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Ricardo Amorim abre o jogo sobre finanças e sustentabilidade

FOTO: Daniel Cancini

Foram 18 anos de Manhattan Connection – numa bancada de comentaristas de alto padrão, incluindo, no começo, Paulo Francis e Arnaldo Jabor. Quando o programa saiu da programação da Globo News e rumou para a TV Cultura, uma estatal, o economista Ricardo Amorim, responsável pelas resenhas financeiras do painel, partiu para voo solo. Mas, então coroado pela fama estrelar, já se tornara o mais requisitado influencer da economia brasileira, com um pé em investimentos, outro no atual império da sustentabilidade – sem o qual grandes marcas se tornam insustentáveis. Isso significa, por exemplo, propostas para fazer palestras muito bem remuneradas em centenas de eventos. Aliás, milhares: foram 2.500 convites nos últimos 12 meses. E se tornar sócio de empresas voltadas para temas ambientais. Amorim teve que se tornar mais seletivo – e isso o torna menos disponível. Por isso, esta entrevista para GoWhere Business, com toques de palestra top, é uma ação blue chip para os leitores.

Os princípios da Economia afetam os 7 bilhões de habitantes da Terra, em dois extremos – de milionários a miseráveis. Como a ciência dos números entrou em sua vida?

Eu não tinha a menor ideia do que estudar. Pensei em Jornalismo, Administração, Educação Física, porque adoro esportes, Medicina, porque acreditava na evolução da engenharia genética, e até Física, por achar que a supercondutividade iria mudar o mundo. O que me levou a estudar Economia foi o fato de que meu pai dizia sempre: se não sabe o que estudar, faça Economia. Como você menciona em sua pergunta, ela permeia tudo e todos. Será útil em tudo o que você ­ fizer na vida. Claro, fui estudar Economia.

E seu primeiro trabalho nessa área?

Um estágio na área ­ financeira da Rhodia e, na sequência, fui trabalhar na MCM Consultores Associados, do ex-ministro Mailson da Nóbrega e do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola.

O economês não é uma língua fácil. Como é que você se tornou um comunicador fora de série nessa área?

Costumo dizer que só consigo trabalho porque a maior parte dos economistas fala economês, sem tradução simultânea. Minha vantagem foi ter formação dupla. Há dois grupos de economistas: alguns são tecnicamente muito capazes, passaram por governos, mercado financeiro – mas só falam para iniciados. Há um segundo grupo, de jornalistas econômicos, que se comunicam muito bem, mas a maioria não esteve sentada na outra cadeira, só na de comunicador. Minha sorte foi ter trabalhado duas décadas no mercado financeiro, o que me ensinou a tomar decisões – e quase duas décadas no Manhattan, quando aprendi com Diogo Mainardi, Caio Blinder, Lucas Mendes, exímios comunicadores. A intersecção entre essas duas escolas me formou. Sorte.

Entre Caio Blinder e Diogo Mainardi, Ricardo Amorim integrou durante 18 anos a bancada mais badalada do jornalismo brasileiro | FOTO: Divulgação

Como foi sua saída da Globo?

Fiz a opção de não ir com meus colegas para a Cultura porque tinha medo de que essa mudança de rota fosse lida como uma opção política, porque é uma emissora de governo num Brasil ultrapolarizado. E vontade de fazer outras coisas. Foram 18 anos na bancada. Queria algo diferente.

Sua carreira de palestrante não foi afetada?

Atuando no mercado ­ financeiro, eu já dava muita palestra antes do Manhattan. Claro que a demanda aumentou muito. Montei uma empresa de consultoria, na qual, além de palestras em eventos, passei a fazer projetos de consultoria. Eu até imaginava que esse segmento seria muito mais forte. Mas o setor de eventos cresceu de forma que nunca imaginei. Nos últimos 12 meses, recebi 2.500 pedidos de participação em eventos, no mundo inteiro.

Presumo que você não tenha aceitado todos…

Ao contrário, não chego a aceitar um de cada 20.

Tem uma equipe nisso?

Sim, cheguei a montar um sistema de inteligência arti­ficial para me ajudar a escolher o que aceitar. Tenho uma regra: uma vez que me comprometi com um evento, não volto atrás. Esse “não importa o que aconteça” me obrigou a dizer não para convites que eu não gostaria de recusar. Disse não para o Rei da Bélgica, para o Zeitgeist, evento dos fundadores do Google, e outros muito grandes, por estar com a agenda lotada – e, como eu disse, não desmarco uma vez comprometido.

