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O muso do Impeachment

Aos 61 anos, o professor Marco Antonio Villa é o mais famoso historiador brasileiro da atualidade – e ser historiador, no Brasil, não é exatamente uma atividade que gera celebridade. Doutor em História Social pela USP e professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos, ele é parado nas ruas e recebe milhares de mensagens em seu blog, mas não por suas aulas ou algum dos muitos livros que escreveu. Villa tornou-se um superstar da cena política brasileira por criticar, com notável veemência, o epíteto que pediu emprestado ao ministro Celso de Mello e virou uma espécie de bordão: o projeto criminoso de poder. Na bancada do Jornal da Manhã, na Rádio Jovem Pan, ele se transformou numa das vozes mais poderosas da oposição – agora vitoriosa. E falou a GoWhere Business. 

Por: Celso Arnaldo Araujo

impeachment_1GW: Você é mesmo o muso do impeachment?

MA: Quem sou eu… É só uma piada. Mas é claro que tive uma pe-quena importância nesse processo, pelos livros que publiquei tratando do PT e de seu projeto criminoso de poder, por minha participação no Jornal da Cultura, da TV Cultura, e, especial-mente, no último ano e meio, no Jornal da Manhã da Jovem Pan. Acabei ocupando um grande espaço político – e muito do que falei acabou acontecendo em relação ao impeachment e à análise que fiz sobre essa estrutura de poder petista, criminosa em essência, que tomou o aparelho do Estado. Acabei ficando bastante conhecido – haja vista o número de palestras e debates para os quais sou convidado. Me sinto confortável, mas, ao mesmo tempo, cada vez mais responsável pelo que digo. Há três anos, quando me aposentei como professor universitário, eu tinha um alcance muito limitado. Hoje tenho uma enorme interação com um público que eu desconhecia – tanto no sentido social como no etário. É uma fala com conhecimento histórico, mas acessível ao entendimento do público, sem ser panfletário, e isso gera uma resposta imediata.

GW: Ofensas e ameaças pela rede social, muito comuns nos dias de hoje, também chegam?

MA: Ah, sim. Pelo Facebook, pelo e-mail e no meu blog, recebo comentários agressivos e ameaças de morte que me levaram a fazer boletins de ocorrência. Isso não mudou minha forma de vida e de ver a vida. Mas o projeto criminoso de poder é assim.

GW: Esse, aliás, virou uma espécie de bordão seu, emprestado de um ministro do Supremo…

MA: O Celso de Mello, em seu voto na Ação Penal 470 (Petrolão). Nesse voto há outras expressões marcantes, como “macrodelinquência governamental”, “marginais do poder”. Eu transformei o “projeto criminoso de poder” em bordão, é verdade, porque isso sintetiza muito bem o PT. Para o PT, não há diferença entre partido, governo e Estado.

GW: Há três meses, ninguém acreditava que haveria o impeachment. Quem mudou isso?

MA: Uma tríade: a Operação Lava-Jato, a força das ruas e a atuação de alguns membros dos meios de comunicação de massa.

GW: Você é um historiador, que precisa da passagem de tempo para se debruçar sobre determinado período. Só agora, 20 anos depois, está saindo um livro seu sobre a queda do Collor. Quanto tempo será preciso para analisar o “fenômeno” Dilma: como essa senhora completamente despreparada, sem nenhum carisma, chegou à Presidência?

MA: Ficaremos sabendo. Boa parte dos documentos oficiais ficam sob sigilo, mas os historiadores do futuro farão um retrato ainda mais cruel do período Dilma Rousseff. Ela certamente desconhece o beabá da história do Brasil e tem uma formação cultural muito precária. Mas Dilma foi produto da atual conjuntura brasileira, com uma elite política muito pobre e um baixíssimo nível de debate político. Mesmo ela sendo pau mandado do Lula, se a oposição tivesse melhores quadros teria impedido a ascensão de Dilma.

GW: Perdemos muito tempo nesse processo, com o Brasil não só parado como andando para trás. A mobilização da população pelo impeachment nos amadureceu como nação?

MA: Sem dúvida o processo de impeachment foi absolutamente saudável. Pela primeira vez as ruas deixaram de ser instrumento do Parlamento e de partidos políticos e se transformaram num agente autônomo e mudancista. O interesse por política e até por conhecer melhor a história também cresceu muito no País – o que é louvável. Nunca se falou tanto em Constituição.

GW: Sessões do Supremo têm sido transmitidas ao vivo…

MA: Com as pessoas tratando os ministros do Supremo como se fossem conhecidos da esquina.

GW: Mas na votação do impeachment, a Câmara revelou alguns deputados que pareciam saídos de uma chanchada…

MA: O Congresso sempre foi ruim. Retroagindo ao primeiro Parlamento, criado em 1826, já tinha uma composição parecida – um grupo de 10 ou 15 com alguma expressão, o resto é o resto. Foi assim também na República Velha, na República populista dos anos 30, no regime militar e na redemocratização. Esses deputa-dos que assustaram o Brasil estão todo dia na TV Câmara – mas ninguém vê.

GW: O Brasil conhecia o baixo clero, mas não conhecia o “Mamãe eu clero”… Gente provinciana cuidando de seus próprios interesses e citando a mãe, os filhos, a cidade…

MA: O nível do Brasil, com sua Pátria Educadora, caiu muito. Vivemos uma decadência geral no país, que passa pelas universidades e algumas áreas das ciências humanas. Essa decadência hoje alcança a música, o cinema, a TV, a literatura, o futebol…

GW: Você se dedicou a uma atividade, a História, hoje pouco atraente para as novas gerações. Quem é que busca uma faculdade de História hoje?

