Carlos Ferreirinha conta tudo sobre o mercado de Luxo na América Latina
Presidente e fundador da MCF Consultoria, Carlos Ferreirinha também pode colocar no currículo aptidões como líder, gestor, pensador estratégico, advisor, palestrante, colunista, formador de opinião, influencer, visionário e a que mais o credencia: o maior especialista em mercado de luxo da América Latina. Formado em Administração de Empresas pela Cândido Mendes, em Executive Marketing Leadership pela Texas University e com MBA em Finanças no IBMEC, Ferreirinha acumula mais de 40 anos de trajetória profissional na Gestão do Luxo. Entre seus principais cargos, administrou a EDS – Electronic Data Systems – e foi Diretor de Marketing, Comunicação e Novos Negócios da Louis Vuitton Caribe, América Latina e Brasil, finalizando como CEO da operação Brasil – sendo o mais jovem executivo em posição de Presidência no Grupo LVMH. Resumindo: se existe um profissional que pode olhar para o mercado de luxo e dar um diagnóstico preciso do que ele está enfrentando e para que direção ele provavelmente irá tomar é ele. Foi sob essa pauta que conversamos com Ferreirinha, em uma brecha da sua agenda, com exclusividade para a Go Where.
Como estava o mercado de luxo antes da pandemia?
Os principais grupos e marcas do mercado de luxo mundial apresentaram um crescimento expressivo nos últimos 10 anos. Em um ritmo muito vigoroso. Algumas regiões com um resultado melhor, como é o caso da Ásia, mais especificamente da China. No caso do Brasil, o crescimento é sempre mais modesto. O Brasil não tem problema com vendas. Elas sempre foram muito boas. O Brasil tem problema de fazer dinheiro no final, ou seja, obter lucro tirando as perdas com as variações cambiais, encargos tributários e outros componentes do custo Brasil, que é altíssimo!
Antes da pandemia, algumas marcas estrangeiras do mercado de luxo foram embora do Brasil. Isso foi um movimento passageiro ou um sinal de que o Brasil é um mercado muito difícil de trabalhar?
Foi totalmente um sinal. Isso acontece há alguns anos no Brasil, mas não somente com as marcas de luxo. Nike, Fnac, Citibank e HSBC, por exemplo, saíram do Brasil. Empresas e operações internacionais quando não operam no commodity têm essa mesma dificuldade. Fazer resultados positivos no Brasil é muito difícil. O Brasil é sempre um mercado de visibilidade e de promessa interessante, mas não é um dos principais do mundo em resultado.
A pandemia, de certa forma, mudou essa dinâmica?
Mexeu muito com a questão das vendas. Neste último um ano e meio, nenhuma marca internacional tomou a decisão de vir para o Brasil. Apesar de o ritmo de vendas do mercado brasileiro de luxo estar alto, ele não está diferente do que acontece em outros países. O momento do luxo no mundo está muito favorável. A pandemia gerou uma concentração de riquezas, o dinheiro muito represado tem favorecido bastante as marcas de luxo. A mesma coisa acontece no Brasil. As marcas brasileiras de luxo têm obtido resultados muito mais expressivos. Já para as marcas internacionais de luxo, com o dólar a R$ 6 e o Euro a quase R$ 7, quando o resultado é revertido, ele se mostra muito pequeno para os resultados de outros países.
E como o consumidor de luxo tem se comportado com tantas mudanças de paradigmas?
De forma muito positiva. Em setores como de entretenimento e cultural de luxo, a situação ainda é muito difícil. Mas se olharmos para o varejo de luxo, principalmente para aquele que nós tradicionalmente exportávamos muitos clientes para consumir internacionalmente, passou a ter melhores resultados porque as pessoas passaram a consumir internamente. O turismo de luxo experimenta o melhor resultado da história no Brasil. O brasileiro que mudou o foco para o turismo nacional teve uma chance de descobrir os produtos de luxo do Brasil. Temos hotéis-boutique e resorts de luxo espetaculares em todas as regiões do Brasil que não ficam a dever aos de nenhum país do mundo. A pandemia, de certa forma, educou brasileiro no sentido de ele descobrir que tem produtos maravilhosos para ele consumir aqui mesmo.
Que outros setores você acredita que podem se beneficiar com essa nova ordem que está surgindo?
Sem dúvida nenhuma, carros, imobiliário, beleza e bebidas estão em um melhor momento. O segmento de carros, que passava por um momento de pequeno interesse nos últimos anos, com a pandemia, cresceu bastante. As pessoas ficaram dentro de casa e redescobriram que precisavam do carro para se deslocar e do prazer que é viajar com a família, por exemplo. O imobiliário está no melhor momento de venda de imóveis de alto padrão não só dos últimos anos, mas da história brasileira. O segmento de beleza se beneficiou porque, com a pandemia, as pessoas passaram a estar mais em casa. Porém, em frente a um “espelho novo”, que são as telas dos celulares e as dos computadores. E o de bebidas, que sofreu uma redução de consumo muito forte no trade, no setor de bares e restaurantes, cresceu significativamente na casa das pessoas.
