Com uma trajetória pouco convencional, o carioca Pedro Mattos nunca seguiu o caminho tradicional dos chefs de cozinha. Ele é dono de uma receita construída à base de memória, afeto e uma dose generosa de teimosia – aquela que faz um chef aceitar um restaurante com 1 milhão de reais em dívidas e transformá-lo no fenômeno que vende 6 mil lasanhas por mês. Agora, com quatro anos de Papagallo nas costas, Pedro se prepara para um novo capítulo: o Dalila, seu laboratório pessoal de alta gastronomia. Diferente da maioria dos chefs, Pedro nunca trabalhou para outros antes de empreender. Com apenas 21 anos, ele abriu seu primeiro restaurante, em São Paulo, se tornando o chef executivo e proprietário mais jovem da região. Depois de experiências no Rio, ele encontrou seu maior desafio em São Paulo, novamente: o Papagallo. Quando o restaurante chegou às suas mãos, em 2020, era um projeto que já havia sido oferecido para outros chefs na cidade – todos recusaram. “Não tinha guardanapo, uniforme, prato. As cadeiras eram todas quebradas, cada mesa era diferente da outra. Era um caos completo”, relembra. Mesmo assim, aceitou o desafio e hoje aumentou consideravelmente sua participação no negócio.

FOTO: Daniel Cancini
A lasanha que mudou tudo
A lasanha do Papagallo, feita de massa fresca à bolonhesa com fonduta de grana padano, nasceu quase por acaso. “Decidi colocar a lasanha no cardápio faltando uma semana para abrir. Fiz mais inúmeros testes para torná-la operacional”, conta Pedro. O que ele não imaginava era o tsunami que viria: quase 200 milhões de visualizações nas redes sociais nos vídeos que falavam sobre a lasanha e 6 mil unidades vendidas mensalmente – o segundo colocado no cardápio do Papagallo vende 700, só para efeito de comparação. Com o sucesso, vieram também as críticas. Mas o chef desenvolveu uma boa filosofia sobre elas: “Se eu errar 10%, eu irrito 600 pessoas por mês. Mas, em compensação, agrado 5.400. Do mesmo jeito que os elogios não me iludem, as críticas não me abalam. Eu observo muito mais as críticas, porque toda crítica liga, no mínimo, um alerta”. Pedro também destaca que o Papagallo nasceu para oferecer uma comida democrática, saborosa e bem servida. “A lasanha do Papagallo é simplesmente uma lasanha que você comeria na casa da sua avó”, resume.
Quando a cozinha vira casa
É nesse contexto que nasce o Dalila, nome que homenageia sua avó. “É um restaurante que eu sempre quis abrir há muito tempo. Eu já tinha essa marca pronta na minha cabeça há 10 anos”, revela. Localizado em um espaço intimista, o Dalila é um contraste do Papagallo. Enquanto lá, Pedro gerencia um negócio de alto volume, aqui ele volta às origens: a cozinha. “Eu montei uma estrutura para que essa casa seja sustentada sem pressão. Não tenho que atender 80, 90, 100 pessoas. Consigo fazer um trabalho bem cadenciado”, explica. O cardápio reflete essa liberdade criativa. A cozinha fusion tem base italiana com influências asiáticas e espanholas. “Eu não quis me prender a nada específico. Quis fazer o menu de algo que me sinto confortável, que eu gosto de comer”, diz Pedro.
FOTO: Daniel Cancini
Da cozinha, sairão criações como o “Julieta e Romeu” – um plin recheado de queijo de cabra com pomodori de goiabada e picles de goiaba – e a Trilogia de Risoto, uma homenagem ao chef Massimo Bottura, do qual Pedro guarda um livro com dedicatória. A própria lasanha do Dalila ganha nova roupagem, com ragú de carne na ponta da faca, bechamel e parmesão: “É mais sofisticada, talvez. Mas eu não considero lasanha um prato sofisticado”, brinca. Entre os pratos preferidos do chef, estão ainda o ossobuco braseado com purê de batata, cogumelos e ervilha, e a bochecha de porco com texturas de polenta. O plano é também incluir menus degustação quinzenais, sempre evoluindo e trabalhando com os melhores produtos. O conceito do Dalila vai além da gastronomia: é uma experiência quase secreta. Sem nome na fachada ou número visível na frente, o restaurante funciona como uma verdadeira casa. O funcionamento será restrito: apenas quintas e sábados, com foco em eventos fechados e jantares para grupos selecionados.
Entre a música e o silêncio
O clima do Dalila também reflete esse desejo de liberdade criativa e intimidade. No segundo andar do sobrado, o salão com luz baixa cria uma atmosfera acolhedora. As paredes são revestidas de tecido, decoradas com quadros que celebram a brasilidade e o universo da música, como retratos de Fernanda Torres, em uma obra feita pelo artista visual Lucas Kiss, e Amy Winehouse, reforçando a pegada artística que atravessa toda a experiência. Um piano posicionado ao fundo do salão antecipa futuras apresentações, destacando a música como parte essencial do menu. No espaço, tudo convida a uma convivência mais próxima, sem distanciamento entre as mesas e os convidados. A cozinha, no andar de baixo, permanece fora de vista, mas nunca ausente. Pedro gosta de estar ali, escondido, comandando os bastidores como quem recebe em casa – no ritmo que escolheu para si.
FOTO: Daniel Cancini
“Eu sou um cara muito tímido, muito fechado. Sou bicho do mato, gosto de ficar escondido dentro da cozinha. Eu detesto ser o centro das atenções. O centro das atenções são vocês, o ambiente, a comida”. No Dalila, essa característica ganha contornos propositais e se torna parte da experiência. “Eu quero receber as pessoas da melhor forma que posso, igual faço na minha casa. Tenho uma sala aberta onde fico na cozinha. Não saio da cozinha da hora que as pessoas chegam até a hora que vão embora.”
Enquanto o Papagallo segue sua trajetória democrática – com a intenção de transformar a lasanha em um clássico paulistano nos próximos dez anos –, o Dalila surge como o espaço onde Pedro pode ser genuinamente ele mesmo. “Aqui é a minha casa. Minha cozinha é lá embaixo, mas se quiser conhecer, fique à vontade. Durante o jantar, eu fico por lá, meio escondido… Mas talvez essa seja a minha forma silenciosa de dizer: ‘bem-vindo’ e ‘volte sempre’”, diz o início do menu construído cuidadosamente por Pedro. Em um mercado gastronômico que cada vez mais valoriza holofotes e redes sociais, o chef escolhe agora um caminho onde a comida fala mais alto. No Dalila, ele não pretende impressionar críticos ou conquistar seguidores. Quer apenas cozinhar como sempre sonhou: com liberdade, técnica e amor.
FOTO: Daniel Cancini
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POR Jennifer Detlinger 
FOTOS: Daniel Cancini