Go Where – Lifestyle e Gastronomia

Os 3 restaurantes mais icônicos do Brás, tradicional bairro paulistano

FOTO: Mauro Holanda

Um está completando 60 anos; outro, 80. O terceiro chegará a um século de existência em 2024. Em comum ao trio, além da longevidade raríssima numa cidade tão gastronomicamente mutante como São Paulo, é ter suas velhas raízes e sua resistência fincadas no bairro do Brás, apesar da decadência natural da região que, décadas atrás, foi o abrigo dos imigrantes italianos que se aventuravam em São Paulo. Prestigiar as delícias do Bacalhau Presidente, da Cantina do Marinheiro e da Castelões está na agenda de paulistanos da gema, dos frutos do mar e da pizza.

Castelões

Sim: se tudo em São Paulo acaba em pizza, ela começa na Castelões – simplesmente o ponto mais longevo da histórica gastronomia paulistana, há 98 anos no mesmo local, a rua Jairo Góis, no trecho entre a Rua do Gasômetro e a Rangel Pestana, nomes fundamentais da geografia do Brás. Não importa de qual parte da cidade você venha, o programa é obrigatório e compensador, nas noites ultrassilenciosos do pedaço. Ali, naquela parte nada vibrante do dia, só a Castelões sobrevive. A rua noturna é erma, escura, e a região, deteriorada. Mas só quem já foi até o Brás para conhecer ou revisitar a Castelões saberá que o programa ainda vale muito a pena. Aquilo é um oásis de prazer. Ponha na boca um pedaço da pizza que leva o nome da casa e qualquer sensação de decadência terá sido digerida como louvor. A Castelões – 75% dos pedidos da clientela hoje – é o casamento mais perfeito já celebrado entre a mussarela e a linguiça calabresa produzidas na casa com uma paixão quase secular. Fábio Donato, neto mais novo de Vicente Donato, que nos anos 40 adquiriu a casa da família Siniscalchi, os fundadores, conta que ficava ali com o avô já aos cinco anos de idade, o que o moldou aos padrões Castelões conservados até hoje. Ele confessa que, ao assumir a casa, em 2014, tentou fazer uma pizza mais leve – mas a clientela protestou. “Qualidade também é quantidade”, admite ele. Mas Fábio acrescenta outro mantra: “Nada existe sem qualidade”. Golaço do Castelões Ele cuida diariamente, incansavelmente, dos ingredientes que entram na casa. E ali produz o que for possível. Não são pizzas baratas – podem chegar a compensadores R$ 108 – mas valem cada centavo. Fábio se tornou mestre-pizzaiolo, acompanhando a evolução da farinha ao longo de décadas – e o sabor e a fartura ainda são os mesmos do modo Castelões, sob o slogan, consagrado numa placa na parede: “Quem sabe comer sabe esperar”. Parede, aliás, ocupada por flâmulas de times de futebol e fotos em preto e branco de frequentadores históricos. A Castelões nasceu nesse mundo do futebol, tornando-se escola para muitas outras pizzarias. Naquele espaço, atletas amadores do chamado futebol de várzea, e o Brás era uma várzea, se reuniam para se trocar e se abastecer com guloseimas. A pizza, servida comercialmente no local, foi uma evolução natural – e nos quase 100 anos seguintes, esse privilégio foi estendido a paulistanos comuns, mas, sobretudo, aos pizzamaníacos da cidade. O Brás e a Castelões ainda os esperam de braços e discos abertos.

