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10 perguntas para Luiz Flávio D´Urso

O guardião do Direito

O Brasil tem 600 mil advogados – 300 mil só em São Paulo. Todos defendendo os direitosde seus clientes – de riquíssimos empresários a um preso encarcerado num container ondenem insetos sobrevivem. Mas poucos desses profissionais fazem defesas com a mesma paixão – aliada ao notável saber jurídico – do criminalista Luiz Flávio Borges D´Urso, quepreside a seccional São Paulo da veneranda Ordem dos Advogados do Brasil. Ele defende o Direito e a ordem jurídica de maneira intransigente, como um espadachim protegendoa cidadela contra o cerco de selvagens e tiranos. Sempre eloquente – unindo a experiênciade júri com um talento juvenil para o teatro – ele falou a GoWhere sobre 10 questões queenvolvem direitos da cidadanialei Segredo de Justiça10 perguntas para Luiz Flávio D´UrsoPor Celso Arnaldo Araujo Fotos Daniel Cancini de seus clientes – de riquíssimos empresários a um preso encarcerado num container ondenem insetos sobrevivem. Mas poucos desses profissionais fazem defesas com a mesmapaixão – aliada ao notável saber jurídico – do criminalista Luiz Flávio Borges D´Urso, quepreside a seccional São Paulo da veneranda Ordem dos Advogados do Brasil. Ele defendeo Direito e a ordem jurídica de maneira intransigente, como um espadachim protegendoa cidadela contra o cerco de selvagens e tiranos. Sempre eloquente – unindo a experiênciade júri com um talento juvenil para o teatro – ele falou a GoWhere sobre 10 questões queenvolvem direitos da cidadanialei Segredo de Justiça10 perguntas para Luiz Flávio D´UrsoPor Celso Arnaldo Araujo Fotos Daniel Cancini.


1Os jovens faziam Direito porque não tinham vocação específica. Isso mudou? Hoje os estudantes de Direito são mais vocacionados?

Acredito que quem entra numa faculdade de Direito, consciente ou inconscientemente, vai por uma razão: ideais. Essa história de que a pessoa está sem rumo e então faz Direito é talvez a justificativa de alguém que tem latente uma ânsia por justiça, liberdade e igualdade, mesmo que ainda não tenha detectado entro de si. Na juventude tive uma atração grande pela área artística. Fiz teatro, escrevia poesias, contos. Na hora de escolher a faculdade, para agradar meu pai advogado, prestei vestibular para Arte e Direito. Passei nas duas. E ele ficou tão feliz que resolvi fazer as duas, simultaneamente. Um ano depois, porém, optei definitivamente pelo Direito.

2Estudantes já tremem só de pensar no exame da Ordem dos Advogados, cuja aprovação é indispensável para exercer a advocacia. O exame reprova até 80% dos candidatos porque é rigoroso demais? Ou os bacharéis é que são malformados?

O exame de ordem é indispensável porque, diante do decréscimo da qualidade no ensino jurídico, a Ordem precisava reagir. Proliferou-se pelo país um sem-número de faculdades de Direito. Para se ter uma ideia, os Estados Unidos têm 400 faculdades. O Brasil, 1.200. Entre elas, há uma ilha de excelência, que inclui escolas como a Faculdade de Direito da USP, com sede própria, biblioteca, professores titulados e grade curricular que prepara os alunos tanto em termos de formação como de mercado. Esses têm 80 a 90% de aprovação no exame da Ordem. Depois, há uma faixa intermediária de faculdades que tudo isso – mas, por algum motivo, seus alunos não se dão bem no exame da Ordem. Essas merecem ser ajudadas. Enfim, há as escolas que não têm sede, biblioteca ou professores titulados. Descobrimos uma que funcionava na sobreloja de uma padaria – vendia sonhos de dia e sonhos à noite… Essas são verdadeiros estelionatos educacionais. Precisamos fechar essa página do ensino do Direito no Brasil. O parecer da Ordem quanto à qualidade de ensino de cada faculdade era meramente opinativo – houve um período em que, enquanto a Ordem avalizou 19 faculdades novas, o MEC autorizou nada menos do que 222. Mas houve progressos: hoje, sem o parecer favorável da Ordem, a faculdade não se instala.

3Por que um bacharel fracassa num exame da Ordem?

O exame não é para derrubar ninguém. Não tem pegadinha, não tem vagas limitadas, pois pode aprovar até 100% dos alunos. Mas há bacharéis que não sabem fazer plural. Não digo fazer concordância, mas colocar o “s” no final das palavras plurais! Esses, evidentemente, não podem ser advogados enquanto não melhorarem. E o rigor do exame da Ordem é absolutamente indispensável dada a natureza da carreira advocatícia: o cliente confia a um advogado seu patrimônio, sua liberdade, sua dignidade, sua vida. Se acabar o exame da Ordem, como defendem muitos projetos tramitando no Congresso, todos os bacharéis brasileiros se tornam automaticamente advogados – teríamos, da noite para o dia, mais 3 milhões de advogados. O mercado está aberto, está em expansão – mas para quem estuda e se prepara para as novas vertentes do Direito, como Meio Ambiente, Consumo, Informática, Franchising. Tudo esperando pelo jovem que se encanta pelo Direito.