Um dos critérios é “econômico”?

Um deles é, sim, o ­financeiro, mas longe de ser o preferencial. A tabela leva em conta o meu fator mais escasso – o tempo. Se for em São Paulo, tem um valor; em Singapura, o valor é vários múltiplos do que cobro na cidade onde moro. Outro fator é a importância do evento e o quanto eu vou colaborar com as pessoas que lá estiverem.

“O setor de eventos cresceu de forma que nunca imaginei. Nos últimos 12 meses, recebi 2.500 pedidos de participação em eventos, no mundo inteiro”

Quais são os temas mais requisitados?

Perspectivas da economia brasileira, latino-americana e mundial. Como morei fora muitos anos, faço palestras em inglês, espanhol e francês. Outro tema é a inovação, trabalhei muito tempo cuidando dessa área. Sou sócio há sete anos de uma empresa chamada AAA Inovação, que cofundei para ajudar as empresas a desenvolverem a cultura de inovação, isto é, a serem mais inovadoras. Cofundei também uma outra startup de viagens corporativas, a Smartrips.

Nessas palestras, você aborda temas do dia a dia?

Em geral, economistas puros ­ ficam no macro. Não descem ao cotidiano do tomador de decisões. Como estive sentado na cadeira deles, sei a diferença que isso faz. Minhas palestras saem do geral ao especí­fico. O que está acontecendo no mundo que afeta a economia brasileira, que afeta o setor, que por sua vez vai gerar oportunidades e desafios para aquela empresa.

O que ocorre na economia global que afeta o Brasil hoje?

Tento ficar no que as pessoas ainda não prestaram atenção. Para mim, do ponto de vista mundial, os dois grandes temas são, em primeiro lugar, uma transformação geopolítica: o risco de estarmos saindo do mundo globalizado dos últimos 30 anos para voltar ao planeta que era dividido em dois polos, comunismo e capitalismo. Nos anos 90, isso acabou com a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. Com o Brexit, a eleição de Donald Trump e seu discurso antiglobalista, a invasão da Ucrânia e um conflito entre China e Taiwan, estamos voltando a caminhar para a outra direção. Se isso acontecer, a queda da inflação dos últimos 30 anos, no mundo inteiro, irá se reverter. A taxa Selic brasileira chegou a 2% ao ano e a taxa americana a zero. Juros negativos na Europa e no Japão. Esse movimento de juros baixos resultou consequências. Foi assim que surgiu muita grana para a inovação. Como as startups tinham acesso a capital quase ilimitado, elas não precisavam fazer dinheiro. Então, ofereciam seus produtos abaixo do preço – ou de graça. Isso forçava os competidores a venderem mais barato – o que jogou a inflação mundial para baixo. Criou-se um círculo virtuoso de capital ilimitado, inflação mais baixa, juros mais baixos. Isso desenhou o mundo e o Brasil dos últimos 30 anos. O meu ponto – e ninguém está prestando atenção nisso: esse mundo pode ter ­ ficado para trás.

O novo mundo será pior?

Em muitos sentidos, sim. Menos crédito atrapalha preferencialmente setores com preços ­ finais muito elevados – como mercado imobiliário e automobilístico. Segundo: menos dinheiro para inovação. Muitas implicações.

FOTOS: Daniel Cancini

E a preocupação obsessiva com o meio ambiente?

Essa não sei se será revertida. O que está acontecendo é a clareza de que esse processo tem que ser gradual. A Europa, particularmente a Alemanha, fez uma opção: reduzir os riscos ambientais, substituindo a energia nuclear pelo gás natural russo. Isso é questionável, pois as usinas nucleares modernas têm um risco muitíssimo mais baixo. Fato concreto: está acontecendo uma mudança brutal da matriz de energia global. Toda vez que isso ocorreu, os processos de transformação econômica foram gigantes. A entrada de energia limpa, particularmente a eólica, vai causar uma revolução muito parecida. E isso é tão importante que me tornei, há alguns meses, sócio, embaixador e conselheiro da 2WEnergia – empresa de energia limpa no mercado livre, permitindo aos consumidores comprar energia das empresas de sua escolha. A partir de quando os 78 milhões de consumidores brasileiros de energia poderão escolher? Isso já ocorre nos Estados Unidos e Inglaterra. Poderemos oferecer a mais gente a chance de economizar e ajudar o planeta. Desde a faculdade, sempre acreditei em movimentos transformacionais. Estou convicto de que este será.

