Go Where – Lifestyle e Gastronomia

Erick Jacquin A Grande Virada

Ele está no Brasil há 21 anos – mas seu sotaque é de quem acabou de chegar da França. Quem reclama? Falar “tompero”, “politíco” e “fenomêno” é um de seus múltiplos charmes. O gênio destemperado, mais forte que seus “tomperos”, é outro. Mas Erick Jacquin, 52, está no auge de sua carreira gastronômica por ser um master chef – na Tv e na vida real. Vida real, aliás, que rendeu uma série (em cartaz na Fox life) sobre o mundo de Jacquin. Há dois anos e meio, quando ele foi obrigado a fechar o La Brasserie, atolado em dívidas, a receita desandou e esse mundo quase caiu. O apoio da mulher, Rosângela, e os holofotes da TV sobre seu enorme talento histriônico, mudaram tudo. Jacquin, hoje à frente do Le Bife e do Tartare & Co., casou com a TV e com Rosângela – 1m87 de beleza estonteante e companheirismo, aqui num papo a quatro com Go’Where.

Por: Celso Arnaldo Araujo 

erick_jacquin_1GW: É a fase mais feliz de sua vida, Jacquin?

EJ: Foi uma volta por cima gigante. Quando fechei a Brasserie, estava supertriste, foi a decisão mais difícil de minha vida. Ao mesmo tempo, estava sem nada. Se não fosse o MasterChef e agora O Mundo de Jacquin, eu não teria reencontrado meu caminho. Agradeço a confiança dos diretores. É uma carreira diferente, mas eu sempre vou ser cozinheiro. Na TV, estou sempre dentro de uma cozinha. Sou cozinheiro.

GW: A vida de superstar não te tirou da cozinha?

EJ: Isso vale para todos os chefs: chega uma idade em que a gente se afasta um pouco das panelas, é um trabalho pesado, uma vida difícil. Tenho 52 anos e sempre trabalhei no fogão, direto. Gosto de cozinhar, me afirmo em frente do fogão, mas chega uma hora… Com a experiência que tenho, consegui formar uma equipe de jovens, que chegam com técnicas novas e também me ensinam muito.

GW: Você não vai mais à cozinha?

EJ: Vou, mas não todo dia. E às vezes os jovens preferem que eu não entre…
RM: “Mas ele vai na cozinha de casa”.

GW: Eu ia perguntar: ele faz alguma coisa em casa? Qual é a especialidade doméstica dele?

RM: Salada. Com molho especial, segredo de família.
EJ: Peraí. Pra começo de conversa, eu vou comprar a salada na feira, fresca. Eu limpo, eu lavo, seleciono as folhas.
RM: Quem lava sou eu…
EJ: A água não tem importância, importância é que seja limpo. E depois eu “tompero” a salada. É diferente, é muito diferente. Essa salada é conhecida. Adoro fazer isso.

GW: Você cozinha, Rosângela?

EJ: Eu tento não aprender porque senão sou obrigada a cozinhar… Mas eu cozinho, sim.

GW: Jacquin, você disse que vai à feira. Você pode ir hoje a um local público e não ser incomodado?

EJ: Vou te falar uma coisa: não posso reclamar, ninguém me incomoda. Nunca foi tão solicitado na rua para tirar uma foto, bater um papo ou me dar uma bronca porque fui duro demais no MasterChef. Não reclamo disso, porque gosto e não se pode falar mal do sucesso. Sem o público, não sou ninguém.

GW: Mas tem alguma coisa que você não tolera nessas abordagens?

EJ: Não gosto que me chamem de longe. Já aconteceu de berrarem na praia “Jacquin, vem aqui tirar foto comigo”. Pô, eu tava tomando uma cerveja…Vem você. Também não gosto de pessoas vulgares. Já aconteceu, às 7 da manhã, no aeroporto, uma mulher pediu para fazer uma foto comigo. Pode, claro. Ok, às 7 da manhã você não está muito a fim de foto, mas eu concordei. Aí ela falou: posso pegar na sua bochecha? Ah, pelo amor de Deus…

GW: Bom, bochecha está na moda na gastronomia… Esse Jacquin que o Brasil aprendeu a amar e a temer – quanto tem de seu e quanto tem de personagem?

