa tem esse poder de encantamento”, conta.
Fabrizio Allur: Alfaiataria no DNA
Fabrizio Allur começou há 16 anos trabalhando nas lojas de Ricardo Almeida e se apaixonou pela alfaiataria. Saiu de lá e foi trabalhar com o mestre Camargo, durante quatro anos. Em 2009, partiu para voo solo e resolveu montar seu atelier. “A alfaiataria está no meu DNA. A minha roupa é diferenciada. Eu coloco identidade nas peças porque elas têm que combinar minha arte com a personalidade do cliente.” A alfaiataria de Fabrizio preza pelo uso de matéria-prima de alta qualidade – 90% dos tecidos são importados, principalmente da Itália – e todos seus costumes têm uma assinatura: o duplo caseado na lapela e o forro ou o aviamento colorido. Fora isso, ele enfatiza que respeita muito o gosto do cliente e que o objetivo é realizar exatamente o que o ele quer. “Ajudo na escolha do tecido, na combinação das peças, tal como um consultor de estilo.” Fabrizio faz questão de acompanhar a produção das peças do início ao fim. “Outra característica minha é que não sou vendedor. Não empurro nada para ninguém, muito menos insisto que o cliente faça um guarda-roupa inteiro. Vou fazendo as peças à medida que vai solicitando, e ele sempre volta para fazer outra encomenda.” Graças a essa atenção, muitos dos clientes de Fabrizio acabam se tornando seus amigos. “Eu só atendo com hora marcada para poder dar toda atenção possível para cada um. Quem entra no meu atelier entende que meu conceito é uma roupa personalizada, mas que respeita e tem a ver com um estilo de se vestir”, afirma.
Alexandre Won: Curadoria de estilo
Desde criança, Alexandre Won se interessou por moda por influência da sua mãe, que era costureira e estilista. Mas a paixão pela alfaiataria despertou quando ele se formou em Direito e descobriu que os ternos prontos não atendiam ao que estava buscando. Em uma última tentativa, mandou fazer um terno em um alfaiate conceituado e o costume voltou oito vezes para acertar. “Eu não sabia se era um problema meu ou se eles não conseguiam atender um cliente exigente. Daí eu vi que havia um espaço muito grande. Encarei fazer algumas peças para mim e para os amigos e foi dando resultado. Comecei a vender bem e acabei montando o meu atelier em 2007.” Alexandre enfatiza que todas as suas peças são artesanais e exclusivas. “Faço uma curadoria muito forte de técnica, conceito, modelagem… Me envolvo em todos os projetos e em todas as etapas. Tento buscar as melhores respostas dos melhores materiais para cada peça que o produzo”, afirma. Alexandre é convicto que o mercado de alfaiataria está em alta. “Quando comecei, tinha apenas uns dois ou três grandes alfaiates e umas duas ou três marcas internacionais. Eu introduzi o conceito Besopke – que faz a roupa do zero – no mercado brasileiro, que incentivou muitos profissionais a seguirem esse caminho”, revela. Todo o trabalho de Alexandre começa com uma entrevista na qual ele procura saber como é a vida do cliente, que momento está passando, quais seus gostos e suas expectativas. E ele acaba não só sugerindo uma peça, mas um conjunto de peças que venham a compor um estilo próprio. “Além de sugerir um guarda-roupa, nós ensinamos como usar as peças, em que momento, como combinar com as que ele já tem de outras marcas… Fazemos uma consultoria
de imagem.”
Vasco: Em busca do melhor
Ele trabalha com moda há 32 anos. Começou muito jovem, em lojas de roupas, mas sempre era requisitado para ajustar as peças e acabou se apaixonando pela alfaiataria. Em 1998, Vasco foi para o Rio de Janeiro para abrir a filial da Ermenegildo Zegna no Brasil. Foi a grande virada na sua vida. “Quando você conhece o melhor, começa a fazer o melhor.” Em 2012, passou seis meses na Sicília estudando e aprendendo a alfaiataria italiana de raiz e, quando voltou ao Brasil, montou seu próprio ateliê. Graças à sua expertise, Vasco fez muito sucesso e, atualmente, conta com 45 colaboradores que se envolvem em uma produção de todo tipo de roupa para o homem. “Meus ternos são absolutamente sob medida. O cliente pode escolher tudo: botões, tamanho da lapela, tipo de bolso, pesponto… tudo. Por isso, nenhum terno é igual ao outro.” A maioria dos ternos e roupas masculinas é feita com tecidos e acessórios importados da maior qualidade possível, como a linha de sapatos do português Carlos Santos, que ele afirma ser a melhor do mundo. “Atendo grandes empresários e CEOs que têm acesso aos melhores costumes do mundo, mas sabem que podem confiar no meu trabalho. Eu sou o ‘calcanhar de aquiles’ da Ferragamo no Brasil”, diz com orgulho. E ele pode se orgulhar. Aquele garoto de origem muito humilde, que saiu da zona rural de Alegrete, no Rio Grande do Sul, estudou, batalhou e chegou aonde está por méritos próprios e, principalmente, pela paixão pela alfaiataria.