Rua Jairo Góis, 126 – Brás
Tel.: (11) 3229-0542

FOTO: Mauro Holanda

Cantina do Marinheiro

Uns dizem que ali é Mooca, não Brás. Mas a Cantina do Marinheiro, com seus 80 anos, é tão tradicional no pedaço que merece migrar imaginariamente para o fronteiriço Brás. Seja como for, ela também é daqueles sobreviventes gastronômicos que merecem loas e degustações – a começar por seu DNA. O termo Cantina, ainda mais naquela parte da cidade, que consagrou o modo ítalo de conquistar a clientela com as massas e antepastos típicos do menu cantineiro, aqui vem associado às delícias do mar. Risotos de camarão, salmão, polvo e ostras, caldeiradas, paellas e, claro, o típico bacalhau servido à moda portuguesa ou espanhola, em porções fartas e muito bem apresentadas. Por isso, a Cantina do Marinheiro tem sua clientela típica e fiel, que não se importa em contornar o quarteirão para estacionar o carro nos fundos da casa – já que à porta há um corredor de ônibus, urbanidade inexistente quando a Cantina foi aberta, em 1942, em plena guerra, em outro endereço – a Rua do Gasômetro. O mesmo modo “à vontade” de servir, por garçons veteranos e descolados, próprio dos clássicos do Brás. Marinheiros na paz Aliás, a “plena guerra” tem tudo a ver com a Cantina. Como resgata Orlando Rivera, que comanda a casa desde 1994, a origem da casa foi um navio italiano preso no Porto de Santos, cujos marinheiros/cozinheiros vieram para São Paulo procurar algo para fazer – e acabaram montando uma cantina na Rua do Gasômetro. Anos depois, a identidade da casa migrou para a cozinha espanhola, comprada pela família Rivera – que vivia do comércio gastronômico de compra e venda de restaurantes. E a dobradinha ítalo-espanhola passou a imperar na nova Cantina, já em novo endereço. Frutos do mar – antes resumidos ao bacalhau – ganharam muito mais destaque no menu com a nova identidade geográfica da casa, tão acertada que perdura até hoje. Claro, frutos do mar não são uma pechincha em qualquer menu – mas atraem famílias paulistanas de todas as regiões da cidade com suas fartas porções, nos concorridos domingos. Mas, de terça a sexta, com almoços mais corridos, a casa oferece pratos executivos atraentes, a preços convidativos. Peixes grelhados, a R$ 35. Camarão e arroz a grega, R$43. E quem não pode ou não quer ir ao Brás tem agora a opção do delivery, que se ampliou muito com a pandemia – de 3 a 4% do movimento da Cantina, as entregas passaram a responder por 20% dos negócios sobre o cardápio integral, sobretudo nos fins de semana, quando as fartas porções chegam a qualquer parte da cidade.

Avenida Alcântara Machado, 552
(estacionamento: Rua Mem de Sá, 131)
Tel.: (11) 3207-6125

FOTO: Daniel Cancini

Presidente do Brás 2424

O número 2424, associado ao endereço do mais famoso bacalhau da cidade, é icônico. Trata-se do número da Rua Visconde de Parnaíba, coração do Brás, onde o restaurante nasceu em 1962 – há exatos 60 anos. Mas é irônico que, há 25 anos, o número do endereço do restaurante Presidente mudou: hoje é 2438, em prédio próprio vizinho. Mas o 2424 ainda marca o clássico endereço. Muitos clientes combinam ir ao “2424”, sabendo que o Presidente fica agora no 2438 da rua. Curiosidades da gastronomia paulistana. A casa foi tocada desde a sua inauguração pela família Teixeira, que veio de Portugal nos anos 1950. Há dois anos, o comando passou a Reginaldo Leitão, empreendedor gastronômico com larga experiência no ramo bacalhoeiro – ele trabalhou 20 anos no também famoso Bacalhau e Cia., na Barra Funda. Era quem os Teixeira procuravam para dar continuidade ao negócio. Reginaldo assumiu, convencido a manter todas as tradições da casa consagrada, como o processo ainda secreto de dessalga do bacalhau – mas decidiu impor pelo menos três “modernizações”. Por incrível que pareça, a casa não aceitava cartões de débito e crédito, só dinheiro ou cheque – apesar das contas vultuosas. Imagine-se os perrengues que isso podia causar ao fim das refeições. A segunda mudança: aumentar a variedade de vinhos no cardápio, antes limitada a uma marca portuguesa. Agora, tem até um Pêra-Manca de R$ 5.389. A terceira: abrir à noite, a mais desafiante alteração da rotina, por causa da deterioração do bairro do Brás. Agora, o horário da casa é das 11 às 22. Mas é a tal história: o que o Presidente oferece aos paladares paulistanos justifica alguma forma de sacrifício. Bacalhau referência Sim, é uma casa para poucos – e de preferência em grupo, familiares ou empresariais, aliás a maior parte da clientela do “2424”. Uma mesa com até cinco pessoas, e não importa o tamanho do apetite, será farta – mente recompensada pela porção gigante do Bacalhau Grelhado no azeite, o que cria uma fina casca crocante: mais de dois quilos do gourmetizado “gadus morhua” norueguês, acompanhado de brócolis e batatas coradas, a R$ 782. O cliente está sozinho? A porção individual deste e de qualquer outro bacalhau (como à Portuguesa e à Parmigiana) sai a R$ 156. Reginaldo, empolgado com a nova fase da casa, exulta: “Hoje, a referência em bacalhau na cidade é o Presidente.”

Rua Visconde de Parnaíba, 2438
Tel.: (11) 2292-8683

FOTO: Daniel Cancini

___________
POR Celso Arnaldo Araujo

FOTO DESTAQUE: Mauro Holanda (Castelões)
FOTOS: Daniel Cancini e Mauro Holanda (Castelões)

Sair da versão mobile