O advogado Thomas Law fala sobre os 50 anos das relações Brasil-China
Carismático, inteligente, influente e sempre em movimento, o Dr. Thomas Law fala especialmente para Go Where Business sobre advocacia, política e as oportunidades crescentes com o fortalecimento das relações diplomáticas e comerciais entre o Brasil e a China. Defensor da união entre a iniciativa privada, o setor público e as universidades, é um dos maiores promotores da implantação de iniciativas de smart cities no Brasil. Aos 42 anos, reúne diversos títulos, honrarias, reconhecimentos e publicações que atestam seu protagonismo em ações sociais, culturais e de inovação, além da promoção do aperfeiçoamento contínuo na área do Direito e da defesa da cidadania. Atualmente, é presidente da Coordenação Nacional das Relações Brasil e China do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CNR- BC/OAB), presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas (IBCJ), vice-presidente do Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico e Social (CEDES), presidente do Instituto Sociocultural Brasil China (Ibrachina) e do Ibrachina Smart City Council.
Muitas pessoas que veem sua atuação em notícias e eventos ficam em dúvida: você é chinês ou brasileiro?
Nasci e cresci em São Paulo, portanto, sou 100% brasileiro, assim como minha esposa e meus quatro filhos: Arthur, Sofia, Leonardo e Felipe. Minha cultura é brasileira, do futebol, esporte que amo, do carnaval e das amizades que cultivo desde a infância. Embora haja muito da cultura chinesa da minha criação familiar, sou filho de chineses que migraram para o Brasil. Isso me fez sempre ter contato e um grande carinho por esta cultura milenar, tão grandiosa, diversa e bela quanto a brasileira.
Como surgiu seu interesse pelo Direito?
Eu estudava no Colégio Americano Chapel, que tinha o programa “Dia das Profissões”. Um de meus colegas era filho do jurista Ricardo Lewandowski, atual Ministro da Justiça. Ele fez uma palestra em nossa escola. Depois disso, uma colega e eu fomos passar um dia no trabalho dele, ver como era a rotina. Assisti a uma sustentação oral e, naquele momento, decidi o que eu queria ser: advogado. Cursei direito na FAAP, depois fiz estágio no Ministério Público de São Paulo, na Defensoria Pública de São Paulo e na Procuradoria de Assistência Judiciária. Após a graduação, continuei os estudos com o mestrado em Direito das Relações Internacionais Econômicas pela PUC-SP, e o doutorado em Direito Comercial pela mesma universidade. Hoje faço o pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (USP/RP).
Como surgiu a ideia de escrever livros? Quantos já publicou e quais os temas?
Quando comecei meus estudos na área, percebi que o Direito é algo vivo. Está em constante aperfeiçoamento diante dos desafios que a própria sociedade enfrenta conforme se desenvolve, enquanto surgem novas questões cada vez mais complexas. Quero contribuir para esse debate e uma das formas de fazer isso é a produção acadêmica. Comecei a estudar e a publicar minhas pesquisas, algo que continuo fazendo até hoje. Meu primeiro livro foi “Inteligência imobiliária: a alta valorização do mercado brasileiro”, escrito em parceria com o Dr. Kleber Kuwabara. A obra oferece orientações valiosas para responder a questionamentos comuns no universo do investimento imobiliário. Depois, publiquei, pela Editora D’Plácido, minha dissertação e tese. “O Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras no Brasil”, trata de legislações internacionais e convenções sobre arbitragem comercial internacional, bem como o reconhecimento e execução dos laudos arbitrais. Posteriormente lancei “A Lei Geral de Proteção de Dados: uma Análise Comparada ao Novo Modelo Chinês”, que analisa o conceito de privacidade, de capitalismo de dados, Big Data, blockchain e a indústria 4.0. O livro também fala da evolução histórica da proteção de dados, do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) na Europa, da política de proteção de dados na China com base na Lei de Segurança Cibernética e seu Projeto de Lei de Proteção de Dados.
