Mais do que herança, o que define a força de uma família ou empresa é a qualidade da comunicação que atravessa o tempo, transformando sonhos em realidade. Há um poder imenso nas histórias que sobrevivem ao tempo, muitas vezes deixada de pais para filhos. Em um mundo que parece obcecado pelo novo e pelo instantâneo, são as sagas familiares, como muitas que vemos por aí, chamam a atenção. E uma em especial – a narrativa da família Dom Nandito, que nos lembram de uma verdade fundamental: o que somos hoje é um eco das vozes, dos sonhos e da coragem de quem veio antes de nós. Muitas vezes deixadas na memória da gastronomia, ou dos prédios gigantes que olhamos na Faria Lima. Essa percepção, que muitas vezes nos emociona sem que saibamos o porquê, não é apenas poesia. Ela tem uma base profunda na forma como nos constituímos como seres humanos.
Meus últimos anos foram de imersão na mente e vão de encontro com a psicologia social e terapia familiar, como os conduzidos por pesquisadores como Marshall Duke e Robyn Fivush, da Emory University, mostram que crianças que conhecem as narrativas de sua família, tanto os triunfos quanto as adversidades , demonstram níveis mais altos de resiliência e autoestima. A “narrativa intergeracional oscilante”, como eles a chamam, que inclui altos e baixos, cria uma identidade mais forte. Saber que os avós superaram dificuldades ou que os pais ousaram sonhar grande nos dá um mapa emocional, um senso de pertencimento a algo maior que nós mesmos.
É exatamente disso que falamos quando tocamos na palavra “legado”. Não se trata de uma herança material, mas de uma herança de significados. É o que pulsa nas veias. É a história que se conta à mesa do jantar e que, silenciosamente, transforma o que um dia foi apenas um sonho, um imaginário, em algo tão real que se pode tocar. É a receita da avó que vira um restaurante de sucesso; é a honestidade do pai que se torna o pilar da cultura de uma empresa.
No entanto, essa transmissão não é automática. A psicóloga Jean Twenge, especialista em diferenças geracionais, aponta que cada geração (Boomers, X, Millennials, Z) possui valores e formas de se comunicar distintas, moldados pelo contexto histórico em que cresceram. O grande desafio das famílias e das empresas familiares é criar pontes de diálogo que superem esses abismos. O avô que se comunica por cartas e a neta que se expressa por TikToks precisam encontrar um terreno comum, um espaço de escuta e respeito mútuo. E olha que falo isso, por experiência própria. Acompanhei todas as mudanças nas formas que nos comunicamos. Afinal estou ali entre a X, Millenials e Z.
É aí que a comunicação estratégica positiva se revela uma ferramenta poderosa e essencial. Ela não serve para evitar conflitos, que são naturais e até saudáveis, mas para navegá-los com empatia. É a habilidade de traduzir a sabedoria da experiência em uma linguagem que inspire a juventude, e de acolher a inovação dos mais novos sem que os mais velhos se sintam ameaçados. É criar um ambiente seguro onde todos sintam que sua voz importa para a construção do próximo capítulo da história. Talvez aquele cheirinho de pastel frito dos Verdascas pelos botecos não só de São Paulo, mas do Brasil, lembre aquele abraço fraterno que a cozinha insiste em nos comunicar. E o tal portuga, leva de geração a geração, aquele carinho que lembra a família.
A pergunta que fica para cada um de nós é: qual história estamos contando todos os dias com nossas atitudes? Que narrativa estamos construindo para aqueles que nos sucederão? Nosso legado não será definido pelo que acumulamos, mas pela qualidade das conexões que cultivamos e pela coragem com que vivemos nossos valores.
Afinal, a história que corre em nossas veias não é um roteiro fixo. É um convite constante para que, no presente, a gente se torne o autor consciente do futuro que desejamos deixar.
E essa é a obra mais importante de nossas vidas.
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