Go Where – Lifestyle e Gastronomia

O Steve Jobs do vinho

O jovem americano descoberto pelo guru da Califórnia Roberr Mondavi se tornou uma super estrela no universo da enofilia e da enologia internacional, transitando entre a Malbec e a Cabernet Sauvignon. Em visita ao Brasil, falou a Go’Where.

Por: Walter Tommasi

Paul Hobbs definitivamente não é um americano típico – isto é, com pouco ou nenhum interesse em conhecer que se passa em outros países. Mesmo nascido e criado numa fazenda perto de Buffalo, no estado de Nova York, seu temperamento aventureiro e curioso acabou transformando o menino do interior numa estrela mundial, que a revista Forbes apelidou de Steve Jobs do vinho. Paul inicialmente ia seguir medicina– mas, surpreendentemente, seu pai, que plantava uvas e via o filho um dia cuidando da propriedade, o influenciou a entrar na universidade de Davis, onde ele fez seu mestrado em enologia. A primeira pessoa a reconhecer seu potencial foi o ícone americano dos vinhos finos, Robert Mondavi, que o contratou e, depois de algum tempo, o convidou para fazer parte do time que desenvolveu o mítico Opus One. Na sequência, Paul foi para a centenária Simi Winery (na ocasião, de propriedade da LVMH), mas, em 1988, resolveu se aventurar fora dos EUA aproveitando a grande experiência ganha nos últimos empregos. Ele conta que inicialmente seu plano era ir para o Chile, pois recebera convite de Marcelo Kogan, conhecido professor da Universidade do Chile, mestre de muitos enólogos top deste país. Paul convidou o amigo Jorge Catena para acompanhá-lo nessa visita, desagradando Marcelo Kogan, que cancelou o restante do programa. Por conta disso, Jorge convidou Paul para ir à Argentina. Alguns meses depois, Nicolas Catena ofereceu um trabalho fixo a Paul a fim de que pudesse conhecer mais de perto a vitivinicultura argentina – e inicialmente desenvolver um bom Chardonnay argentino para sua vinícola. Na ocasião, Paul ainda estava sob contrato com a Simi e sugeriu só trabalhar durante as férias, mas, no final da história, a Simi o liberou, tendo em vista que Nicolas Catena havia lhe prometido ajuda financeira na montagem da Paul Hobb Winery, nos Estados Unidos – um antigo sonho do nosso entrevistado. Chardonnay desenvolvido, na sequência (1990) Hobbs começa a se dedicar aos tintos, especialmente à Cabernet Sauvignon, casta na qual ele possuía vasta experiência. Nicolas contava com ele para produzir grandes vinhos, comparáveis aos Chateaux de Bordeaux.

Neste momento da entrevista, interrompo Paul para entender onde a Malbec entra na história – como um americano especialista em Cabernet Sauvignon fez tanto sucesso no desenvolvimento da variedade Malbec na Argentina? Ele conta: “Na verdade, foi por um acaso da vida. Um francês chamado Sig Moreau me ofereceu um trabalho de consultoria numa vinícola chilena que queria fazer experiência com carvalho americano e colocar os vinhos numa prova às cegas com outros grandes rótulos. Aceitei trabalho, mas pedi licença aos proprietários da vinícola para incluir um Malbec argentino, pois queria comparar os resultados das minhas primeiras experiências com essa variedade. No meu íntimo, depois de alguns anos trabalhando na Argentina, achava que o vinho poderia surpreender. A surpresa veio quando Nicolas Catena gostou muito do vinho, contrariando suas expectativas de que a Malbec jamais superaria a Cabernet Sauvignon. Claro que por trás desse feliz acaso houve um intenso trabalho de atualização tecnológica do processo de vinificação dos Catena, assim como dos tratos culturais dos parreirais”.