Além da dedicação pelos estudos acadêmicos, você tem uma atuação ativa nas entidades de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Como é esse trabalho?
A academia é uma maneira de contribuirmos para o aperfeiçoamento do Direito. Como profissional, sempre tive vontade de fazer mais para que nossa categoria ti- vesse melhores condições de exercer a advocacia. Esse é um trabalho constante, pois Direito é isso: defender que todos tenham acesso à ampla defesa e pleno exercício de sua cidadania. Por isso sempre fui engajado em entidades de classe, como a OAB. Em São Paulo, fui membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas. Era um trabalho de linha de frente, constante, em defesa das prerrogativas dos advogados, e um desafio permanente. Algo que acontece até hoje, pois temos de lutar diariamente. Depois, fui membro da Comissão de Direito Urbanístico, uma área que sempre me atraiu pelas possibilidades de melhoria da qualidade de vida das pessoas. Posteriormente, passei a atuar no Conselho Federal da OAB.
A sua atuação no Conselho Federal da OAB teve uma série de conquistas. O que você destacaria nesse período?
Sou presidente da Coordenação Nacional das Relações Brasil e China – CNRBC, que possui núcleos em diversos estados. Tivemos uma atuação constante, tanto de articulação na área do direito quanto humanitária. O período da pandemia foi particularmente desafiador, mas também de grandes conquistas, tudo graças à união das comissões estaduais formadas a partir do trabalho na CNRBC e à colaboração de diversas entidades públicas e privadas. Realizamos seminários, congressos e workshops nos estados onde os núcleos funcionam, ligados à OAB seccional. A maior ação foi a doação de um contêiner de oxigênio para Manaus, em parceria com a OAB do Amazonas, com a ajuda de empresas chinesas, da Polícia Rodoviária de São Paulo e da Força Aérea Brasileira, além do Ibrachina. Levamos oxigênio para o povo manauara no auge da crise de abastecimento, salvando muitas vidas. Foi um episódio emocionante, onde corremos contra o tempo e mostramos como é possível fazer grandes ações com o comprometimento de todos os envolvidos. Outra conquista foi o lançamento do livro “A Consolidação legal das relações entre Brasil & China”, uma coletânea de artigos reunidos pela OAB e a China Law Society, seu equivalente no país asiático. A obra faz parte da comemoração dos 50 anos das relações diplomáticas entre essas duas nações, celebrada em 2024. Posso dizer que atuo para ajudar no aperfeiçoamento do direito, na garantia da cidadania e, ao mesmo tempo, focando no desenvolvimento humano, na solidariedade, articulação e união, especialmente nos momentos mais difíceis.
Com a sua carreira acadêmica e atuação de destaque na OAB, é natural que você chame atenção no meio jurídico. Comenta-se que alguns advogados têm procurado você para disputar a presidência da OAB-SP. É verdade?
Já me procuraram e convidaram para pensarmos num grupo. Acredito muito na união dos advogados para realizar um trabalho que tenha esta missão, de promover o binômio da valorização da advocacia e do fortalecimento da cidadania. A OAB-SP é fundamental para o resgate e valorização da classe dos advogados e, consequentemente, ajudar na implementação de políticas públicas para o Estado de São Paulo. Obviamente, a força de São Paulo repercute no Brasil inteiro. Estou à disposição da classe da advocacia, que eu amo e escolhi fazer parte, para contribuir neste processo de inovação, transformação e desenvolvimento. Novos tempos exigem uma nova advocacia, honrando as tradições, mas capaz de responder rapidamente aos desafios de uma sociedade cada vez mais complexa e tecnológica. Isso inclui a preparação dos jovens advogados e a qualificação constante dos profissionais mais experimentados para as atualizações que o mercado demanda.
Você também é presidente do Ibrachina. Como surgiu a ideia do Instituto e quais seus objetivos?