MA: Há os que buscam bacharelado e licenciatura – exigência de quem pretende dar aulas no ensino fundamental e médio. Há pouco interesse nessa área, pelo baixo salário do professorado. E há aqueles que fazem História para se transformar em pesquisadores ou professores universitários. Os salários aí são um pouco maiores – mas ainda baixos. E falta qualidade à produção historiográfica brasileira, olhando-se os últimos 10 anos.

GW: O que o levou a lançar agora um livro sobre o Fernando Collor?

MA: Trabalho na área de História Política e o livro do Collor cobre um período que ainda faltava. Sobre o período 61 a 64, tenho um livro chamado “Jango, o perfil”. Sobre o regime militar, tenho outro: “Ditadura à brasileira: a democracia golpeada à esquerda e à direita”, que cobre um período que vai de 1964 a 1985. Sobre os anos do PT no poder, de 2003 ao final de 2012, “A década perdida”. Faltava analisar o governo Collor, para mim um ponto de interrogação. O livro tem perfil de pesquisa acadêmica, mas conversei com o próprio presidente Collor durante quase seis horas e com praticamente todos os seus ministros – para tentar entender melhor os mecanismos de seu governo.

GW: Você se animará a fazer um livro sobre os anos Dilma?

MA: Pode ser que eu faça. Mas antes tenho um projeto rascunhado sobre os oito anos do governo Fernando Henrique.

GW: A que horas do dia você se dedica à História?

MA: Eu moro sozinho, trabalho muito e durmo muito pouco. Ultimamente ando muito cansado. No dia do impeachment na Câmara, comecei aqui na Pan às 9 da manhã e saí a uma da madrugada. No dia seguinte, euestava aqui às 7 da manhã. Tenho compromissos obrigatórios e os tenho desempenhado com competência. Mas é puxado, até porque ainda preciso estudar, ler muito – um dos meus atuais interesses é a década de 40 na Inglaterra, sobretudo a forma como o país resistiu à Alemanha nazista. Outro, a história da vida privada na época de Stalin. E tento ler literatura também e assistir aos melhores filmes – mas a crise do impeachment me impichou dos cinemas…

O livro mais recente do professor Villa analisa o período Collor, que também acabou em impeachment

GW: A economia brasileira parou, caiu, se esparramou. Historicamente, há motivos para acreditar que vá se levantar com a troca de comando?

MA: É condição sine qua non para isso o afastamento definitivo da Dilma, porque há uma incompatibilidade incorrigível entre o PT e o Brasil. O que é bom para o PT é ruim para o Brasil e vice–versa. O país não aguentaria mais um minuto sob o comando do PT. O PT comandou um processo de destruição do Estado nunca visto na história do Brasil e, desconheço, na história do Ocidente na vigência de uma democracia. O projeto criminoso de poder foi devastador no controle das empresas e bancos estatais, ministérios, fundos de pensão, asfixiando e apresando a sociedade civil, com domínio sobre atores, músicos, escritores, jornalistas e sobre o andar de baixo, através do mecanismo do Bolsa Família. O leninismo tropical petista foi devastador – mas foi enfim derrotado, quando se julgava eterno, com a volta de Lula em 2018 e a solução de outro poste em 2016. O que acaba de ocorrer é um acontecimento histórico e, de certa forma, surpreendente.

GW: A queda do PT não vai lhe causar uma espécie de crise de abstinência? O Brasil vai perder a graça?

MA: É diferente de 1992, quando saiu o Collor, chegou o Itamar e as coisas se acalmaram. Desta vez, não. Não que o PT vá fazer uma grande oposição e o Lula vá para as ruas. Conversa. O Lula vai para a cadeia. O Cunha acabou também. Mas a crise política vai continuar, porque a Operação Lava-Jato é incontrolável e vai atingir o coração do PMDB. Claro que haverá uma sensação inicial de alívio e o país vai dar uma respirada, as expectativas serão melhores – mas a crise vai continuar.

GW: Algum exagero na Operação Lava-Jato?

MA: Não. A Lava-Jato foi brilhante até agora e o juiz Sergio Moro tem uma dimensão histórica ainda desconhecida – certamente maior do que imaginamos. Sem a Operação Lava-Jato, o PT ainda estaria a todo vapor.

GW: Artistas do porte de Chico Buarque ainda defendem o PT…

MA: A opinião do Chico Buarque, politicamente, tem a mesma importância da Anitta. Ela, aliás, tem uma opinião até mais crítica: “Se é para ter opinião bunda, é melhor não dizer nada”. A opinião do Chico é bunda.

GW: Eu proponho um exercício de futurologia a um historiador: hoje é dia primeiro de janeiro de 2017. Como estaremos?

MA: Muito melhor do que agora – com a perspectiva de uma leve recuperação econômica ao longo do ano. Talvez 0,5%. Lula preso.

GW: Dilma palestrante?

MA: Não, tentando reativar a loja de 1,99 que ela faliu.

GW: O impeachment é para sempre?

MA: O impeachment não foi de Dilma, mas de Lula. Dilma nunca passou de uma simples criatura de Lula, sem vida própria, sem presença partidária, sem liderança. Vai sumir da vida pública. Mas Lula ainda vai tentar algum movimento. Porém, hoje, é um líder decadente. Vai desaparecer lentamente – e cada vez de forma mais caricata. Tentará recolher os cacos do PT. Vai fracassar. Se insistir em fazer política, será uma espécie de Maluf da esquerda. E o PT sem Lula é nada.

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