Ícone do site Go Where – Lifestyle e Gastronomia

O que pensa o crítico gastronômico Josimar Melo

Sob qualquer critério, Josimar Melo é o mais respeitado crítico gastronômico do país. E o guia que leva seu nome é, evidentemente, o mais abalizado de nosso mercado – tanto que acaba de completar 25 anos, atualizada, com 457 restaurantes (dos quais apenas quatro têm a cotação máxima) e 163 bares e cafés. Sua missão o obriga, é claro, a comer e beber fora praticamente todos os dias. Se possível, como um cliente comum – e pagando a conta. Mas, afinal, o que conta na cotação de Josimar? É o que ele revelou a GoWhere Gastronomia – evidentemente, numa mesa de restaurante, o Bar da Dona Onça.

Por: Celso Arnaldo Araujo

Desde 1992, o Guia Josimar acompanha o cenário gastronômico paulistano – mesa a mesa. Na primeira edição, o livreto tinha apenas cem casas – e só dois com a cotação máxima de três estrelas: os italianos Fasano e Ca´d´Oro.  Sim, naquela época, 25 anos atrás, a comida era francesa ou italiana e servida com pompa. Por isso, as maiores atrações dos estrelados eram os maîtres de salão – como Giancarlo Bolla, Ático e Giovanni Bruno. Não havia chefs, mas cozinheiros – a maioria de origem nordestina, que, com sua prática de décadas, reproduziam receitas famosas à perfeição. Nesses anos todos, frequentadores de restaurantes passaram a valorizar a descoberta e a criatividade – destacando o papel do cozinheiro como artista. Daí, a era dos chefs estrelados e célebres – que a edição 2017 retrata com fidelidade. O crescimento da cozinha brasileira ou “de inspiração brasileira” é um movimento que se fortalece – e o resultado disso é que dos quatro três estrelas da nova edição, dois são “brasileiros”– D.O.M. e Maní.

Comida processada

Para renovar as edições de seu guia, Josimar revisita, a cada ano, os restaurantes estrelados – que são a minoria. E também os que sofrem mudanças significativas – como troca de proprietário ou chef. Três meses antes da impressão, ele passa o pente fino e uma equipe confere todos os detalhes – como preços, horários, etc.

O crítico costuma fazer reservas em nome de terceiros – para evitar, se identificado previamente, preparações e arranjos que afetem sua avaliação. No livreto, não entram restaurantes que se mostraram inqualificáveis. Mas Josimar publica suas críticas no maior jornal do país – e nessa tribuna não poupa os “incomíveis”, o que eventualmente pode lhe trazer algumas insatisfações por parte dos criticados. Mesmo na crítica dura, ele nunca agride – é elegante até no desgosto. Mas uma vez Josimar foi processado por um empreiteiro que abrira um restaurante de comida italiana num dos shoppings da cidade. Josimar não gostou de quase nada – e escreveu. Uma juíza concedeu ao dono direito de resposta – e a Folha conseguiu liminar derrubando a decisão. Revoltado, o neo restaurateur quis comprar espaço no jornal, que recusou. Achou uma saída: por três semanas, comprou meia página do concorrente, o Estado de S. Paulo, na qual a crítica original de Josimar era reproduzida. Por três semanas, ele se tornou o único crítico a escrever resenhas simultaneamente nos dois jornalões de São Paulo.

GW: O D.O.M. é bom mesmo?
JM: Para quem valoriza a comida, sim. Alex tem um talento inegável. Mas, é claro, ele se autosupervaloriza, com a vaidade num grau que incomoda quem gosta de comida, não de celebridade. Apesar de eu ter muitas críticas ao personagem, não vou deixar de dar estrelas para a comida dele. Meu guia tem essa característica: dá cotação para comida.

GW: Não dá valor a serviço e ambiente?
JM: Não digo que não dou valor, porque nos comentários eu abordo esses aspectos – quando o serviço é incrível ou o lugar é cafona, por exemplo. Para quem gosta de comer, isso não importa muito. Veja o Mocotó – fui o primeiro a escrever sobre ele na imprensa mundial. Hoje é mais ajeitado, mas é um lugar desconfortável, onde faz um calor desgraçado. Para quem gosta de comer, porém, vale a pena a viagem. Guias refletem sempre critérios particulares. Dou nota para a comida. Há quem vá a um restaurante como um programa social – namorar ou arrumar namorada… Claro que, para que o guia não seja uma armadilha, eu aviso, nos comentários, que o lugar não tem ar-condicionado, por exemplo.

GW: Você é conservador em matéria de preferências gastronômicas? Ou os novos o atraem?
JM: Gosto muito da experimentação, e admiro quem tem coragem e competência para fazer cozinha de vanguarda. Mas é um terreno muito difícil, pouquíssimos conseguem fazer algo que tenha consistência intelectual e sabor no prato. De toda forma, no dia a dia, a cozinha tradicional é a que mais fala ao meu paladar afetivo, evidentemente não viveria sem ela.