EJ: As pessoas que me conhecem e sabem quem eu sou, como o Bassoleil, meu grande amigo no Brasil, que me ajudou muito, sabem que sou igual na vida. Sou quem sou em casa, no restaurante, na TV. Sou uma pessoa exagerada, posso explodir, beijar, chorar, bater, me arrepender, mas não faço nada a mais ou menos do que sou. Tem pessoas que fazem mais menos do que mais… Escondem as coisas.

GW: Rosângela, você já aprendeu a lidar com o Jacquin em todos os momentos? Precisa de uma bula?

RM: Aprendi. No começo, foi difícil. Mas ele é supertranquilo, não tem segredos. É a pessoa explosiva, no trabalho ou em casa, por causa de alguma coisa que não saiu do jeito dele, mas é a explosão do momento. Daqui a cinco minutos, ele vem: vamos comer o quê no jantar? Não fica mágoa, é uma coisa pra você crescer.

GW: Dia dos Namorados, como vai ser?

EJ: Eu vou estar em Manaus, onde sou consultor há muitos anos do restaurante Belle Epoque, e também para participar da feira Chef Urbano.
RM: Eu vou ficar em casa.
EJ: Mas vou dar uma dica pra todo mundo. Dia dos Namorados não é um bom dia para comemorar o Dia dos Namorados. Cada casal deveria escolher seu dia, para não enfrentar fila e não encher o saco no restaurante. Tudo sobe o dobro, inclusive o preço das flores, as pessoas são mal servidas. Posso falar o que eu quiser porque não vai mudar absolutamente nada. Vai lotar todos os restaurantes. Mas se eu fosse motel, diminuiria o tempo por dois…Bom, meus restaurantes vão estar abertos e lotados.

GW: Menu-degustação?

EJ: Não faço mais. Eu cuido de dois bistrôs simples, quero que a comida seja acessível para todos, de boa qualidade com bom produto. Não vou fazer menu a 400, 500 reais.

GW: Seus colegas que vieram da França são unânimes em dizer que você continua o mais autêntico dos chefs franceses no Brasil – não tem redução de jabuticaba no seu menu. Concorda com isso?

EJ: Eu não comecei hoje. Vim para o Brasil para fazer o que aprendi a fazer – até os defeitos que eu tenho aprendi com os outros. Eu me naturalizei brasileiro, mas no fundo de mim sou francês, minha cultura é francesa e quero mostrar que a comida francesa é boa e justa, contrariando a ideia de que nossa cozinha é muito cara. A cozinha francesa acompanhou a evolução da sociedade. É meu desafio fazer uma coisa mais moderna, acessível, num lugar bacana, mantendo a técnica e valorização dos produtos.

GW: Tudo hoje é gourmet, gotinhas no prato, infusões, raio gourmetizador…

EJ: Prefiro a palavra bistronomia – comida de bistrô um pouco mais “rafinada”, com preço acessível, serviço simples e bem-feito. Prefiro isso a gourmet não sei quê.

GW: Esse pessoal que veio com você da França nos anos 90 – Bassoleil, Laurent, Troisgros – ainda continua por aqui, todos consagrados. Mas depois de sua geração não veio ninguém que tenha ficado. O que houve?

EJ: Vieram outros, mas o Brasil é um país complicado. As horas de trabalho são muito mais longas, os restaurantes ficam abertos até mais tarde, não é fácil se adaptar. Tem os que passam aqui três, quatro anos e vão embora. Hoje, é muito mais fácil viajar, você procura emprego no mundo inteiro – primeiro muda de cidade, depois de região, depois de país. Isso é mundial. O cara está aqui e daqui a pouco está em Tóquio. Essa é uma das grandes vantagens da profissão de cozinheiro – você é cosmopolita é viaja o mundo.