4Sua tese doutorado foi sobre Penas Alternativas. Mas preso no Brasil não dá voto. Nenhum candidato fala em melhorar o sistema prisional, que é medieval. No Espírito Santo, há presos empilhados em contâineres. O que fazer?

De fato, não é assunto eleitoral. O senso comum da população trata dessa questão com um víés fortemente emocional – daí a tese “quanto pior, melhor”, “eles merecem”. Ocorre que esse raciocínio, que divide a sociedade entre “nós e eles”, é baseado no entendimento da pena como uma vingança da sociedade e também não leva em conta a mudança do perfil da população carcerária – hoje, há empresários, socialites, políticos e até juízes encarcerados num sistema prisional com superlotação, sem condições mínimas de salubridade e dignidade. A solução desse grave problema passa pelo cumprimento da Lei de Execução Penal, promulgada há 25 anos, segundo a qual não bastam a prisão e a vingança social para se combater o crime. Sem a ressocialização do preso que um dia será libertado, explica-se o que ocorre no Brasil: num país com uma população carcerária de 471 mil presos, o índice de reincidência é de 80% – e isso se volta contra a própria sociedade. Mas o Estado, apesar da luta da OAB para ver a LEP obedecida na prática, tem se relevado totalmente inepto em garantir esse direito constitucional. É indigno um preso ser degradado, não ter onde dormir e ficar exposto a castigos físicos de toda ordem, inclusive sevicias sexuais, continuar preso além da pena. O descumprimento da LEP está relacionado ao nascimento de organizações criminosas dentro das prisões e com o alarmante aumento da criminalidade.

5Mas os presos acabam de conquistar um direito: o de votar, já nestas eleições. Como vê essa prerrogativa?

O voto dos presos provisórios, isto é, sem condenação definitiva, está previsto na Constituição de 1988. Todo cidadão – inclusive os presos provisórios – pode exercer seu direito constitucional de escolher governantes e parlamentares. Para esses detentos, a reconquista da cidadania, pela força do voto, pode até ser um passo importante em seu processo de ressocialização.

6Você ainda era garoto quando seus colegas sofriam na ditadura militarque sufocou os direitos civis. Os advogados vivem liberdade absoluta hoje?

Lamentavelmente, não. O trabalho dos advogados durante a ditadura era de extremo risco pessoal, para garantir o direito do cidadão num regime que desrespeitava esse direito. Hoje não é diferente. O advogado luta para fazer respeitar o direito do cidadão que muitas vezes é vítima de um agente do estado que viola a lei. A diferença é que as violações da lei ocorrem hoje com menos frequência.Precisamos estar vigilantes para que isso não aumente.

7Esse episódio das escutas descobertas na prisão do Mato Grosso é muito grave?

 

 

É de extrema gravidade. A violação é do estado dedireito, muito mais do que o de uma prerrogativa do advogado. Viola o direito do cidadão de falar reservadamente com seu advogado, mesmo preso.Escutar e

ssa conversa é crime. Não se admite interceptação

desse diálogo nem com ordem judicial. O Estado

pode investigar por outros meios, jamais praticando

ilegalidade – do contrário estaria autorizada a tortura

para upostamente se evitar crime.

8Algumas das leis brasileiras estão entre as mais rigorosas

do mundo. No entanto, subsiste uma sensação de impunidade

dentro da sociedade. Por quê? Na verdade a impunidade existe, mas a sensação de impunidade é maior. Precisamos mudar isso: combater a impunidade é estimular penas alternativas. Vale dizer: punir todos os que merecem punição – cadeia para quem precisa ser preso e penas alternativas para os que não devem ser presos, mas precisam ser punidos. Quando isso ocorrer, reduz-se o sentimento de impunidade no Brasil.

9O que há de errado em mandar para a cadeia um pai que não pagou pensão alimentícia?

Cadeia só deveria ser destinada para criminosos. Não se pode admitir que alguém que não pagou sua pensão de alimentos seja encarcerado, sem que tenha cometido um único crime. Essa é uma aberração de nosso sistema que vamos trabalhar para mudar.

 

10Para nossa Justiça ser mais rápida, basta mais dinheiro? Onde está o gargalo?

A Justiça precisa de dinheiro, mas também de gestão. Algo como o ISO 9001 seria muito bem-vindo para nossa Justiça. Na verdade o dinheiro que a Justiça, especialmente a de São Paulo, hoje não tem, seria aplicado na informatização, nas mais de 200 varas criadas e não instaladas, para contratar juizes e remunerar melhor os funcionários. Enfim, sem dinheiro os processos não andam no tempo esperado. É sofrimento para todos: juízes, promotores, advogados, mas, principalmente, para o cidadão. Cadeia só deveria ser destinada a criminosos. Não se pode admitir que alguém que não pagou pensão alimentícia seja encarcerado sem crime”

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