GW: Qual é a maior virtude de um restaurante? E o maior pecado?
JM: A maior virtude é produzir sabor, dar prazer ao paladar do cliente, o que significa fugir da tentação de colocar em primeiro plano o luxo, a moda, o conforto ou o que seja. E este é o maior pecado: esquecer que as pessoas estão pagando antes de tudo por uma comida boa, decente, gostosa, prazerosa.

GW: Gosta de casas em que o chef vem à mesa para explicar coisas?
JM: Acho que às vezes é interessante, especialmente se a comida é diferente. Num restaurante de cozinha moderna eu me interesso por saber o que tem no prato, como foi feito. Mas o chef ou garçom tem que ter também a sensibilidade de perceber se o cliente está interessado, e ser mais ou menos breve.

GW: Menus-degustação o agradam? Ou está cansado dessas maratonas?
JM: Eu gosto de menus-degustação especialmente quando estou em viagem, e tenho a oportunidade de conhecer um restaurante que me interessa – sei que posso passar anos sem voltar lá, então a oportunidade de ter uma visão geral do trabalho daquele chef é atraente. Mas, como rotina, seria exaustivo todo dia, a cada refeição, experimentar oito, dez pratos, ou mais. Falo por experiência própria, pois, pela minha profissão, às vezes tenho que enfrentar dois por dia… e isso cansa sim.

GW: Se tivesse de apontar a melhor refeição de sua vida, a mais marcante, qual seria?
JM: Uns 30 anos atrás, na França, curiosamente um menu japonês, servido no Château de Saran, o castelo da Moët & Chandon em Épernay. Eles fizeram um jantar combinando uma refeição kaiseki – menu-degustação quase ritual, típico de Kyoto, feito por um chef trazido de lá, com diferentes safras de champagne Don Pérignon.

GW: E a maior decepção numa casa estrelada e badalada?
JM: Ah, são muitas, especialmente em restaurantes europeus com muitas estrelas Michelin, que talvez tenham merecido no passado, mas hoje…

GW: Quais são os cinco maiores ícones gastronômicos de São Paulo?
JM: Citaria alguns que talvez não sejam os do imaginário habitual. Fasano é o mais profissional de todos, impecável em todos os aspectos que se espera de um restaurante. Mocotó é uma ressurreição dos sabores brasileiros com um grau de autenticidade e técnica que pareciam impossíveis a muita gente. Spot é o retrato da metrópole que, em meio a tanta badalação, mantém uma cozinha sempre estável e no padrão que se espera. Maní é o melhor retrato do Brasil moderno: uma cozinha de vanguarda, com sabores brasileiros e servido numa atmosfera despretensiosa por chefs focados mais na gastronomia do que na vaidade. Entre os novos, A Casa do Porco trouxe uma fusão inédita de uma cozinha caipira, nos pratos, com ofertas de alta cozinha, nos petiscos. O bom é que todos esses têm o reconhecimento do público também.

GW: A gastronomia paulistana vive hoje uma boa fase?
JM: Sim, paradoxalmente, a gastronomia está sabendo encontrar lugares positivos em meio à crise geral. Nos anos em que esteve mais otimista, diminuindo a pobreza, reduzindo os miseráveis, sendo aplaudido pelas grandes potências, o Brasil criou um certo nível de orgulho, de menos sentimento vira-lata, que se refletiu no surgimento de uma “cozinha bossa-nova”, fusão de técnicas e repertório internacional de ponta, com receitas e sabores tradicionais brasileiros. E curiosamente, essa cozinha está se mostrando adequada para o momento atual de crise, pois trabalha com ingredientes locais, baratos e menos associada a ambientes suntuosos e caros. Exemplos: Esquina Mocotó, Jiquitaia, Bar da Dona Onça.

Os melhores de Sao Paulo Dobradinha gourmet com Josimar Melo

Melhor massa > Nino
Melhor feijoada > Feijoada da Bia
Melhor carne > Varanda
Melhor comida de bistrô > Le Jazz
Melhor camarão > Amadeus
Melhor risoto > Fasano

E as atuais celebridades da gastronomia mundial que se tornaram estrelas da TV? 

JAMIE OLIVER
“Mau cozinheiro, nenhum de seus restaurantes é bom – e recentemente perdeu milhares de seguidores ao se vender para uma multinacional. Mas é ótimo comunicador e faz um belo trabalho à frente de uma organização internacional que luta pela qualidade da comida e das merendas escolares”.

GORDON RAMSEY
“Grande cozinheiro, seu principal restaurante, em Londres, é ótimo. Mas o monstro que aparece nos programas da TV é apenas um personagem. Não gosto desses realities, acho todos uma farsa, embalados por manuais de instruções de mil páginas”.

Sair da versão mobile