GW: Você ainda implica com a palavra chef?

EJ: Eu sou cozinheiro. Pessoas que insistem em ser chamados de chef em geral não sabem cozinhar. E a culpa é de vocês, jornalistas, que valorizam muito as pessoas antes de elas provarem que são boas. Abre uma casa nova, pronto – página inteira de jornal. Vamos deixar a pessoa mostrar serviço, provar seu talento – quando for aprovado, chamamos o cara de chef e vamos falar dele. Esperei muitos anos para sair no jornal – foi muito mais fácil que seria na França, mas levava algum tempo. Hoje, a mídia é enorme e a gastronomia é o assunto que mais gera rede social no mundo.

GW: Como é que você define o Le Bife?

EJ: Um conceito muito inteligente, preço acessível, restaurante de carnes que tem um peixe, duas ou três entradas, sem surpresas, com guarnições saborosas, molhos de qualidade. É um restaurante artesanal, com um cardápio super restrito, mas muito atraente.

GW: Mas o que um chef de seu gabarito pode fazer num restaurante com tão poucos pratos?

EJ: Qualidade. Eu sou o “segurador” da qualidade, um fiscal da qualidade, um guardião.

GW: O que você não tolera que aconteça na sua cozinha?

EJ: Todo mundo erra. É preciso conferir tudo antes de liberar o prato – o ponto da carne, o molho, a guarnição. Mas tudo é perdoável na vida, inclusive errar um prato. Menos deixar passar um prato errado da cozinha para o salão. Isso é o pior que pode acontecer numa cozinha. E isso é culpa do chef. O chef não está lá só para tirar fotos.

GW: Você falou em horários estendidos no Brasil…

EJ: Sou a favor de fechar o restaurante muito mais cedo, para maior qualidade de vida das pessoas que trabalham ali.

GW: Segurança…

EJ: Segurança é problema do governo, não meu. Um cozinheiro que começa às 9 ou 10 da manhã pode cozinhar tão bem às 11 da noite? Uma pessoa que chega num restaurante à meia-noite e quer um menu-degustação… Errado. Ninguém cozinha à meia-noite tão bem quanto às 8. Eu fecharia os restaurantes até as 11 no máximo.


GW: 
Você tem feito muito comercial, não?

EJ: Fiz posto Ipiranga, Bradesco e vou fazer agora uma marca de “tompero” e um molho de tomate.

GW: Grandes chefs têm sido criticados por fazerem comerciais populares, até de caldo de frango, sem nada gourmet…

EJ: Olhaí o gourmet aí…Todas as empresas que anuncio têm a ver com a gastronomia.

GW: Comercial paga bem?

EJ: Odeio falar em dinheiro, sou francês… Paga bem, sim, mas não sou o Ronaldinho, o Neymar.

GW: Você admitiu que, ao fechar o La Brasserie, estava atolado em dívidas. Como é que ficou isso nessa nova fase de sua vida?

EJ: Um processo devagar, estou cuidando, administrando. Pode ser difícil pagar tudo, mas estou acertando as prioridades, como os processos trabalhistas. Falta pouco.

GW: Ficou chateado com alguns empregados que o processaram?

EJ: Não, eles vão receber o justo. Mas este país precisa de reforma, e os “politícos” passam mais tempo se defendendo do que trabalhando. Gente pequenininha como eu, que gosta do país e gosta de trabalhar, e é apaixonado por sua profissão, não vai existir mais. Este país precisa ser reformado – sem uma reforma tributarista, principalmente, este país não vai crescer mais. Gente que tem cinco, seis funcionários, tem cinco ou seis famílias sob sua responsabilidade – no mínimo, 30 pessoas. Dificuldade a mais é educação a menos. Os “politícos” de hoje têm uma responsabilidade que nunca tiveram.

GW: Você vai à França regularmente. Como vai a cozinha local? Há uma nova Nouvelle Cuisine?

