Com 35 anos de carreira, Kobra tem murais espalhados por mais de 40 países
Nascido na periferia de São Paulo, Eduardo Kobra, 49 anos, alcançou reconhecimento global como um dos artistas mais renomados da atualidade. Sua jornada artística começou como pichador na adolescência. Ao longo dos anos, Kobra desenvolveu seu estilo marcante de muralismo, caracterizado por cores vibrantes e contrastantes, e sua habilidade em retratar personalidades, fatos históricos e questões sociais em murais gigantescos. Com obras em cinco continentes, Kobra quebrou recordes de tamanho de murais, incluindo o maior mural grafitado do mundo. Seu trabalho ganhou visibilidade internacional, com destaque para a obra O Beijo, em Nova York. Além disso, ele recebeu convites de galerias, museus e organizações, incluindo a ONU, para exibir suas obras e participar de projetos de prestígio. Também se envolve em causas sociais, usando a arte como veículo para promover mudanças positivas. Seu Instituto Kobra busca aproximar a cultura a quem tem menos acesso e apoiar causas humanitárias, enquanto suas parcerias com empresas contribuem para viabilizar seus projetos públicos de grande escala. Sua trajetória é um exemplo inspirador de como a arte pode transcender fronteiras e causar impacto positivo no mundo. Especial para GoWhere Lifestyle, ele nos recebeu em seu ateliê, no Museu FAMA, em Itu, para uma conversa exclusiva.
Hoje você é talvez o muralista mais famoso do mundo. Mas já foi chamado de pichador no início. Como foi essa fase?
Quando comecei a grafitar no Jardim Martinica, no Campo Limpo, fazia tudo de forma ilegal, então corria da polícia, fui detido, passava risco de vida mesmo, porque você sai pela rua, escala prédio, faz todo tipo de loucura.
Da turma que pichava com você há outros artistas de sucesso?
Minha filosofia era a de me expressar artisticamente, nunca fui envolvido com crime, droga, sempre fui cara limpa. Queria pintar, era minha forma de me comunicar, mas muitos desses meus amigos eram envolvidos com crime. Alguns morreram, outros foram presos, seguir mesmo na arte foram poucos. Aqueles que tiveram a capacidade maior de renúncia a esses caminhos tortuosos e complicados estão aí até hoje.
Qual foi a virada de chave na sua vida?
A minha intenção sempre foi muito espontânea, orgânica, natural, pela arte mesmo. Nunca imaginei que fosse possível manter uma vida, uma casa, uma família pintando. Por quê? Porque eu não tinha contato com outros artistas, não tinha contato com galeria, com museu, com curador, não sabia de nada sobre isso. Então eu simplesmente saía, pintava pela rua. Mas comecei a receber pequenos convites para pintar, reproduzir obras nas casas, pintar escola, oficina mecânica, e fui aprendendo e me desenvolvendo, sou autodidata. Em 1992 recebi uma grande contratação do Playcenter e passei os próximos 10 anos trabalhando lá dentro do parque. Foi aí que consegui me estruturar um pouco. Já conseguia pagar meu aluguel, minhas contas, mas foi um começo bem complicado porque era muito remoto, eu não tinha em quem me inspirar. Eu sou o primeiro na geração da minha família, tanto de pai como de mãe, a me interessar por esse universo da arte, foi uma surpresa para os meus pais. E entendo a preocupação que eles tinham. Imagina o seu filho ali na rua, chegando de madrugada, mas sempre fui um cara muito resiliente, persistente.
Você não tinha, ainda, ideia de que podia vender sua arte?
Eu nunca foquei nessa questão da venda, de ganhar dinheiro, nunca pensei nisso. É uma consequência, fruto de um trabalho bem realizado e eu me encontrei ali. Hoje tenho a possibilidade de visitar o Brasil inteiro, o mundo inteiro, faço palestras, tenho essa possibilidade também de falar com pessoas das comunidades, pessoas mais simples, artistas, e é justamente esse ponto que eu coloco. Se foi possível para mim, é possível para qualquer um. Mas eu aviso: não é porque você é artista que vai ter aquele mundo de fantasia, é trabalho duro, perseverança, insistência. Trabalhei muito, sábado, domingo, feriado, sempre em busca, e é assim até hoje. Isso que abriu as portas.
Como você desenvolve um projeto a partir de uma encomenda?
Quando alguém me procura, sabe meu estilo, o que já criei, qual é a minha mensagem, minha linguagem, estética. Então tenho liberdade criativa, independentemente de quem está me convidando. Tenho recebido convites para fazer trabalhos no mundo todo. As pessoas me mandam as fotos, as medidas e faço uma imersão sobre a história do local e apresento sugestões. Estou fazendo muitas pinturas de prédios, tanto nos Estados Unidos, onde tenho cerca de 50 murais hoje, incluindo alguns importantes para a minha trajetória, como a fachada da ONU, na segunda torre do World Trade Center, Disney de Orlando, onde tenho um mural, são muitos bons projetos.
Como foi a história desse icônico mural do Ayrton Senna na Consolação?
Já fiz cerca de sete murais do Senna, como fã dele, da pessoa, dos princípios, dos valores, fez parte da minha juventude. Fiz um mural do Senna em Interlagos, no grid de largada, e em Ímola, na Itália. Esse da Consolação foi interessante pois eu havia recebido um contato da Audi, marca que veio ao Brasil via família do Senna. Eles me pediram pra pintar um carro, daí fiz uma sugestão, como sempre faço, pois preciso ter uma parceria legítima, quero fazer algo que faça sentido para mim, precisa ter esse equilíbrio. Fiz a proposta pra eles me apoiarem para fazer aquele mural do Senna na Consolação e, em troca, eu faria a pintura do carro que eles encomendaram.