Existe muita competição entre a produção nacional e a importada. Quem é que vai se dar bem nessa pós-pandemia?
Eu não vejo que teremos no Brasil, nos próximos anos, um momento de grande aquecimento econômico que todo mundo espera e a chegada de mais marcas internacionais. Nosso mercado é muito desafiador e vamos entrar num período de eleições. O Brasil está com uma imagem pior do que anos anteriores lá fora e temos uma diplomacia muito complicada. Isso deve segurar novos investimentos, porém deve privilegiar as marcas que já estão no Brasil porque o cenário competitivo fica menor. No caso das marcas brasileiras, há setores que vão obviamente se beneficiar porque são muito mais fortes do que as marcas internacionais, como os de hotelaria, joalheria e calçados, por exemplo.
É um bom momento para empreender nesses setores?
Sem sombra de dúvidas. Até porque existe uma predisposição para o consumidor brasileiro olhar para o mercado brasileiro. É um momento importante, mas também é preciso lembrar que as coisas não acontecem de uma hora para a outra.
Manter o dinheiro aplicado no mercado de capitais não é mais tão atrativo quanto era antes. Talvez seja hora de esse dinheiro voltar para o mercado real?
O dinheiro precisa circular. Com essas taxas de juros e com essas oscilações do mercado de capitais, deixar o dinheiro no banco é um risco de ele perder rentabilidade. Essa é uma das razões que tem beneficiado o mercado de luxo e o mercado imobiliário de alto padrão.
“O Brasil tem problema de fazer dinheiro no final, ou seja, obter lucro tirando as perdas com as variações cambiais, encargos tributários e outros componentes do custo Brasil, que é altíssimo!”
As empresas e grupos internacionais que estão no Brasil precisam reformular suas estratégias?
Definitivamente! É um dos grandes dilemas, quase uma questão paradoxal. Parte do poder e do sucesso dessas marcas passa muito pelo poder delas segurarem a sua operação na mão e reverberarem globalmente. Ao mesmo tempo, elas precisam encontrar alternativas que dialoguem com mais propriedade e facilidade com o mercado local. Elas precisam fazer uma tropicalização das suas estratégias.
Muitas marcas sofreram com a pandemia, e isso pode atrair o apetite dos grandes grupos. Pode haver uma explosão de fusões e aquisições nessa pós-pandemia?
Sim. Este é um momento no qual os mais fracos ficam mais fracos e os mais fortes ficam mais fortes. Haverá mais consolidação, mais concentração na mão de poucos. Os grandes grupos e marcas de luxo já fizeram aquisições expressivas no ano passado e vão continuar fazendo. Aproveitaram a fragilidade causada pela pandemia para a canabalização de outras marcas. Mas isso aconteceu também com as marcas brasileiras. O Grupo Soma comprando a Hering, a Arezzo comprando a Reserva… Isso vai acontecer de uma forma mais expressiva.
Qual será a consequência disso? Uma espécie de pasteurização do mercado?
Eu não acho que as coisas vão ficar parecidas. Apesar de as marcas de luxo dividirem os mesmos clientes, elas sabem manter as características de cada uma quando são absorvidas por um grupo.
Quem conseguir sobreviver vai colher bons frutos?
Claro! Quem conseguir sobreviver naturalmente vai chamar atenção. E daí tem um outro lado que, sobrevivendo e se destacando, o pequeno também aumenta sua atratividade para ser comprado pelos grandes grupos. Depende do objetivo de cada marca.
“A pandemia, de certa forma, educou brasileiro no sentido de ele descobrir que tem produtos maravilhosos para consumir aqui mesmo”
Essa retomada vai ser rápida?
A retomada para as marcas de luxo do meio do ano passado para cá já foi espetacular. Eu vejo que a maior dificuldade para uma retomada mais rápida não é o mercado e o desejo do consumidor e, sim, o Brasil. O Brasil passa por um derretimento político, com uma economia instável, muita desvalorização do real, taxas de desemprego altíssimas… Nenhum país pode viver de uma elite muito pequena de consumidores que consomem. O maior desafio que nós temos é com o Brasil. Se essa situação perdura, isso afugenta os investidores e o consumidor fica temeroso. O dinheiro para de circular.
São Paulo tem um mercado de luxo muito forte, que pode dar respostas mais rápidas. Como enxerga as possibilidades em outras regiões do Brasil?
De uma forma geral, São Paulo sofre até mais do que outras regiões porque é um mercado mais amadurecido e muito competitivo. A retomada dos negócios para as marcas de luxo em outras regiões, como é o caso de Goiânia, Curitiba e capitais no Nordeste, por exemplo, está sendo muito positiva. De forma geral, todo mundo está crescendo. Mas o crescimento dos mercados periféricos tem sido ainda maior.
Por Leonardo Millen Fotos daniel cancini