A ideia de fundar o Instituto surgiu da união de ideias com professores universitários, que foram seus fundadores junto comigo, em 2018. Percebemos que havia uma lacuna dos conhecimentos jurídicos entre o Brasil e a China, nosso principal parceiro comercial há mais de uma década. A ideia era criar uma entidade para promover a integração cultural, social e jurídica entre os dois países. Foi a partir deste trabalho no Ibrachina que surgiu a Coordenação Nacional das Relações Brasil e China da OAB Nacional e tudo que ela realizou. Atualmente, o Ibrachina tem sede em São Paulo, com escritórios em Belo Horizonte e Brasília. Com o tempo, fomos ampliando nossa atuação para questões humanitárias e esportivas, inicialmente com o projeto Ibrachina Social. Essa iniciativa oferece aulas de futebol para meninos da Vila Carioca, perto de Heliópolis. Percebemos que havia talentos jogando e criamos o Ibrachina Futebol Clube, em 2020. É um clube formador, presidido pelo meu irmão, Henrique Law. Já descobrimos jogadores que estão atuando nas categorias de base de grandes times, como São Paulo, Corinthians e Palmeiras. Integramos a Federação Paulista de Futebol – FPF e disputamos com grande destaque duas edições da Copinha, inclusive sediando alguns jogos. Nossa casa é o Ibrachina Arena, na Mooca, em São Paulo, que possui um campo homologado pela FIFA. No local também funciona a Escolinha de Futebol do Ibrachina FC. Quem desejar saber mais, pode acessar o site do Ibrachina e nosso Instagram.
Então há uma forte relação entre seu trabalho como presidente do Ibrachina e da Coordenação Nacional das Relações Brasil e China da OAB Nacional. Como você vê essa integração?
A China é o maior parceiro comercial do Brasil, por isso considero importante termos uma visão mais integral desse gigante asiático. Isso passa pela área jurídica e pela legislação. Também apoiamos a Frente Parlamentar das Relações Brasil e China do Congresso Nacional e a formação de Frentes Parlamentares estaduais e municipais, como nas Assembleias Legislativas de São Paulo e do Amazonas. Recentemente, apoiamos a instalação de uma Frente Parlamentar na Câmara de Vereadores de Campinas. Esta atuação legislativa visa dar mais segurança jurídica nas relações comerciais entre os dois países. Ao mesmo tempo, o estreitamento dos laços comerciais entre Brasil e China gera grandes oportunidades para a advocacia brasileira. Além dos contratos comerciais, diversas empresas e indústrias chinesas estão investindo em instalações no Brasil. Muitos escritórios grandes já instalaram China Desks para atuar na área. É uma demanda que tende a aumentar significativamente. Nesse sentido, é preciso investir cada vez mais na qualificação de advogados para atuar nesta área, com destaque para a capacitação dos profissionais mais jovens. Isso vai além do conhecimento jurídico, incluindo também o aprendizado do mandarim.
Além do Direito, a relação com a China nos coloca diante de questões como a tecnologia. As duas áreas estão intrinsecamente ligadas. O que você pensa a respeito?
O Direito precisa de uma atualização constante, que acompanhe a velocidade das inovações tecnológicas. Além da privacidade dos dados, temos outras questões importantes a tratar, como a proteção de marcas e propriedade intelectual. Pensando nas questões envolvidas com esse ecossistema de inovação, fundamos o Ibrawork, um hub de inovação aberta. Promovemos programas de aceleração de startups brasileiras e competições que estimulam sua internacionalização. Outra área de atuação está relacionada com smart cities, as cidades inteligentes. Criamos o Ibrachina Smart City Council, que reúne notáveis de diversas áreas, incluindo Direito e urbanismo. Ele promoveu diversos workshops, seminários e congressos sobre o tema, incluindo um com a participação do especialista espanhol Josep Piqué, que fez um trabalho mundialmente reconhecido em Barcelona. Em breve vamos inaugurar o Smart City Living Lab. Quem quiser conhecer melhor esse projeto, pode acessar o site do Ibrawork.
