Go Where – Lifestyle e Gastronomia

Antonio Carlos de Toledo, conta a história do sucesso de 38 anos da Margherita Pizzeria

A inauguração da Margherita Pizzeria, em abril de 1981, foi resultado de uma série de eventos improváveis, a começar pela história do fundador – ex-jogador de futebol, economista e empreendedor do ramo da construção civil –, Antonio Carlos de Toledo, o Esquerdinha. A “sorte” veio visitar-lhe em momentos muito oportunos ao longo de seus 74 anos. Um dia, quando tinha 10 anos, voltava de uma pelada na rua e entrou em casa tão sujo e suado que deixou a irmã de seu pai “horrorizada”. A tia, que estava de visita, decidiu, naquele momento, fazer algo pelo futuro do garoto e ajudou a pagar por seus estudos no Colégio São Luís, um dos mais tradicionais de São Paulo. Apaixonado por futebol, aos 16 anos, entrou para o time juvenil do São Paulo, único clube no qual atuou profissionalmente. Para conciliar, começou a estudar à noite e passou a cursar o técnico em Contabilidade.

Depois de abandonar o futebol, aos 20 anos, formar-se em Economia e trabalhar em instituições respeitáveis, como a Embraer e a Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de São Paulo, o jovem ambicioso decidiu empreender. Começou no ramo de materiais para construção e teve dois restaurantes nos Jardins – ao mesmo tempo –, o Sea Snack e o Óscar. Com a sobrecarga, quis se desfazer de tudo. “Mas, uma tarde, um corretor chamado Albano apareceu no Sea Snack e disse que eu ia vendê-lo e comprar uma casa na esquina da Alameda Tietê”, relembra Esquerdinha, em tom de mistério. Dito e feito: meses depois, a Pizzaria Margherita abriria as portas, lotada, como permanece ainda hoje, 38 anos depois.

GW: Como explica o “fenômeno” Margherita, que mantém a casa sempre cheia, desde a inauguração?

É uma soma de fatores. Eu trabalho na pizzaria diuturnamente e estou sempre atento aos detalhes. O Rogério Fasano diz que restaurante é uma somatória de detalhes. E isso está na atenção à qualidade das matérias-primas, na elaboração e no processo de fazer massa, na lenha, que deve ser seca, e no forno, que deve ter um calor uniforme. Eu tenho uma casa só e pretendo manter assim, porque a coisa fica artesanal. Estou sempre presente. O meu fornecedor de farinha fica louco, porque, se a farinha não estiver boa, ligo para ele e peço para trocar. Quando ela chega, peço para um dos pizzaiolos assar uma pizza para mim, experimento e já sei. Se a massa estiver esfarelando ou difí cil de cortar, devolvo a farinha. Nós usamos um tomate mais massudo, sempre maduro e fresco. Nossa pizza tem um padrão, que nós conseguimos com muito treinamento.

GW: Você passa o dia inteiro na pizzaria?

Eu chego às 10 h. Mas a Lurdinha [Toledo], minha mulher, chega às 8 h. Ela entra, abre todas as geladeiras, examina a matéria-prima, vê todas as validades. Depois, vai para o escritório, cuidar da parte administrativa. Quando chego, sento com a minha compradora e com meus gerentes, para saber como estão os preços, o atendimento e as matérias-primas. Outro fator fundamental para o sucesso do restaurante é ter uma equipe competente e que veste a camisa. Tenho uma câmara fria só para guardar verduras e frutas, outra só para queijos, outra só para massas. Nossa massa é artesanal, feita todos os dias, com fermentação lenta de 24 horas. O pizzaiolo pesa, para que cada pizza tenha sempre o mesmo padrão. Nós também nos preocupamos com a questão ambiental: temos dois filtros para “lavar” a fumaça gerada pela lenha de eucalipto. E temos cinco fornos: dois só para o atendimento delivery, outros dois no salão térreo, e mais um no andar superior, área que reservamos para eventos, de terça a quinta.

GW: Fale um pouco sobre sua trajetória no futebol. Começou muito jovem?

Comecei com 16 anos. Já gostava de futebol e decidi fazer a peneira do São Paulo, que existe até hoje. Fui numa quinta-feira e, no domingo, já estava jogando no time principal do juvenil. Meu técnico era o Hélio Caxambu [ex-goleiro do São Paulo que dá nome ao troféu que premia os melhores jogadores do Campeonato Paulista Sub-20]. Em 1962, subi de categoria, fui para os aspirantes – uma mescla de jogadores profissionais e juvenis que estavam subindo. Fomos campeões em 1962. Em 1964, fui para o time profissional do São Paulo. Mas eram outros tempos. Os jogadores não ganhavam uma fortuna, não havia intercâmbio com a Europa, com a Ásia, enfim, e não tinha banco de reserva. O time entrava com 11 e, se um se machucava, jogavam dez. Se goleiro se machucava, alguém saía da linha para substituir. O próprio Pelé já jogou várias vezes como goleiro no Santos.

GW: E por que decidiu abandonar a carreira como jogador?

No segundo semestre de 1964, eu reencontrei um amigo do Colégio São Luís, que me convidou para fazer parte de um grupo de estudos para o vestibular, pois estava faltando uma pessoa.

GW: Você estudou no Colégio São Luís?