EJ: A Nouvelle Cuisine foi uma revolução comandada por uns 10 chefs que mudaram a cozinha francesa, que fi cou mais criativa. Antes disso, os chefs ainda executavam as receitas clássicas de Scoffier. Em 1970, liderados por Paul Bocuse, iniciaram o movimento que queria mostrar que são os chefs que trazem felicidade a um restaurante. Hoje, a jovem geração, que eu admiro e respeito, é menos tradicional e mais ousada, até no jeito de se vestir – há 20 anos, não se imaginava um cara cheio de tatuagem e brincos no rosto dentro de uma cozinha… Esses jovens avant garde estão hoje à frente, e a maioria respeita o passado – o que é muito importante. Mas com essas redes sociais, esse “fenomêno” mundial, tudo é muito rápido.

GW: Vocês casaram no papel em outubro, depois de 10 anos juntos. Mudou alguma coisa?

RM: Ele disse que eu fiquei mais chata (risos). Foi só assinar.
EJ:  Ela quer “mendar” em mim.

GW: Gostou da fase astro do Erick?

RM: Ah, é divertido. Eu virei fotógrafa. Pode tirar um selfie? Nem olham na minha cara…Oi? A gente foi ao show e não conseguimos nem tomar uma taça de vinho. Era uma fi la pra fazer foto…
EJ:  Não mudou nada. Dez anos juntos, casamos para regularizar a situação. Ela era a única menina da família ainda não casada. Normalizar o nome.

GW: Como ficou seu nome?

RM: Rosângela Menezes Jacquin.
EJ:  Tem três coisas que eu escolhi na vida. Minha profissão: sou cozinheiro porque quis. Segundo: o país onde eu moro. Terceiro: a mulher com quem eu estou vivendo. O resto pode acontecer.

GW: Pretendem ter filhos?

EJ: Para isso precisa f…. (risos)

GW: Tá funcionando?

EJ: Tá sim, mas isso é entre nós (risos). Com sinceridade, eu gostaria de ter mais um filho. Se vier, será bem-vindo.

GW: No folclore que cerca seu nome, há três historinhas que eu queria que você confirmasse ou não.
1. O cliente te pediu um prato bem rápido. Você mandou buscar uma coxinha na padaria da esquina.

EJ: Verdade.

GW: 2.O cliente pediu um Tiramissù “igual à do Fasano”, você mandou buscar no Fasano.

EJ: Verdade.

GW: 3.O cliente te chamou, indignado, reclamando de uma espinha de peixe no prato. E você disse: seria pior se fosse um pelo…

EJ: Não é verdade. Eu disse que seria mais complicado se fosse um parafuso…

GW: Rosangela, você tem 1m87, Erick 1m75. Você evita usar salto alto?

RM: Pelo contrário, se eu não uso ele reclama…


Erick Jacquin com seu primeiro patrão (Vincenzo Ondei, do inesquecível Le Coq Hardy) e seu melhor amigo no Brasil, o também francês Emannuel Bassoleil, hoje à frente da cozinha do Skye, no roof do Unique Hotel. Relembra Ondei, hoje curtindo a vida: “Conheci Jacquin na França e o convidei para comandar um festival de foie gras no Le Coq. Foi um sucesso. Fiz uma proposta irrecusável para ele vir trabalhar comigo. Foram quatro anos de grande parceria. Um grande profissional”.

Emmanuel Bassoleil: “Cheguei ao Brasil 10 anos antes de Erick – para mim, ele será sempre Erick, não Jacquin. Somos limões da mesma raiz. Ele diz que eu o ajudei a se adaptar a São Paulo e que cuido dele. Para se ter uma ideia de nossa amizade, ele costuma dizer ‘se eu um dia morrer, você vai me levar’ . O Erick não muda. Ele é do mesmo jeito com todos, ama o Brasil do jeito dele – mas torce pela seleção francesa… A Rô é uma grande pessoa na vida dele. Deixa ele fazer tudo o que quer… É o que ele quer”.

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