Quando começou o seu interesse no desenvolvimento das cidades? Como você tem atuado neste setor?
Trabalhei esse tema em meu primeiro livro, que trata da valorização do mercado imobiliário brasileiro. Isso me levou para a Comissão de Direito Urbanístico da OAB de São Paulo, onde me aprofundei na análise de questões diárias que afetam as cidades do ponto de vista legal. O grau de desenvolvimento de uma cidade e a qualidade de vida que ela proporciona para sua população são fatores que impactam na valorização dos imóveis. A adoção de estratégias e tecnologias de smart cities acelera esse desenvolvimento, resultando em melhorias para os seus habitantes no que se refere a mobilidade urbana, gestão de resíduos, geração de energia limpa, segurança pública, entre outras. Nós trabalhamos para estimular a revitalização do Centro Histórico de São Paulo. Inclusive apresentamos, através do Ibrachina e da Associação dos Empreendedores do Circuito das Compras – APECC, um projeto de uma Chinatown na região, utilizando tecnologias de smart cities. O projeto prevê uma estética totalmente nova para a região. Inclui a construção de uma Casa de Cultura Chinesa, a exemplo da Japan House e do Centro Cultural Coreano, instalados na Av. Paulista. A proposta está em tramitação na Prefeitura Municipal. Recentemente, apoiamos a realização do Concurso de Requalificação Urbana do Entorno do Mercado Municipal. Organizado pelo IAB-Departamento São Paulo e pela Escola da Cidade, teve a colaboração da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), com o apoio de Secretaria de Urbanismo e Licenciamento da Prefeitura Municipal de São Paulo, Todos Pelo Centro e Consulado Geral da China em São Paulo. Foi um momento de pensar a região, estimular a pesquisa e a geração de novas ideias para o futuro.
Qual o papel da inovação nestes projetos e iniciativas para cidades inteligentes?
A inovação é necessária para que as cidades evoluam de forma sustentável, como preveem os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. As urbes precisam da inovação para “virar essa chave”, criando cidades resilientes, capazes de resistir aos desafios climáticos. O mundo está enfrentando mudanças aceleradas que tendem a causar catástrofes imprevistas, como as fortes chuvas e extensas secas que afetam cada vez mais o Brasil e outros países. Precisamos pensar, planejar e nos antecipar a estes problemas, além de criar meios de reduzir o impacto no meio ambiente. Defendemos um novo olhar, que una os poderes públicos, a academia e a iniciativa privada, a chamada “tripla hélice”. Somente um trabalho conjunto de todos poderá promover as mudanças que precisamos para termos cidades melhores para as pessoas e para o planeta. Há muito a ser feito e esperamos poder colaborar para que o Brasil tenha muitas smart cities, oferecendo maior qualidade de vida para a população.
O seu comprometimento e atuação nas causas culturais, sociais, humanitárias e de inovação tiveram um amplo reconhecimento por diversas entidades. Quantos títulos e honrarias você já recebeu?
Mais importante do que a quantidade de reconhecimentos é o impacto positivo que as ações causaram e ainda causam nas pessoas. As vidas que foram salvas, a alegria que a cultura e o esporte geram, o conhecimento que é compartilhado, as oportunidades criadas para a atual e as próximas gerações. Este é o legado. Valorizo muito cada medalha, cada diploma de gratidão, cada título de cidadão honorário que recebi de cada cidade e estado, do Congresso Nacional e das Câmaras de Vereadores de diversas cidades, além das Assembleias Legislativas, e realmente me sinto parte de cada lugar onde atuamos. Tanto pelo carinho que recebemos das pessoas quanto pela consideração de todos que nos ajudam a fazer este trabalho, ou melhor, a cumprir essa missão de construir um mundo um pouco melhor para todos a cada dia, dentro do que está ao nosso alcance.
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FOTOS: Daniel Cancini e Divulgação
COORDENAÇÃO: Sidney Osiro