Os consumidores e investidores estão optando por empresas que tenham esse compromisso?

Eu diria que, do lado dos investidores, cada vez mais. E dos consumidores, neste momento, ainda é mais não do que sim – mas o grupo que vê isso como uma condição sine qua non está crescendo. E mais rápido do que se imagina. Nesses quase 30 anos, ouvi muito blá-blá-blá com relação à questão ambiental. Isso mudou.

O Brasil de Bolsonaro está sintonizado com esse discurso pró-meio ambiente?

O discurso claramente não está – e isso pesa contra o Brasil em vários aspectos. O primeiro: muitos países usam o discurso do Bolsonaro, “despreocupado” com o meio ambiente, para desmerecer o Brasil nesse aspecto. Mas, quando você deixa o discurso de lado e aborda a prática, o ministro Juca Leite, do Meio Ambiente, está fazendo excelente trabalho. Está, por exemplo, ajudando a expandir o mercado de crédito em carbono, no qual o Brasil deve ser um líder global. Grandes empresas se verão forçadas a compensar impactos negativos no meio ambiente com a compra de crédito em carbono. Em grande medida, quem vai vender esse crédito é o Brasil – por conta de sua floresta e porque, dos grandes países do planeta, a energia brasileira é uma das mais limpas do mundo, sobretudo pelo crescimento acelerado da energia eólica e solar, na qual o Brasil é abençoado pela natureza.

Está claro que você leva muito a sério o tema do meio ambiente. Não é conversa fiada…

Não, não é. A vida só vai numa direção: todos vamos fica mais velhos, sem exceção. E a alternativa é bem pior… Estou cada vez mais preocupado com o que eu vou deixar para meus filhos (um menino de 12 e a menina de 9 anos). Não sei se sou boa ou má pessoa, mas, depois que eles nasceram, me tornei uma pessoa muito melhor. E só tem um jeito de deixar um mundo melhor: deixar o Brasil melhor.

FOTO: Daniel Cancini

Seus filhos já têm poupança, sob sua supervisão?

Têm – e fruto do trabalho deles. Minha mulher é modelo e eles fizeram várias campanhas com ela. Foram pagos, fizera uma poupancinha. Meu mais velho praticamente já cuida sozinho. Quando fomos crianças, o dinheiro era físico ou em cheque. Meus filhos vieram a um mundo onde a maior parte dos pagamentos é feito com cartão – um saco sem fundo. As crianças deste mundo devem ter a noção de que o dinheiro não é infinito, não é interminável. Uma das minhas preocupações paterno-financeiras é tentar demonstrar que o cartão é apenas um meio de pagamento.

Muitas das pessoas pedindo esmola nos faróis com pedaços de papelão agora dão a chave do Pix…

Aí entra a questão da inclusão social produzida pelas novas tecnologias. O Pix é um exemplo disso. Metade dos brasileiros vivem na economia informal e, até há pouco, estavam excluídos da capacidade de fazer negócio. As tecnologias causam transformações sociais. A máquina de lavar roupa poupou horas de trabalho das mulheres, numa sociedade ultramachista – o que lhes permitiu estudar e depois trabalhar. Agora, elas têm representatividade quase igual à dos homens na sociedade. Essa é a beleza do processo.

A pandemia acelerou várias linguagens digitais, como e-commerce, delivery. Como você viu isso?

Não tenho dúvida de que o chamado “novo normal” consiste da aceleração das transformações que já aconteciam. Hoje se saúda o carro elétrico. Ora, ele tem mais de 100 anos. O que mudou? Capacidade de armazenamento das baterias, o custo dos veículos, o acesso à energia. Sou um bom exemplo disso. Há cinco anos dirijo carros da Volvo híbridos. E está para chegar outro modelo totalmente elétrico.

Você vai ao exterior fazer uma palestra e alguém te pede um resumo da economia brasileira hoje. E?