E o seu time pra fazer tudo isso?
Hoje eu trabalho com uma galeria em Israel que está em 12 países, tem uma atuação forte nos Estados Unidos, tem cerca de sete galerias lá. Fazem a comercialização das minhas obras no mundo inteiro. Essa questão dos grandes murais é mais delicada, muito complexo pela parte burocrática, documentação. Hoje fazemos trabalhos em cerca de 30 países, daí imagina cuidar de toda essa burocracia, até porque cada país tem uma legislação. Temos uma equipe de 10 pessoas no escritório para cuidar disso. Mas, na produção, apenas duas pessoas trabalham comigo, o Aguinaldo e Marcos, pois é um trabalho personalíssimo.
Como foi o convite para pintar o mural Etnias, das Olimpíadas do Rio de Janeiro?
Para mim, a pintura é o mais secundário. O mais importante é o significado do que está sendo pintado. A mensagem, a criação. Esse foi um tema bacana porque fiz a conexão dos povos originários dos cinco continentes. Celebração do mundo todo que estava chegando ao Rio de Janeiro. Durou dois meses para ficar pronto, mas, de uma maneira geral, levo cerca de uma semana a 10 dias para pintar pequenos murais que faço pelo mundo. Recentemente, fiz um trabalho na Itália, em Vicenza, um prédio de 60 metros de altura. Levei duas semanas e foi sobre o grande jogador Paolo Rossi, que é de lá, e que jogou na seleção italiana de futebol.
Qual foi a obra que deu mais repercussão?
Eu tinha um desejo de pintar nos Estados Unidos, não por ser nos Estados Unidos, mas porque eu comecei a pintar por influência dos artistas de lá, da década de 70, em Nova York. Daí tive a oportunidade de ir para Nova York fazer o meu primeiro mural no High Line, parque suspenso, onde pintei o beijo do Martin Luther King. Foi o primeiro mural da Times Square. As pessoas paravam para acompanhar quando eu estava fazendo. E até interditou um trecho do High Line, de tanta gente que parava. A consequência é que o mural ficou entre os 10 pontos mais fotografados de Nova York. Hoje eu tenho mais de 20 murais lá. Mas aconteceu um fato: depois de um tempo, por conta da repercussão, a prefeitura resolveu tombar o lugar como patrimônio histórico e mandou uma documentação lá para o proprietário. Mas no mesmo dia que ele recebeu, apagou o mural, justamente para que o prédio não fosse tombado.
Você tem problemas de saúde pelo contato excessivo com as tintas?
Há muitos anos já eu lido com problemas de saúde por conta da intoxicação de metais pesados. Foi algo difícil de identificar, porque comecei a ter vários sintomas, problemas de saúde, digestivos, de insônia, de ansiedade, depressão e achava que era uma ocorrência do meu organismo. Mas através de alguns exames que fiz até mesmo nos Estados Unidos, a gente identificou toda a intoxicação de chumbo, alumínio e um monte de coisa que criou todo esse transtorno no sistema nervoso. E passei por episódios terríveis de saúde, realmente. Com depressão profunda, tomei vários remédios controlados, é um negócio absurdo. Hoje, não estou completamente curado, tenho sequelas, mas eu entendi uma forma de cuidar disso de uma maneira mais natural.
Como foi esse mural que você fez para as Olimpíadas de Paris?
Tive a oportunidade de pintar um mural na Vila Olímpica, numa área muito bacana. Aconteceu que fiz uma parceria com uma esgrimista chamada Nathalie Moellhausen, que vai representar o Brasil, pois pintei umas máscaras para ela competir, e depois ela organizou e viabilizou a pintura desse prédio lá na cidade. Foi a segunda vez que tive essa conexão com as olimpíadas.
FAMA Museu
Nova York, Paris, Rio de Janeiro, Abu Dhabi, Amsterdã, Tóquio e Borås são alguns lugares ao redor do mundo onde a arte de Eduardo Kobra pode ser admirada. Mas quem passar por Itu, no interior de São Paulo, pode conferir de perto não só uma, mas várias obras do artista brasileiro, conhecido pelos murais coloridos com traços inconfundíveis. Kobra decidiu abrir as portas de um de seus ateliês, que fica no FAMA Museu, ao público. O ambiente está disponível para visitação de quarta a domingo, das 11h às 17h, conforme a agenda de funcionamento do FAMA Museu. A entrada para o ateliê é gratuita. O projeto para adaptação do local contou com a colaboração e consultoria de Ricardo Samelli e da Buenavista. O FAMA Museu ocupa uma área de 25.000 m2 no centro histórico da cidade de Itu, interior de São Paulo, onde por muitos anos funcionou a Fábrica São Pedro. A antiga indústria têxtil transformou-se no FAMA Museu, instituição privada e sem fins lucrativos voltada para a arte, hoje um dos maiores museus privados da América Latina.
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POR Norberto Busto
FOTO DESTAQUE: Daniel Cancini
FOTOS: Daniel Cancini, Divulgação/ Alan Teixeira Fotografia- Me e Divulgação/ Tadeu Mafra