No último mês, um formato de vídeo começou a se espalhar pelas redes e a chamar atenção pela maneira como consegue mudar a percepção do público em poucos minutos. Ele coloca no centro uma figura polêmica, alguém já desgastado por críticas, e ao redor uma plateia de opositores que deveria, em teoria, desarmar qualquer tentativa de defesa, quase como se fosse um experimento social. Só que as falas que vêm dessa plateia não são fortes, muito menos convincentes. São rasas, exageradas, quase caricatas. E é aí que a virada acontece: de repente, o polêmico que parecia indefensável passa a soar como a voz da razão.
Esse formato não nasceu do nada. Ele foi pensado para viralizar porque entrega todos os ingredientes que fazem sucesso no ambiente digital: tem conflito, tem drama, tem frases que cabem em cortes rápidos e legendas fáceis de compartilhar. É entretenimento com cara de debate sério, e por isso funciona tão bem. Quando o espectador assiste a trinta falas confusas, acaba se agarrando àquela que soa minimamente organizada, e nesse contraste o polêmico ganha um brilho inesperado. O público, que antes o rejeitava, se pega concordando com ele quase sem perceber.

ILUSTRAÇÃO: Agência Alma
Do ponto de vista da comunicação, não dá para negar que é uma estratégia inteligente. Ela usa a própria lógica da internet a seu favor: a pressa por narrativas simples, a necessidade de escolher lados, a vontade de consumir histórias prontas. O “um contra trinta” é, nesse sentido, uma fórmula que nasce para virar jogo, porque transforma a crise em palco e reposiciona quem estava em baixa como alguém aparentemente coerente em meio ao barulho.
Mas como toda estratégia, essa também tem seu risco. É uma faca de dois gumes, capaz de reconstruir uma reputação quando nasce de embates autênticos, mas igualmente capaz de destruí-la quando soa artificial. Se o público acredita que aquele confronto é real, ele respeita a disposição de enfrentar críticas e pode até reconsiderar sua opinião. Mas se percebe encenação, a credibilidade se perde na mesma velocidade em que o vídeo acumula visualizações. E sem credibilidade não existe influência, apenas números vazios.
Esse é o ponto central da discussão: alcance sem confiança não sustenta imagem. A audiência atual já entendeu que autenticidade é um bem escasso, por isso valoriza quando a reconhece e rejeita com ainda mais força quando descobre a farsa. Não existe algoritmo capaz de manter viva uma narrativa que nasce de mentira, porque a rejeição se espalha mais rápido do que qualquer estratégia consegue conter.
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Ainda assim, não dá para negar que a fórmula cumpre um papel imediato: ela coloca o polêmico de volta na boca do povo, transforma críticas em memes, multiplica menções e, mesmo que não reconstrua reputação de forma sólida, garante visibilidade no curto prazo. E em um mercado onde atenção é moeda, estar no centro da conversa já é, por si só, uma vantagem.
O que essa tendência revela é que o cancelamento deixou de ser um fim definitivo e se tornou matéria-prima para reposicionamento. O formato do “um contra trinta” é, sem dúvida, uma das ferramentas mais poderosas do momento, mas só funciona quando não tenta ser truque. Autenticidade não é algo que se roteiriza, não é um figurino que se veste em frente às câmeras, é o único elemento que sustenta qualquer narrativa de imagem. Sem ela, toda estratégia de comunicação se transforma em mais um espetáculo vazio em meio ao excesso de conteúdos que a internet consome e descarta todos os dias.
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A lição que fica é simples: a internet pode até amplificar uma encenação por alguns dias, mas não constrói reputação em cima de mentira. Viralizar pode devolver atenção, pode gerar meme, pode até render novos seguidores. Mas sem autenticidade, nada disso se sustenta. A estratégia é boa, tem potência e inteligência, mas só quem entende que confiança não se improvisa consegue usá-la a favor.
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ILUSTRAÇÕES: Agência Alma
*Esse texto, em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões a partir da interpretação de fatos e dados coletados, é de responsabilidade integral do mesmo. O artigo não reflete, necessariamente, a opinião da GoWhere.