Sim. Era um colégio muito caro, mas eu tinha uma tia muito rica [Nadir de Toledo Braga, já falecida], irmã do meu pai. Um dia, quando eu tinha uns dez anos, ela foi visitá-lo e me viu chegar da rua todo sujo, de calção, sem camisa, porque estava jogando bola. Ficou horrorizada e decidiu, muito gentilmente, me colocar no Colégio São Luís, um dos melhores e mais caros da época. Sou imensamente grato a ela. Quando comecei a jogar futebol, aos 16 anos, deixei o [colegial] Clássico e fui para o noturno fazer o técnico em Contabilidade, porque eu treinava durante o dia. Como eu jogava futebol muito bem e o colégio enaltecia o esporte, tinha moral com os colegas. Morava em um sobrado na Mourato Coelho. Levava os caras para estudar em casa e não estava nem aí. Eles chegavam de Mercedes, com motorista.

GW: Voltando à história da faculdade: até o momento em que seu amigo te convidou para o grupo de estudos, nunca tinha pensado em faculdade?

Não. Eu queria jogar bola. Entrei no grupo no meio do ano, depois que ele já estava formado e já tinha tido aula. Mesmo estudando só metade do conteúdo, acabei passando no vestibular – que era oral e escrito – e entrei na faculdade de Economia da Faculdade São Luís, em 1965, algo que nem imaginava. Conheci um outro universo e fiquei fascinado. E pensei: não dá para fazer as duas coisas. Então optei por continuar os estudos.

GW: E não se arrependeu?

Me arrependi no início. Quando ia assistir aos jogos, ficava com vontade de jogar. Mas hoje não me arrependo. Joguei dos 16 aos 20 anos, quando entrei na faculdade. Ganhava um salário mínimo, na época. Se continuasse a jogar profissionalmente, teria um futuro incerto. Mas não como hoje, claro.

GW: Chegou a atuar como economista?

Sim. Trabalhei como economista no Badesp [Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, incorporado, mais tarde, ao extinto Banespa], na Embraer e na Secretaria de Planejamento do Estado.

GW: A gastronomia nem passava perto…

Nada. Mas, no início da década de 1970, eu tinha um amigo que era comprador em uma construtora. Naquela época, era usual as construtoras fazerem o esqueleto do prédio e decorar o primeiro andar. E ele precisava de uma loja que vendesse materiais de acabamento. Eu montei uma na Lorena com todos os materiais para acabamento, um showroom. Queria ser comerciante, era muito ambicioso. Mas, em 1973, esse mercado começou a declinar. Na época, eu estava casado com a Marília Braga, minha primeira esposa. Decidimos fechar a loja e, em 1977, abrimos – juntamente com o Pedroca Leardi, filho dela – um restaurante no mesmo local, o Sea Snack, de peixes e frutos-do-mar. Foi um sucesso. Mas aí veio a tal da maré vermelha, em que não se comia peixe por causa do iodo no mar. De seis mil clientes por mês, no jantar, em uma casa com 25 mesas, passamos a atender 200 pessoas por mês. Aí resolvemos montar o Óscar (na Oscar Freire). A Marília decorou com uma estatueta do Oscar, as pessoas começaram a escrever nas paredes. Foi um sucesso enorme.

GW: E como surgiu a ideia de abrir uma pizzaria?

Eu não aguentava mais me dividir entre os dois restaurantes. Ia a pé de um para o outro para resolver problemas o tempo todo. Uma tarde, estava sozinho no Sea Snack e apareceu um corretor chamado Albano. Perguntou se eu queria vender o restaurante, e eu disse que não. Ele afirmou que eu ia vendê-lo e comprar uma casa que ficava na esquina da Alameda Tietê. Era o local onde antes funcionava a Pizzaria e Churrascaria Aridino. Eu nunca tinha entrado e, quando ele me trouxe para conhecer, achei muito grande. Mas eu estava em uma situação difícil, então vendi o Sea Snack e comprei a casa para abrir a Margherita. Só que o rapaz me pagou uns quatro meses e não aguentou, revendeu o restaurante. E o meu dinheiro acabou.

GW: E você não foi atrás do dinheiro?

Não fui. Era nota promissória. Decidi não encher o saco do cara, ele não tinha condição. Um dia, em 1980, eu estava sentado do outro lado da rua, num murinho, olhando para cima e pensando: “O que eu vou fazer?”. O meu amigo Adhemir Scaranzi – pai da apresentadora Fabiana Scaranzi –, que era gerente do Banco Econômico, passou de carro e perguntou o que tinha acontecido. Contei que tinha comprado o restaurante e estava no meio de uma reforma, sem dinheiro. Ele estava indo para uma reunião com o futuro diretor do banco e disse que ia pedir para ele ajudar um amigo com um financiamento; em troca, ele teria uma pizzaria do lado da casa dele. A coisa de que esse diretor mais gostava era pizza. Ele me concedeu um empréstimo para pagar em 24 vezes, com seis meses de carência. Era o finalzinho da obra e eu terminei com esse dinheiro. No dia da inauguração já foi um estouro.

GW: Você teve que aprender a fazer pizza?

Eu visitei todas as pizzarias de São Paulo. Depois de uns anos, fui a Nápoles para conhecer o mercado e visitei umas vinte pizzarias de lá. A pizza é uma coisa plástica. A divisibilidade é o grande charme dela. Você paga R$ 80 e divide para quatro pessoas. Quando eu comprei a casa, a pizza começou a tomar uma importância na gastronomia e, coincidentemente, foi na mesma época em que a pizzaria Cristal surgiu. Eles fizeram uma coisa mais moderna, de muito bom gosto, e eu fui para o tradicional, rústico.

GW: E o Albano?

Procurei demais por ele, mas nunca mais o vi. Conhecia todos os corretores da região e perguntava por ele, mas ninguém sabia quem era e ele nunca mais apareceu. Foi uma espécie de anjo na minha vida. A única coisa que eu sabia sobre ele era que criava cães.


Margherita PIzzeria
Alameda Tietê, 255 – Jardins – São Paulo – SP
Tel: (11) 2714 3000
www.margherita.com.br

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