O resumo da ópera: excepcionalmente, o Brasil está hoje mais bem preparado para lidar com o maior desafio econômico global – a inflação. Com a quebra de cadeias de produção por conta da pandemia, e para evitar que a economia colapsasse, governos do mundo inteiro trouxeram as taxas de juro aos níveis mais baixos da história, investiram mais em programas sociais. Muito dinheiro em circulação, falta de produto, inflação na veia. Por seu passado inflacionário, o Brasil passou por um processo forte de elevação de preços. O Banco Central respondeu antes e com força. A taxa Selic foi multiplicada por sete – 2 para 14. Nenhum outro país do mundo fez algo parecido. O que significa isso? A inflação no Brasil já está controlada. O resto do mundo está brigando para controlar. O Brasil hoje cresce mais que os outros. Isso se traduz na queda do desemprego. Desde setembro de 2021, houve geração recorde de empregos. Ainda temos uma taxa gigante de desemprego, mas sem pressão inflacionária. Estamos num momento bacana do ciclo econômico, em termos de perspectivas.

“A inflação no Brasil já está controlada. O resto do mundo está brigando para controlar. O Brasil hoje cresce mais que os outros. Isso se traduz na queda do desemprego”

Para fechar o papo: se eu te desse 500 mil reais para você aplicar, para retorno em um ano, onde você investiria essa grana?

Investimentos devem levar em conta dois fatores: perspectiva de mercado e tempo do investimento associado a aversão a risco. Ações da Petrobras foram praticamente dizimadas no governo Dilma. Quando ela toma posse, estavam na faixa dos 90 reais. Caem a 8. Comprei então e falei, para quem quisesse ouvir, que era uma grande oportunidade. Aí ela cai a 4 reais. É quando sai um relatório da Empiricus, prevendo que a Petrobras vai quebrar e a ação vai a 50 centavos. No meu caso, comprei mais quando ela chegou a 4. E chegamos aonde quero chegar: essas ações passaram de 30 reais. Em um ano e pouco multipliquei meu investimento por cinco. Por uma única razão: eu estava muito convicto quando comprei a 8. Ao cair para 4, comprei mais. Convicção, clareza e aguentar oscilações no meio do caminho – essa é a receita. Eu não estava preocupado com o prazo. Um ano na minha cabeça é um prazo curto. Embora o Brasil esteja mais sob controle do que o resto do mundo, há um quadro global e a inflação ainda pode surpreender para cima. Se o prazo estipulado for mesmo um ano, eu indicaria títulos indexados à inflação. Num prazo maior, empresas de energia renovável é onde eu entraria – aliás, entrei. Melhor do que minhas palavras é onde eu efetivamente entrei.

Dólar, never?

Não é um bom investimento, com exceção de uma situação. Há uma regra básica de investimento: invista onde ninguém quer investir. O que isso significa? Se você investe em algo que está subindo sistematicamente há muito tempo, está caro. E se está caro, em algum momento vai oscilar e você vai se dar mal. Como o dólar já está muito alto… Mas ele não pode subir? Pode. Se houver uma invasão da China a Taiwan, por exemplo. Vai que o próximo governo brasileiro indique uma equipe econômica de malucos… O dólar pode ir a 7? Pode. Mas, dos países emergentes, com grandes mercados, o Brasil é disparado o que tem menor risco geopolítico. Quem vai colocar dinheiro na China, Rússia? Se a gente fizer o mínimo correto, temos um grande potencial de atração de investimentos. Se o dinheiro entrar, o dólar pode cair abaixo de 4. Não estamos num momento de dólar barato nem de clareza da direção que o dólar vai tomar.

Cada esquina, um lançamento imobiliário. Até quando vai esse boom?

Tenho a impressão de que acelera no ano que vem. O que gera um boom? Mais gente comprando imóvel. E o que faz uma pessoa comprar imóvel? Poder pagar – e isso está relacionado a oferta de crédito. Na prática, a maioria das pessoas tem que recorrer a financiamento. Quando há mais dinheiro e mais barato? Quando o juro está em baixa. Quando a Selic cai para 2%, em 2020 e em 2021, a oferta de crédito mais que dobra. Agora, isso parou. Mas os lançamentos não pararam. Quanto maiores as transformações do “way of life”, mais aquecido fica o mercado. Na pré-pandemia, ir para o trabalho todos os dias valorizava morar num imóvel pequeno, mas perto do emprego. Agora, trabalhando de casa, quero um imóvel melhor e um lugar decente.

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POR Celso Arnaldo Araujo
FOTOS: Daniel Cancini

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