Perguntado sobre sua preferência entre Cabernet Sauvignon e Malbec, Paul foi politicamente correto, dizendo que as duas variedades têm seus próprios atributos. E que, se olharmos o passado, veremos que a Malbec não foi tão feliz como a Cabernet, nos tempos da dizimação dos vinhedos causada pela praga da filoxera – a Malbec foi uma das mais atingidas e menos replantadas. No entanto, Paul fez questão de mencionar que, nos idos de 1855, por ocasião da Classificação Oficial dos Vinhos de Bordeaux, ela participava em todos os cortes dos grandes rótulos em proporções significativas, chegando a mais de 50% no Château Latour – mas admite que tem leve preferência pela Cabernet Sauvignon. Aproveito para saber de que outras uvas ele mais gosta, e a resposta vem rápida: Pinot Noir, Riesling e Chardonnay.

Minha próxima pergunta busca entender qual de seus projetos foi mais desafiador. Surpreendentemente, ele me confidencia ter sido o da Viña Cobos, começando pelo escasso montante de dinheiro que possuía e pela desastrosa safra de 1998, quando, devido ao clima extremamente desfavorável, perdeu-se pratica-mente tudo. Paul se mostra muito grato pela postura de seus dois sócios, que ainda assim bancaram a safra seguinte, que afortunadamente foi muito boa e equilibrou as combalidas finanças da Viña. Mas a sorte durou pouco, pois o clima novamente não ajudou em 2000. Daí para frente, a economia melhorou, assim como o clima, levando a vinícola à posição de destaque em que hoje se encontra. Por falar em projetos, aproveito para perguntar sobre seus Malbecs franceses, e Paul diz que tudo começou em 2009, quando o produtor Bertrand Vigoroux o contatou para um trabalho de consultoria, que no final de contas se transformou em uma joint venture, com o lançamento da linha Crocus. Paul conta que ficou muito preocupado com os comentários iniciais, segundo os quais a região tinha clima muito frio, solo ruim, úmido, e processos de produção antigos e sem preocupação com a higiene. Com o passar do tempo, ele notou que o clima e o solo não seriam problema – pelo contrário, foi só deixar as uvas amadurecerem um pouco mais para agregar maior complexidade olfativa e estrutura a seus vinhos. Entretanto, o processo produtivo realmente mostrou ser o grande problema. As principais mudanças foram focadas num cuidado maior com a higiene da vinícola, evitando-se a extração exagerada, que trazia aos vinhos excesso de taninos e os deixava muito rústicos; e num maior cuidado com a temperatura e a redução do uso de bombas na movimentação do produto durante o processo. Pronto, basta agora provar esses vinhos e atestar a qualidade atingida. Por ocasião desta entrevista, tive a oportunidade de provar seus três exemplares: o vinho de entrada, Crocus Atelier 2012, o de média gama, Crocus Prestige 2011, e o top de linha, Crocus Grand Vin 2011. E meu comentário só pode ser um: compre e beba. Uma surpresa muito agradável.

Paul terminou nossa entrevista com um agradecimento especial aos fiéis clientes por prestigiarem seus vinhos – e a seus importadores por acreditarem no seu potencial. Fez questão de mencionar que é sempre um prazer vir ao Brasil, o que faz religiosamente pelo menos uma vez ao ano, e que acredita em nosso país para se tornar uma potência econômica, assim que superar os difíceis momentos por que passa hoje.

Os negócios de Paul Hobbs no mundo do vinho são bem diversificados, indo de consultorias para diversas vinícolas, como Pulenta, Riglus, Peres Cruz, a seus próprios negócios ou joint ventures, a saber: Viña Cobos, na Argentina, Paul Hobbs Winery (Sonoma e Napa), Crocus na França, Yacoubian Hobbs, na Armênia, além de sua mais recente joint venture, com o alemão Johanes Selbach, para produzir Riesling na região de Finger Lakes, estado de Nova York. No Brasil, os vinhos Cobos são distribuídos pela Grand Cru, enquanto as linhas Paul Hobbs Winery, Cross Barn e Crocus, pela Mistral.

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