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Restaurateur Walter Mancini: uma verdadeira lenda viva da gastronomia de São Paulo

Foto: Daniel Cancini

Dono de cinco restaurantes na Rua Avanhandava, no centro da capital paulista, o restaurateur Walter Mancini é uma verdadeira lenda viva da gastronomia de São Paulo. E nesse bate-papo ele relembra o início da sua trajetória e conta o segredo de tanto sucesso.

No início da sua carreira, você trabalhava na noite, naquelas boates clássicas da Nestor Pestana, e morava em uma quitinete. Você imaginava que sua vida seria como era hoje?
Nunca imaginei! Eu entrei na noite aos 17 anos, e agora em dezembro faço 79. Eu venho do tempo do lançamento das grandes discotecas, tudo acontecia no centro, os teatros estavam ali, a TV Excelsior… Era um mundo mágico. Para ser sincero, achava que teria grandes dificuldades financeiras para sobrevivência na minha velhice, eu não tenho uma educação formal. Trabalhei em várias casas noturnas, morei 20 anos em uma quitinete, sempre com dificuldade para pagar o aluguel. Mas a vida foi andando.

E quando surgiu a Famiglia Mancini?
A história é muito curiosa. Eu fiquei sabendo que o Zi Tereza, que ficava onde hoje é o Famiglia Mancini, estava à venda e que já tinham passado outros restaurantes ali que não tinham dado certo. Aí eu falei com um grande amigo meu, isso há 42 anos, e pedi um empréstimo para a entrada, disse que eu era muito trabalhador. Ele disse para eu ir me levantar na vida e para pagar quando e como puder. Comecei a chorar ali. Comprei e abri o Famiglia Mancini. A minha mãe foi para a cozinha, a minha tia para o caixa e eu fui para o salão. Esse foi o começo do Famiglia Mancini. Eu tinha 38, 39 anos e já tinha quebrado muito a cabeça.

Mas explica como o Famiglia Mancini virou esse fenômeno.
Vou te contar uma particularidade interessante. As italianas do Brás, que foi onde eu nasci, eram muito religiosas e tinham o hábito de entregar santinhos pela rua. Vira e mexe elas me entregavam o santinho da Santa Luzia, que é a protetora dos olhos. Quando assinei o contrato da Famiglia Mancini, eles me entregaram a chave e comecei a andar por dentro do estabelecimento, que era o Zi Tereza, e entrei num porão, onde vi encostado um tubo e quando desenrolei o desenho que tinha ali dentro, vi que era a Santa Luzia. Eu mandei emoldurar e ela está logo na entrada, é a santa que abençoa a casa. Então, quando eu vi aquele desenho, tive certeza de que ali era o meu lugar. A Famiglia Mancini tem a digital de Deus, então é um pouco inexplicável.

“Quando garoto, gostava de parar na banca de jornal para ver os postais de São Paulo. Aí pensei: seu eu emprestar a caneta para o cliente, der o cartão-postal e pagar o selo, ele vai me fazer entrar em lares que eu jamais poderia entrar”

A Rua Avanhandava, onde estão seus restaurantes, se tornou um ponto turístico de São Paulo. Você recebeu alguma ajuda da Prefeitura para instalar aquelas luzes, fonte?
Nada! Quando eu refiz a rua, em 2007, consegui R$ 475 mil do cartão Visa, mas tive de colocar mais de R$ 2 milhões. A Prefeitura não me ajudou em absolutamente nada. E a mesma equipe que faz a manutenção dos restaurantes, faz a da rua. Até mesmo na pandemia, mantive o jardineiro para cuidar das plantas, trocamos as lâmpadas. Não posso deixar a rua morrer, a minha vida está ali.

Um dos diferenciais do Famiglia Mancini é aquela mesa de antepastos por quilo. Podemos até dizer que você foi um dos pioneiros em vender comida por quilo. Como é que surgiu essa ideia?
Todo mundo fala “Pô, o cara é um gênio!”, mas não tem nada de genialidade! Na verdade é uma coisa simples: eu reproduzi o que foi a minha infância. O Mercado tem tudo exposto, azeitona, queijo e trabalha por sedução, encantamento. Você passa pelas ruas do Mercado e o vendedor fala para provar um queijo. E a balança, veio porque logo quando abri, ao lado do Famiglia, tinha um prédio da Johnson & Johnson, e aquele staff descia para almoçar no Famiglia Mancini. Um dia, um diretor, me questionou como era o critério do valor da bandeja de antespasto, que de dia pagava um preço, de noite era outro. Aí fui para casa, lá na quitinete, pensar em uma solução de como cobrar isso e pesando nisso, lembrei da balança da quitanda e decidi implantar a balança. Foi um rebuliço! Porque pela primeira vez na vida o cliente de servia e andava com o prato pelo salão.

E a magia dos cartões postais?
Isso é uma história linda! Quando garoto, gostava de parar na banca de jornal para ver os postais de São Paulo. Aí pensei: seu eu emprestar a caneta para o cliente, der o cartão-postal e pagar o selo, ele vai me fazer entrar em lares que eu jamais poderia entrar. E o pulo do gato é a frase que está no cartão: “Lembre-se de alguém que você gosta. Envie esse postal. Uma caixa de correio na saída do restaurante espera por ele. O selo é nosso.” Aí começaram a mandar, e eu envio para o mundo inteiro.

Você esteve à frente de um projeto da Prefeitura de transformar o Bixiga em uma Little Italy, como a de Nova York. Por que esse projeto não prosperou?
Logo que eu terminei a rua, o Andrea Matarazzo, que era da sub-prefeitura da Sé, chegou para mim e falou que o Bixiga estava na UTI e queria saber como poderia resolver isso. Aí eu falei que era fácil: o Bixiga é cortado pela Nove de Julho, que é um rio de automóveis. Se a gente traçar um pontilhão da Avanhandava até a Santo Antônio, subir a 13 de Maio e ressuscitar o bonde, nós vamos fazer um trabalho lindo em entregar para a colônia italiana a Pequena Itália. Ele disse que eu era louco! Disse que não era e chamei um urbanista para traçar o projeto, junto com o Nelson de Abreu. O projeto está pronto, mas não andou porque tem que enterrar a fiação. Estive com a Marta Suplicy, com o Kassab, com o Haddad… O projeto não morreu, só precisa de alguém que abrace.

Para encerrar essa entrevista, quem é Walter Mancini?
Eu não sei, acho que fui fabricado (risos) Acho que é uma história da alma, uma coisa interessante, acho que a alma não é o pai e mãe que faz, ela vem de outro lugar, tem outros arquivos. A alma humana tem o DNA do universo, ela vem com o DNA do cosmo, e há muita coisa que você sabe sem saber o porquê, que é intuitiva. Você abre todos esses arquivos a partir da generosidade, a partir do amor você adquire o conhecimento.

Por NORBERTO BUSTO Fotos Daniel Cancini

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